com a palavra

Professora fala sobre as dificuldades para uma mulher estudar Química Industrial nos anos 1970

Joyce Noronha

Nascida em Santa Maria, a professora universitária de Química Industrial e colunista do site do Diário, Marta Tochetto, 61 anos, lembra como precisou ser firme para quebrar barreiras ao ingressar em um curso da área tecnológica, em 1976.

Filha mais velha de Carolina da Silva Lopes e Bonifácio Rodrigues Lopes, tem cinco irmãos. Cresceu trabalhando, com toda a família, no Mercado Bonifácio, de propriedade do pai. Acostumada a famílias grandes, com o marido, Rogério Tocchetto, falecido, teve quatro filhos: Felipe, André, Guilherme e Graciela. Ela também é avó de Giovana, e "adotou" outra neta: Sofia, filha de uma ex-aluna e colega de trabalho. Tem os cabelos coloridos como marca registrada e conta que os cultiva assim há cerca de 16 anos.

Diário - Que recordações a senhora guarda da infância?
Marta Tocchetto -
Lembro que o meu pai, Bonifácio Lopes, tinha um mercado que era abastecido com produtos diferenciados, que ele buscava em Porto Alegre. Recordo que o guisado da nossa casa era o bacalhau, visto que, o pai trazia peças muito grandes do peixe, em caixas enormes de madeira e cortava em partes para vender. Como as partes menores, as mais fininhas, não eram muito vendidas, ficavam para consumo em casa. Além disso, por ajudar no mercado, eu ficava cheirando a bacalhau. Na época, tinha vergonha. Quando cresci, entendi que isso não era motivo de vergonha. Era coisa de criança, de adolescente, enfim... 

Diário - Como foi fazer faculdade de Química Industrial nos anos 1970?
Marta -
Na época em que fiz faculdade, eram muitos homens, alunos e professores preconceituosos. Eles desencorajavam a gente na profissão. Frequentemente, nos remetiam para a relação com a cozinha e outras coisas pejorativas. Mas isso foi mudando. Aos poucos, mais mulheres foram ingressando nas universidades tanto como professoras quanto como alunas e o cenário universitário foi mudando. Hoje, tem bastante mulheres no curso que fiz, tanto no corpo docente quanto no discente. 


Fotos: Arquivo pessoal
Com amigos de longa data e que a auxiliaram em momentos difíceis, como a perda do marido, Rogério

Diário - Por que escolheu estudar Química Industrial?
Marta -
Minha história com a química é interessante. Estudei no Centenário do Jardim até encerrar o então Segundo Grau. Quando entrei lá, o colegiado era essencialmente feminino. As professoras eram mulheres também. Um ano após meu ingresso no colégio, começaram a aceitar meninos. Daí, eu passei a ter um professor de química. Fiquei apaixonada! Anos depois, contei ao professor Fábio que a minha história com a Química começou porque havia me apaixonado por ele. Ele achou engraçado (risos). Lembro que ele tinha um vozeirão. Eu ficava deslumbrada. Muito estudiosa, acabei percebendo que gostava mesmo daquela matéria que tanto me chamou a atenção. Eu tinha vontade de ir para profissões diferentes, que quebrassem aquela coisa de profissão de mulher. Primeiro, pensei em ser astronauta. Afinal, sou da década do homem na lua (risos). Depois, conheci a polícia feminina em São Paulo. Achei o máximo! Pronto, agora queria ser policial. Ao estudar matérias voltadas à tecnologia, me via no chão de fábrica. Eu queria desafiar o mundo masculino. 

Diário - Conseguiu ir para o chão de fábrica?
Marta -
Não, porque eu e o Rogério nos casamos antes de eu me formar, em 1979. Me formei em 1980. Além disso, Santa Maria não tinha indústria. Então, em 1982, fiz concurso para a universidade. Em 1983, fui nomeada professora. O Rogério era engenheiro civil e tinha uma empresa junto com os irmãos dele, que também era engenheiro. Quando a gente se casou, ele já tinha a construtora. Então, decidimos permanecer em Santa Maria, onde consolidei minha vida profissional. Dar aula no Departamento de Química foi uma grande oportunidade de dar visibilidade às mulheres que atuam nessa área, seja na academia ou onde for. O importante é quebrar esse machismo, que está sempre aí. Então, não me senti frustrada. 

Diário - Conheceu seu marido na faculdade?
Marta -
Entramos na faculdade no mesmo ano, 1976, e tínhamos muitos amigos em comum. Rogério jogava futebol com os colegas dele do Maria Rocha, que eram meus colegas na Química. Desde que o conheci, o futebol passou a fazer parte da minha vida. Aliás, conheci Rogério em um campo de futebol, no jogo dos "bixos". Fui assistir à partida para ver meus amigos jogarem. Como ele havia jogado a partida anterior, meus amigos disseram: "cuida das gurias, enquanto a gente joga". Achei ele muito feio e o ignorei (risos). Foi o nosso primeiro contato, embora nem tenhamos trocado uma palavra. Foi em 1977, quando nos encontramos no Carnaval e passamos a nos ver mais vezes. Logo, meu pai nos deu uma prensa. Achei que iria perdê-lo, mas não. Ele passou a frequentar a minha casa para namorar no sofá.  


Fotos: Arquivo pessoal
Com os filhos, Felipe, André, Guilherme e Graciel, e a neta, Giovana

Diário - A senhora disse que o futebol lhe deu muito, mas também lhe tirou muito. Por quê?
Marta -
Conheci meu marido em um campo de campo de futebol e o perdi no mesmo cenário. Em 1992, em um dia nublado e chuvoso, ele estava jogando em um torneio quando foi atingido por um raio (conta com olhos marejados).  

Diário - A senhora ficou viúva cedo...
Marta -
Foi difícil. Tínhamos 35 anos quando aconteceu. Depois do enterro, fomos para a casa dos meus sogros e, naquele momento, todos questionavam como eu e meus filhos seguiríamos em frente. Ali, percebi que precisava me recompor. Chamei as crianças, pedi que pegassem suas coisas e voltamos para a casa que eu e Rogério estávamos construindo. Lembro que o lugar estava minimamente habitável. Prossegui com a construção e permaneci morando lá com meus filhos. A primeira coisa que fiz na obra foi instalar uma piscina. A família não entendeu, mas eu precisava que aquela casa fosse sinônimo de alegria. Construí de modo que meus filhos e eu pudéssemos ser felizes lá. Algumas coisas do plano original foram modificadas. Fiz o que deu para fazer (com lágrimas pelo rosto). Recebi apoio de familiares, de amigos e do Colégio Centenário, onde meus filhos estudavam. Até hoje, tenho fortes ligações com essa escola. 

Diário - Eles estudaram na mesma escola que a senhora?
Marta -
Sim! E depois de perder o Rogério eu cogitei tirar eles da escola, porque mudou tudo, principalmente a nossa situação financeira. Mas o pessoal da escola me chamou e perguntou o que precisava para que eu mantivesse as crianças na escola. Foi muito emocionante.

Diário - E qual a sua ligação com a escola hoje?
Marta -
Nós organizamos um grupo de ex-alunas que se encontram periodicamente. No primeiro foram mais de 30 ex-alunas. Agora vão quantas é possível, mas mantemos nossos encontros. Todas têm uma conexão com a escola, muitas têm filhos que também estudaram lá, ou netos que estudam lá agora. O Centenário foi parte importante das nossas vidas. E é nessas amigas que encontro forças, apoio. Na verdade tenho amigas em vários setores da minha vida, mas todas são de fibra. São mulheres fortes. Me ajudaram muito ao longo dos anos a me encontrar, a encontrar uma nova Marta, um novo estilo. 

Diário - A senhora é conhecida pelos cabelos coloridos, como isso começou?
Marta -
Minha transformação foi depois que o Rogério morreu. Eu era gordinha, grande, e um dia passei mal. Fiquei pensando nos meus filhos. Eles já não tinham o pai, não podiam ficar sem a mãe também. Então fui em um endocrinologista e comecei um acompanhamento. Emagreci e comecei a gostar de escolher roupas. Porque a partir dali era eu quem escolhia as roupas, não as roupas que me escolhiam. Eu nem sei se as coisas que uso hoje combinam, só sei que me sinto bem assim. E esse novo estilo me empolgou e comecei a mudar o cabelo. Primeiro eram só algumas mechas coloridas, até que decidi mudar o cabelo todo, com muitas cores ao mesmo tempo. Agora são uns 16 anos que cultivo meu cabelo assim, todo colorido.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Dia do Acolhimento é transferido em Santa Maria Anterior

Dia do Acolhimento é transferido em Santa Maria

VÍDEO: casa pega fogo no Bairro Urlândia em Santa Maria Próximo

VÍDEO: casa pega fogo no Bairro Urlândia em Santa Maria

Geral