Foto: Pedro Piegas (Diário)
No ano passado, durante os quatro dias de Feicoop, mais de 300 mil passaram pelos pavilhões do centro de referência em economia solidária
Ainda que diga que não se trate de alarmismo, o tom é de apreensão por parte da irmã Lourdes Dill, nome conhecido e referência quando o assunto é a realização da Feira Internacional do Cooperativismo, a Feicoop, que ocorre em Santa Maria há 25 anos. A religiosa afirma que há o risco de que 2019 represente um ponto final nessa história.
Segundo ela, a falta de apoio dos governos municipal, estadual e federal é o maior entrave e limitador para que a feira deste ano seja "no mínimo parecida com as anteriores". Ainda jogam contra, o tempo e o calendário, diz ela, já que o evento está marcado para 11 a 14 de julho. Ou seja, faltam 37 dias para a 26ª edição, que reúne, dentro do guarda-chuva da Feicoop, outras feiras temáticas no tradicional terminal Dom Ivo Lorscheiter.
- O que te digo é que essa será, sem dúvida alguma, a feira da resistência. Até porque não há nenhuma sinalização de apoio do Estado nem da União para a nossa feira. Acredito que este seja o momento de a cidade abraçar essa feira e ajudá-la na sua realização. São décadas de projeção de Santa Maria para o país e para o mundo. Além disso, a economia daqui é impactada com a movimentação de público, de negócio. Ou seja, todos ganham - avalia Dill.
Capes anuncia bloqueio de 2,7 mil bolsas de pós-graduação
Ela afirma que, recentemente, também buscou o prefeito Jorge Pozzobom (PSDB), que disse que, mesmo que não haja margem para destinação de verbas do município para o evento, será dado todo o apoio logístico. Assim, como em anos anteriores, serão disponibilizados os serviços da Guarda Municipal, do Departamento Municipal de Trânsito (DMT), bem como banheiros químicos e sonorização, entre outros. Além dos serviços que antecedem o evento, como limpeza da área e do terreno onde ficam os pavilhões.
CUSTOS
Lourdes Dill diz que, até agora, há um emenda parlamentar do deputado federal Elvino Bohn Gass (PT) de um valor de cerca de R$ 150 mil. Ainda de acordo com a religiosa, haverá um aporte de R$ 15 mil do Banrisul. Também há sinalização de mais R$ 100 mil para a economia solidária, de outra emenda. Se os repasses se confirmarem, a feira terá R$ 265 mil em caixa.
Apoiador da Feicoop de longa data, Bohn Gass avalia o cenário como "crítico".
- Sempre fui solidário à irmã e a todos que organizam essa feira histórica. É extremamente preocupante ver que União e Estado dão as costas a um evento tão importante - diz.
Ainda que mantenha reserva em quanto se dá o custo da feira, a irmã afirma que é preciso aporte de recursos e adianta que, nos próximos dias, buscará também o empresariado local na tentativa de levantar verba. Em paralelo a isso, a Cáritas está com uma campanha no site - uma espécie de vaquinha virtual - para buscar fundos para o Feicoop. Em um comunicado encaminhado à imprensa, além de externar sua preocupação, irmã Lourdes diz que o recurso da emenda de Bohn Gass "dá apenas para um terço do custo da estrutura".
A reportagem conversou com pessoas que se envolveram, recentemente, na realização da Feicoop. Elas relataram que a média de custo fica na casa dos R$ 300 mil, mas que já teria chegado a R$ 500 mil. Valor que, entre outras situações, leva em conta a montagem dos estandes e o transporte e a acomodação dos expositores. Em 2018, a Feicoop recebeu mais de 300 mil pessoas de todo o Brasil e de outros 25 países.
O site da Cáritas para a arrecadação para ajudar no evento é caritasrs.colabore.org/Feicoop.
Feira representaria pouco impacto na economia, dizem entidades
Ainda que a irmã Lourdes Dill diga que a Feicoop faz girar a roda da economia local, esse não seria o mesmo entendimento das principais entidades representativas do comércio e que, juntas, integram os principais serviços da matriz econômica de Santa Maria.
O presidente da Associação de Hotéis, Restaurantes, Agências de Viagens e Turismo (Ahturr), João Provensi, acredita que o "impacto é pequeno". Isso, afirma ele, não se trata de um achismo. Mas, sim, dos relatos dos associados das redes gastronômica e hoteleira:
- Sabemos que o impacto dela (feira) é muito pequeno tanto na rede hoteleira, mas, principalmente, junto ao setor gastronômico. Até porque quem vai à feira se alimenta lá e, dificilmente, vai ao Centro. É um evento segmentado e que se restringe mais aos pavilhões da própria feira.
Do lado da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), a presidente Marli Rigo diz entender o propósito e a proposta da feira, mas afirma que a Feicoop não movimenta o comércio local.
- Se sabe a importância e o que ela (feira) representa, mas não há movimento no nosso setor. Até porque se trata de um comércio de fora, é um evento nacional e internacional, e muito pouco fica aqui. É uma feira que não é voltada ao comércio local. Os expositores que aqui vêm têm seus lucros revertidos para fora daqui - aponta.
No entendimento de Rodrigo Décimo, que preside a Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Santa Maria (Cacism), a possibilidade de a Feicoop deixar de ser realizada já no próximo ano depende, necessariamente, de uma adequação da direção da feira à conjuntura atual.
- A Cacism tem, por exemplo, a sua própria feira, que é a Feisma. Há mais de 10 anos, a fatia de patrocínio era algo considerável. Tínhamos aportes da prefeitura, da Petrobras, da Eletrobras, do Sebrae e por aí em diante. Mas os tempos mudaram. De lá para cá, os apoios e os patrocínios reduziram e, em alguns casos, escassearam. Ou seja, o pilar do patrocínio teve de ser substituído por práticas como venda de estandes e enxugamento de custos. A Feicoop também terá de se adequar a essa realidade sob pena de ser inviabilizada - observa.
PREÇOS POPULARES
Por outro lado, o dono de uma rede hoteleira de Santa Maria revela que, nos últimos anos, viu na Feicoop a possibilidade de um acréscimo, ainda que não tão expressivo, nos lucros.
- O que eu fiz foi criar um preço mais atrativo, com diárias de R$ 60, e que contemplam esse público. É claro que se trata de uma modalidade que posso chamar "econômica da econômica" e tem dado certo. É claro que nem todos se hospedam. Mas aqueles que ficam no hotel nos dão um certo lucro - conta.
Prefeitura garante dá apoio à realização do evento
A prefeitura de Santa Maria afirma que, mesmo frente às restrições orçamentárias, dá todo o apoio logístico e coloca à disposição funcionários do poder público para dar suporte à Feicoop. Porém, a liberação de recursos - independentemente do valor - é algo fora de cogitação e das possibilidades do Executivo. A afirmação é do chefe da Casa Civil, Guilherme Cortez, que reconhece a importância da feira.
- A prefeitura reconhece a importância da Feicoop. Somos sabedores que essa é uma atividade importante e, por isso, a apoiamos. Porém, como todos sabem, temos limitações orçamentárias - diz.
Em anos anteriores, a prefeitura não aportava recursos próprios na realização do evento. Porém, o que se tinha de diferente era que, na gestão do prefeito Valdeci Oliveira (PT), a então Secretaria de Captação de Recursos (Secap) - que tinha outras demandas, como o PAC - auxiliava na elaboração de projetos da Feicoop. Dessa maneira, o peso institucional de ter a prefeitura junto era um diferencial para a abertura de canais e de uma receptividade maior, garante irmã Lourdes.
Atual deputado estadual, Valdeci diz ser "preocupante e lamentável" a possibilidade de um fim da Feicoop.
- Essa hipótese levantada pela irmã Lourdes é extremamente temerária. A feira sempre teve apoio dos governos federal e estadual e, agora, isso não ocorrendo, a cidade deve se unir para não deixar essa história se perder - defende Valdeci.
A Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, afirmou não ter recebido nenhum pedido formal por parte da irmã Lourdes Dill para a liberação de recursos à Feicoop. Por meio da assessoria de imprensa, a pasta disse que é "apoiadora daquelas feiras em que seja dado espaço à agricultura familiar". A secretaria acrescentou que exemplo disso é o apoio à Fenadoce, que começa hoje em Pelotas, para a qual se fez um repasse para a montagem dos 62 estandes dos 65 expositores.
A pasta finaliza ao dizer que "está ao lado de uma série de feiras municipais e regionais, entre elas, a Expodireto (em Não-Me-Toque), a Expoagro Afubra (Rio Pardo), a ExpoBento (Bento Gonçalves) e a Expointer (Esteio). A secretaria informa que todas as agroindústrias familiares no Estado precisam estar ligadas ao Programa Estadual de Agroindústria Familiar.
Na segunda-feira e na terça, o Diário buscou o Ministério da Agricultura para saber se haverá liberação de recursos para a Feicoop, mas não obteve retorno.