Foto: Beto Albert (Diário)
O calendário de atividades da comunidade católica santa-mariense sofrerá mudanças no próximo ano. Isso porque o arcebispo metropolitano de Santa Maria, dom Leomar Brustolin, em respeito ao Ano Jubilar 2025, decidiu suspender os bailes em festas de santos padroeiros nas comunidades do município. A medida é válida também para as outras 26 cidades que compõem a Arquidiocese de Santa Maria, e tem repercutido entre os fiéis.
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Em nota, a Arquidiocese justificou que a proibição das ‘reuniões dançantes’, bem como a não comercialização de bebidas alcoólicas em todos os eventos cristãos do próximo ano, é fundamental para cultivar a verdadeira fé da Igreja Católica. O objetivo, segundo a instituição, é adotar uma postura mais alinhada com os ensinamentos do Evangelho. Agora, as paróquias deverão encontrar outras formas de reunir os fiéis. Os desdobramentos da decisão foi tema de reunião realizada no último sábado (15), na Basílica.
Postura mais coerente com o Evangelho
A proposta feita pelo arcebispo foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Arquidiocesano de Pastoral no dia 19 de outubro de 2024, e adotada especialmente para o próximo ano, em respeito ao Ano Jubilar de 2025. A decisão impacta os 26 municípios e 39 paróquias que compõem a
Arquidiocese de Santa Maria.
Na ausência do arcebispo, que está em Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), quem responde os questionamentos da Arquidiocese de Santa Maria é o chanceler da Cúria Metropolitana de Santa Maria, padre Junior Lago.
Segundo ele, os eventos não estavam cumprindo o objetivo previsto:
— Essas domingueiras dançantes não estavam mais cumprindo a finalidade que era evangelizar, promover a família e a cultura do encontro. O pessoal dá mais importância ao show do que à celebração da missa. Parece que perderam a identidade católica, e o arcebispo quer que o pessoal retome isso — diz.
A medida também proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas em todos os eventos da Igreja Católica durante o ano de 2025.
Questionado sobre o futuro financeiro das paróquias, ele responde:
— Instituímos uma forma de gestão que inclui 10% de todas as receitas brutas. Então, 10% de tudo aquilo que entra é o valor que precisa ser repassado para a Arquidiocese. Ou seja, 10% de nada é nada. Se diminuiu a entrada, também vai diminuir aquilo que antigamente se chamava de taxa. Na reunião realizada no último dia 16, muitas pessoas compreenderam esse detalhe. Não é uma perda, porque aquilo que se deixa de perder também se deixa de pagar depois. Não temos taxa fixa de nada.
A proibição é válida apenas para o cronograma do Ano Jubilar 2025, evento católico que marca a celebração de um Ano Santo, que ocorre a cada 25 anos. Para contribuir com as comunidades, um calendário de atividades será proposto pela Arquidiocese de Santa Maria durante todo o ano de 2025.
As celebrações previstas para os meses de novembro e dezembro deste ano não devem ser afetados. Já para o ano de 2026, nada foi decidido.
Leia a nota divulgada pela Arquidiocese aqui.
Comunidades
Para Delcimar Gonçalves Borin, presidente do Sindicato Trabalhadores Rurais de Santa Maria, a decisão não irá aproximar, mas, sim, afastar os fiéis da igreja. Segundo ele, muitas comunidades trabalham juntas para organizar e celebrar nesses eventos, que já fazem parte do cronograma anual de muitos municípios.
— Só hoje recebi diversas ligações de muitas comunidades pedindo a nossa orientação sobre isso. Há comunidades que querem entregar a chave para o arcebispo por conta dessa decisão. Isso vai exigir muito diálogo, senão vamos enfraquecendo nossa Igreja Católica. Precisamos valorizar as pessoas, aquelas que se voluntariam para esse tipo de trabalho.
Ele também comenta sobre a forma como o assunto vem sendo abordado pelo arcebispo. Em um vídeo divulgado nas redes sociais, dom Leomar diz que os bailes vendem bebida alcoólica e tocam "música bagaceira":
— Não é que o pessoal seja totalmente contra, a questão é a forma, o tom que está sendo adotado que está deixando o pessoal "arrepiado". [...] Muitas pessoas estão se sentindo desprestigiadas, pessoas de idade que passaram a vida ajudando e, hoje, são tratados com um certo desprezo porque toma uma cerveja em uma festa. Não é isso que faz uma pessoa ser mais ou menos santo. Muitas vezes, quem está lá, dançando, é muito mais santo do que a uma pessoa que está rezando toda hora e tem uma língua mais afiada do que uma navalha — reforça.
Borin ainda reforça que seguirá em contato com as comunidades, e que pretende propor uma alternativa para chegar em um consenso para ambas as partes.

Favoráveis
A decisão não é um grande problema para uma das paróquias de Santa Maria, que não faz muitos bailes e nem tem grupo de terceira idade. O relato é de uma integrante da direção dessa paróquia, que acredita que a arrecadação deve diminuir, mas não como em outros pontos do interior. O que impactou a comunidade foi a forma como falaram das reuniões que ocorrem nas paróquias.
— Nós ficamos chateados com as palavras do arcebispo, que disse que tinha músicas inapropriadas e com bebedeiras. E na nossa igreja não ocorre isso. Até porque fazemos poucos bailes e não temos grupos de terceira idade, só festa de família. Se fizermos essas reuniões sem cerveja, isso deve diminuir a arrecadação, ou seja, vai diminuir para eles também (Arquidiocese) — declara a integrante de uma paróquia de Santa Maria quando consultada pela reportagem.
Quando questionada sobre como a falta dessas festividades e da bebida alcoólica iria impactar na arrecadação, ela não soube indicar com precisão as consequências. E que saberiam na prática, no decorrer de 2025.
“O que estamos sentindo é uma tristeza”, relata voluntário de uma paróquia da Região Central
Cristãos e comunidades, para além de Santa Maria, já estão comentando sobre a nova decisão para 2025. A reportagem ouviu o coordenador de uma das paróquias da Região Central, e ele fala sobre as conversas que circulam internamente e nas comunidades de diferentes paróquias da região.
— Nos bailes, todo mundo mantém um clima respeitoso, não há nenhum problema quanto a isso. Não é verdade (como foi dito) que nossa terceira idade vai lá com bagacerice. Porém, a decisão é vista como um tanto radical, principalmente pela forma como foi colocado. Não foi discutido. Isso tem desagradado bastante o pessoal. Não vamos bater de frente, mas os bailes, como são, fazem parte da tradição — relata o coordenador de uma das paróquias da Região Central.
Conforme o coordenador dessa paróquia, no interior, além de prejudicar o lazer e até a saúde dos idosos, a decisão mexe com toda a estrutura da igreja, como o salão, as mais diversas manutenções, as obras, entre outros. A preocupação é sobre como manter a arrecadação após retirar os bailes e as bebidas alcoólicas. Eles reclamam da falta de comunicação entre Arquidiocese e as paróquias do interior.
— Tudo é colocado como se fosse uma coisa horrível. Infelizmente, isso está afetando o próprio engajamento das pessoas que ajudam. Qual atrativo vamos ter na festa para a arrecadação depois disso? Isso vai diminuir a arrecadação para, pelo menos, a metade. Precisamos pensar em alternativas e, para isso, precisamos de diálogo com a comunidade, o que não está ocorrendo. O que estamos sentido é uma tristeza, pois poderia ser diferente — declara o integrante da direção de uma das paróquias da Região Central.
A proposta
Confira o que a Arquidiocese encaminhou às paróquias:
- As medidas terão início em 29 de dezembro de 2024, às 16h, na Catedral Metropolitana. O jubileu se estende até 28 de dezembro de 2025 e, nesse meio tempo, haverá uma série de peregrinações e celebrações, tanto em pontos centrais, quanto nas paróquias
- Conforme a nota publicada pela Arquidiocese, o ano necessita que não haja “reuniões dançantes” nas festas dos padroeiros das comunidades, bem como a não comercialização de bebidas alcoólicas em todos os eventos da Igreja Católica
- No lugar disso, a ideia é que cada paróquia prepare os seus peregrinos, organizando abundantes celebrações penitenciais e fomentando a palavra de Deus em grupos cristãos