plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Sobre a paixão
Juliana Petermann 
Professora universitária

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O pobre Brasil anda desolado, anda desarrumado, jogado às traças. Mas era bonito o Brasil, viu? Tinha seus problemas, mas era vaidoso, tinha amor próprio. Só que caiu nas graças de uma paixão cruel. Nem é o caso de amor não correspondido: o caso é grave, de violência, de submissão, de desmandos. O pobre do Brasil ainda muito jovem, imaturo, apaixonou-se perdidamente: ouviu promessas, encantou-se. E eu nem sei exatamente pelo quê. Mas como dizem? o coração tem dessas tolices. E iludido, o Brasil não enxergou o que estava a um palmo do seu nariz. Daqueles sentimentos arrebatadores que a gente fica intrigada: "mas eu não sei o que viu para se apaixonar assim". Viu e se jogou em uma aventura.

DE CORTAR O CORAÇÃO

Hoje, passados mais de 600 dias dessa relação - que nem é de altos e baixos, é só para baixo mesmo, e o fundo do poço parece não ter fim - o coitado do Brasil não consegue nem sequer alimentar seu povo. Tem uma inflação de 9,30%. Para o almoço, precisa do óleo de soja que ficou 78,75% mais caro. Pensou em fazer um arroz, mas esse subiu 36,39%. A carne, já abandonou faz tempo, porque não acompanhou o aumento de 31,31%. E o feijão de todo dia? Como é que vai para a mesa, custando 10,67% a mais? O café da manhã ficou sem café, que subiu 17,15%, e sem o leite, que disparou da mesa do Brasil, quase 10% mais caro. Está parando, prostrado, o pobre Brasil: teve aumento de 39,52% na gasolina. É um Brasil apagadinho, com o custo da energia elétrica que disparou em 20,86% e ainda subirá mais. O Brasil, de hoje, sem gás, que aumentou cinco vezes mais que a inflação em um ano, anda movido a lenha. Dá até pena de olhar.

TARDE DEMAIS

Nos últimos episódios dessa triste história, um Brasil que se dá conta tarde demais da desgraceira em que se meteu. Palavras vazias encheram sua cabeça. Tá em crise o pobre do Brasil: crise sanitária, crise hídrica, crise energética, crise ambiental, crise institucional. Abandonado, sofre com o amor não correspondido. Mas o que fez para merecer isso? Apaixonou-se. Agora precisa amargar a dor do término, aprender a lição e manter-se de pé. Firme. Entender que paixões são baseadas em projeções e que as projeções se dissipam. São como os mitos que se desfazem: a imagem começa a ruir, a ruir, até cair. Se deu conta tarde demais, o ingênuo Brasil. Que tenha mais sorte da próxima vez. Ou melhor: sorte não. Não se trata de um jogo de sorte ou de azar. Que o Brasil saiba escolher, com base mais na razão e menos na emoção.

Coincidências
Eni Celidonio
Professora universitária

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Estava eu assistindo ao Fantástico e vi um quadro novo, chamado "coincidências" ou coisa que o valha. O quê? Se eu vejo a Globo? Vejo a Globo, SBT, Record, Netflix, Amazon, GNT, Rede Brasil, Curta, e por aí vai.

Mas como eu ia dizendo, eu assistia ao Fantástico e vi um quadro que mostrava coincidências que acontecem na vida, e que faz com que a gente fique duvidando de que essas coisas acontecem. Sabe, é aquele negócio de "ah, imagina se isso pode acontecer...". Pois bem, eu vou responder: pode acontecer sim, não é cena de novela, não é verossímil não, é realidade mesmo. Os dois casos não me contaram, eu vivenciei.

O primeiro aconteceu no prédio em que eu morava em Copacabana, no Rio de Janeiro. Numa reunião de condomínio, o síndico pediu um levantamento de um chaveiro, ninguém entendeu nada e ele explicou: um morador chegou bêbado numa sexta-feira, abriu o apartamento pela cozinha, foi à sala e viu que ela era diferente da sala dele, mas como estava bêbado, acreditou que era efeito da bebida, deitou no sofá da sala e dormiu. No dia seguinte, a filha dos donos da casa acordou cedo, como de costume, e começou a gritar, desesperada com um estranho dormindo na sua sala. Depois, nós descobrimos que, dos 48 apartamentos do prédio, 26 tinham as mesmas chaves da cozinha e 22 as mesmas chaves da sala, ou seja, a chave de um apartamento abria a porta de outro. Impressionante, não é? Mas tem coisa mais tosca, quer ver?

Em 1973, minha sogra pediu ao Celso que fosse ao supermercado assim que saísse da faculdade. Saímos da faculdade e fomos ao Supermercado Disco, no Leblon, fazer as compras pra ela. Compramos tudo e o Celso me pediu que fosse para o carro e esperasse por ele, que ele ainda ia ver umas compras. E lá fui eu para o estacionamento do supermercado com algumas compras, abri o carro, um fusca branco que eu batizei de Caldeira (ponta esquerda do Flamengo nos setenta), joguei as sacolas no banco de trás e fiquei lá, esperando no banco do carona. Do além, me aparece uma criatura enorme, com um vestido longo, um lenço na cabeça, abriu a porta e fez um escândalo:

- Sua vagabunda! Não tem vergonha não? Saia já daí desse carro se não quiser apanhar, cretina!

Eu, que já sou desligada por natureza, não estava entendendo nada. O máximo que consegui dizer foi "Eu heim... Sair do carro por quê?".

- Ah, não sabe é? Então eu vou falar. Esse carro é do meu marido, sua miserável!

Gente! Expliquei pra ela que o carro não podia ser do marido dela, era só ela olhar que os vidros do painel eram de vidro bolha! Quem tinha vidro bolha no painel, meus sais? Pois o carro do marido dela tinha... E lá vem ele, o marido, empurrando um carrinho de supermercado com uma baita de uma vassoura na mão. Eu já me via apanhando a vassouradas em pleno estacionamento do Disco e comecei a olhar em volta, desesperada, pra ver se o Celso aparecia, pelo menos seriam dois a dois, mas nada... Saí do carro, olhei a placa e fiquei estarrecida: não era o Caldeira! Expliquei que o carro do meu namorado era igualzinho, que eu não tinha culpa se a chave de um abria a porta de outro, comecei me desculpando, juntando as compras e saindo de fininho, enquanto a mulher ainda bufava.

Depois, ainda tem gente que não acredita em coincidências...

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