Artigo

OPINIÃO: Um singelo velório ao som de Bach

James Pizarro

Com a passagem do Dia de Finados, na semana passada, ocorreu-me deixar registrada minha vontade de ser cremado. Embora seja eu o “feliz” proprietário de dois túmulos no Cemitério Ecumênico Municipal. Aliás, rigorosamente em dia com a anuidade devida aos cofres da prefeitura.

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Provavelmente, meu velório será na Câmara de Vereadores, uma vez que “estive” vereador no passado e nada cobrarão dos meus familiares (suponho). Porque serão apenas algumas poucas horas de velório. Pois, como desejo ser cremado, certamente me levarão para Santa Rosa, Caxias ou Porto Alegre. O grau “evolutivo” da minha querida cidade ainda não permitiu ter aqui este avançadíssimo requinte tecnológico...

 Quero um velório singelo.  Sem alardes. Os amigos e parentes que me amaram poderão se sentir em casa e chorar comedidamente. Porque chorar demais é pornográfico.

E, enquanto minhas tripas e meus ossos fossem consumidos e a gordura da minha obesidade fosse sendo derretida, eu pudesse escutar lá não sei de onde a Air - Suíte no. 3 do meu amado Johan Sebastian Bach.

 Espero que gostem do meu velório. Terá bolachinhas e cafezinho. E livro de assinaturas para minha família ficar devendo obrigação social de agradecer pela presença de todos, inclusive dos “FDPs” que me caluniaram em vida. Embora meus filhos e netos estejam bem recomendados para impedir a entrada desses canalhas, na medida do possível, em meu velório. Mas, se for impossível, deverão servir a eles cafezinho frio...

 Podiam colocar minhas cinzas nas flores do campus de Camobi, talvez até no Jardim Botânico, já que ele não vai mais ser fechado. Pensei em mandar esparramar as cinzas no gramado no Beira-Rio, que anda judiado de tantos shows artísticos. Seria minha derradeira homenagem para eternizar meu amor pelo time e festejar o retorno à Série A. Mas daria muito trabalho à família. Muita burocracia. E correria o risco de, a cada derrota ou má fase futura do time, criar-se o mito da torcida amaldiçoar minha alma com argumentos do tipo:  “A culpa é daquele pé-frio lá de Santa Maria”.

 Poderiam espargir minhas cinzas no Morro do Cechella. No passo do Verde. Nos gramados da Socepe. No Vacacaí. Na subida do Perau. Atirá-las ao vento na Garganta do Diabo.

 Ou, num gesto de suprema humildade ecológica, jogá-las num vaso sanitário. Se derem uma boa descarga acabarei no Arroio Cadena. Onde serei reincorporado à cadeia alimentar. E devolvido a algum ser vivo.

Mas não esqueçam do Bach, por favor. Esse som fará a delícia dos meus tímpanos explodindo pelo calor do forno crematório. E fará coro com os estalidos das labaredas.

Num prenúncio metafórico do inferno. Onde me reencontrarei com todos os meus conhecidos. Amigos. E outros, nem tanto.

Porque até hoje não tive o prazer de conhecer nenhum santo.

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