Artigo

OPINIÃO: Álvaro Moreyra, Alvinho  

Eros Roberto Grau

1958. Uma sorveteria na Avenida Atlântica, no Rio. Manuel Bandeira tomava um sorvete. Eu estava para completar 18 anos, criei coragem e me apresentei como capaz de declamar vários dos seus poemas, gravados na minha memória. 

Ficamos amigos – tenho dois livros seus com dedicatórias – e ele me convidou para, uns dias adiante, irmos ao Instituto Nacional do Livro, onde me apresentou a Augusto Meyer, gaúcho de Porto Alegre. 

Conversamos bastante. Os poemas de Bilú falam da nossa terra – onde tudo que se planta cresce e o que mais floresce é o amor! Logo começamos a falar do Álvaro Moreyra, gaúcho como nós. Jamais estive com ele pessoalmente, embora inúmeras circunstâncias nos unam, como a vencer o Tempo. Amigo próximo, muito próximo do Felipe de Oliveira, Alvinho era casado com uma mulher maravilhosa, Eugênia. 

Em um dos seus livros ele diz, em pequenas frases, que não se arrependia de nada do que fez; já estivera preso nove vezes; nunca fez um inimigo; era um homem de esquerda, mas acreditava em Deus e esperava um lugar no purgatório. 

Membros do Partidão, os dois, Eugênia esteve presa durante três meses, entre o final de 1935 e o início de 1936, junto com Olga Benário e outras camaradas – Nise da Silveira, Maria Werneck de Castro e Eneida de Moraes – em uma mesma cela. Tempos duros e sofridos. A mulher do Alvinho era maravilhosa. A casa dos dois, em Copacabana, na Rua Xavier da Silveira, 99, reunia os intelectuais do Rio de Janeiro. Era "um ninho de poetas e ficcionistas, de artistas, também reduto generoso de revolucionários, concentração dos moços intelectuais de esquerda", como relata Jorge Amado, em uma carta existente no arquivo da Academia Brasileira de Letras. 

Eugênia fumava charutos e era uma artista, de verdade, declamando poemas e fazendo quitutes na cozinha! Uma casa generosa, fraterna. Cá entre nós, uma casa de gaúchos. As ceias de Natal sempre abrigavam mais de cem pessoas, todas leais. Mas se alguém descumprisse algum preceito de lealdade – xiii! –, Alvinho não se continha. 

O episódio que envolve um sujeito que traiu os amigos e se bandeou para a direita é especial de bom. Alvinho não o deixou entrar, mandou-o às favas! Não estou a fim, na minha idade e serenidade, a dizer quem foi este gajo. Nem mesmo se estivesse em Salvador e ameaçassem me jogar do elevador Lacerda, eu diria... 

O que importa, agora, é que, em um artiguinho que escrevi aqui mesmo, lembrei que o Álvaro dizia, em um lindo poema, que o céu é uma cidade de férias, férias boas que não acabam mais! Quando morresse, com certeza, iria lá! O céu – prosseguia – é uma cidade de férias, férias boas que não acabam mais! Chegando, perguntaria pela sua gente que foi na frente, daria abraços, sorrisos. Depois, haveria de querer ir à casa de São Francisco de Assis. Para ficar amigo dele. Tão amigo, tão amigo, que ele haveria de lhe chamar "Alvinho"! E ele haveria de lhe chamar "Chiquinho"! 

Acho que comigo será assim. Depois de abraços, beijos, sorrisos, quando eu lá chegar, vou me encontrar com o Alvinho! 

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