O que deve ser feito para conter a violência e os assassinatos em Santa Maria

Pâmela Rubin Matge

O que deve ser feito para conter a violência e os assassinatos em Santa Maria
Sob o repetido argumento de que “criminosos matam-se entre sim”, a escalada da violência se expressa em números e parece não preocupar quem ainda não foi diretamente atingido por ela. Ainda. Pois, o reflexo da mesma brutalidade que deixou 70 pessoas mortas em Santa Maria em 2022 – o segundo ano mais violento da história, igualando-se apenas a 2017 – se aproxima cada vez mais de quem nada tem a ver com o tráfico de drogas.

– Há uma complexidade de fatores que incidem na prática de violência e dos crimes. É preciso pensar na pluralidade dessas violências, além do aumento do homicídio. Temos a prática de violência doméstica e intrafamiliar, o aumento do feminicídio e da violência contra mulher, que acontece muito em Santa Maria, a de violência sexual, inclusive contra crianças e adolescentes, da violência no ambiente escolar. Algumas são criminalizadas e outras não, mas todas afetam a convivência humana – alerta Eduardo Pazinato, professor da Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma) e e idealizador do primeiro curso superior do Tecnólogo em Segurança Pública 100% online no Brasil.

O ano de 2023 inaugura a violência ao registrar o primeiro homicídio do ano. Ângelo da Silva, 43 anos, foi executado a tiros na noite da última segunda-feira, no Bairro Renascença. Contudo, foi a série da mortandade no ano passado que fez Santa Maria figurar como a sexta cidade mais violenta do Estado e se igualar a 2017, marcado pelo histórico e trágico ranking de 70 assassinatos na cidade.

Em um dos casos mais recentes, em dezembro de 2022, uma menina de 3 anos foi atingida por tiros dentro de casa. Ela sobreviveu. Porém, a mãe foi assassinada: Caroline da Silva dos Santos, 26 anos, foi executada a tiros na mesma residência, na região oeste do município.

Enquanto na periferia, pais e mães enterram seus filhos ou crianças e jovens perdem familiares, o cotidiano do restante da cidade parece ser de silenciamento de entidades locais, falta de iniciativas de órgãos públicos e privados ou mesmo de parte da população que assiste anestesiada à selvageria social longe de suas casas e ambientes de estudo ou trabalho. Carecem ações preventivas e, em geral, age-se depois dos crimes já concretizados.

– É preciso levantar leituras desses números além do tráfico de drogas. Também compartilho que o mercado das drogas e circulação de armas de fogo têm um grande impacto. Mas não se pode ficar somente no controle e na repressão, e na atuação da polícia e da Justiça Criminal, o que é fundamental. Santa Maria tem uma ausência tanto na narrativa de profissionais de segurança quanto na intervenções de políticas que atuam na prevenção. Não quero estabelecer dicotomias, mas precisamos focar na dimensão social. Quem olha para evasão escolar e para onde vão esses estudantes? O que o município tem de oportunidades de inclusão social e cultural para juventude da periferia? – questiona Pazinato.

O professor ressalta que os jovens, não raro, são cooptados pelo tráfico de drogas como sustento financeiro ou como construção simbólica do masculino, da arma na cintura e do poder.

– Isso não se resolve somente com operação policial e encarceramento. E é preciso dizer que muitas violências são transgeracionais e aparecem dentro de casa, no abandono escolar, na saúde mental até o homicídio – acrescenta Pazinato.

O professor celebra o potencial da cidade, com condições de fazer convênios e parcerias com instituições de ensino, hospitais, empresas e sociedade civil:

– Não dá para aceitar essa crença limitante de que não conseguimos evoluir e reduzir índices de criminalidade. Precisamos de um trabalho integrado e até um entendimento no conceito de segurança, que é muito mais que polícia. Para mim, segurança é aquela preconizada na Constituição Federal, como um direito social e coletivo na qual se diz que “não haverá direito à segurança se não houver a segurança de outros diretos fundamentais: à saúde, à educação, ao trabalho e emprego, à moradia, ao lazer.

Desigualdades, masculinidade violenta e problemas estuturais na segurança pública e no Judiciário

Foto: Renan Mattos (Diário/ Arquivo)

Estrutura social desigual imersa em uma cultura de masculinidade violenta e problemas estruturais da segurança pública e da Justiça criminal são dimensões analisadas por especialistas diante do tema da criminalidade. Os altos índices de violência marcam os contextos urbanos e não têm cedido ao longo das décadas, desde que se chegou a um patamar muito elevado no final dos anos 1990, conforme contextualiza Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor da Escola de Direito da PUCRS e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Por trás disso, a desigualdade social marcada por moradias de periferia, falta de serviços públicos, falta de emprego e com presença de mercados ilegais, especialmente o tráfico de drogas, foram se estruturando com a formação de facções, que têm presença muito forte no sistema prisional, e incidem em disputas pelos domínio de territórios.

– A desigualdade é um elemento-chave, e temos também uma questão cultural: geralmente, as pessoas que circulam nesses mercados, são homens, usam armas e têm uma disposição de resolução de seus conflitos por meio da violência. Essa é uma marca que vai conectando as identidades individuais e machistas com a identidade do grupo, o qual vai utilizar essa violência como forma de demonstração de poder e ocupação de territórios. Por meio da cooptação de pessoas, torna-se um atrativo pela capacidade de enfrentamento de adversários – explica o especialista.

Somente na Região Central, a população prisional que cumpre penas no regimes aberto, semiaberto e fechado, ao final de 2022, era 92,36% masculina, e 7,64% feminina. Esses números incluem também presos e presas que aguardam julgamento.

“LEI DA SELVA”

Conforme explica Azevedo, também é evidente o problema da segurança pública, já que a falta de efetivo das polícias militar e civil, faz com que os profissionais sejam deslocados para fazer a segurança de áreas centrais, de moradias de classe média e deixam em segundo plano áreas de periferia, que serão focadas no momento em que há identificação de um elemento criminal.

– A polícia vai lá para coibir, reprimir e criminalizar essas pessoas. Não há uma preocupação da manutenção da lei e da ordem permanente evitando que haja circulação de armas, mercados ilegais e dominação de territórios por grupos criminosos. Não há estrutura e nem determinação da polícia de atuação neste sentido. Isso leva a uma sensação de impunidade. Então, quando a polícia atua e realiza as prisões, isso acontece em um sistema prisional superlotado, com péssimas condições das regras legais para execução da pena e que é um ambiente propício para desenvolver uma vida dentro do crime – diz.

Azevedo diz que se cria uma espécie de lei da selva, em que as pessoas vão tentar obter a possibilidade de vida de forma ilegal e acreditando que não haverá atuação do Estado e sem sofrer consequências.

A melhoria das condições de vida da população voltada para além de políticas de segurança junto da articulação entre governos municipais, estaduais e federais pode basear o enfrentamento da criminalidade. O especialista da PUCRS menciona que a implementação de programas locais tem um papel importante e impactos positivos por meio do trabalho de escolas, igrejas, empresários, entidades e sociedade civil:

– Essas três dimensões (socioulturais, estruturais e judiciais) ainda precisam ser enfrentadas para uma redução, a médio e longo prazo, de taxas de letalidade na sociedade brasileira e em regiões específicas como é o caso de Santa Maria.

Prefeito aposta em investimentos no Ciosp e em educação

Foto: Eduardo Ramos (Diário/ Arquivo)

Com conhecimento das estatísticas locais, o prefeito de Santa Maria, Jorge Pozzobom (PSDB), ratifica o fato de a cidade ter 85% dos homicídios esclarecidos pela polícia, bem como reitera que a maioria acontece entre facções. O chefe do Executivo municipal ainda enfatiza que os índices de criminalidade reduziram se forem considerados práticas como assaltos e furtos.

A contrapartida da prefeitura diante da violência é materializada, segundo o prefeito, em dois aspectos principais. No investimento no Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp) e na ampliação de escolas infantis ou construção de creches como as unidades erguidas dos bairros Nova Santa Marta, Diácono Pozzobon e Camobi.

– Embora a segurança pública seja dever do Estado, nós, enquanto município, investimos em 1,2 mil câmeras e investimos R$ 6 milhões por ano no Ciosp, que concentra todas nossas forças de segurança. Já evitamos crimes e ajudamos a polícia a elucidar outros por meios do monitoramento do Ciosp, rastreando placas de carros, por exemplo. Também acompanhamos o trabalho do Proerd nas escolas e na construção de creches em áreas de vulnerabilidade, pois onde a população tem acesso à educação, não vai para o crime. É isso que a prefeitura pode fazer. E acredito que não tem como combater a violência sem investir em educação – analisa o prefeito.

LEGISLATIVO

O presidente da Câmara de Vereadores, Givago Ribeiro (PSDB), também integra a Frente Parlamentar da Segurança púbica, a qual é presidida pelo vereador Getúlio de Vargas (Republicanos).

– É importante salientar é que o trabalho do delegado Getúlio junto a essa frente, bem como a articulação que ele tem feito junto ao Ciosp, em parceria também com o vereador Coronel Vargas, que faz com que o tema seja discutido na Câmara por quem realmente entende de segurança pública. Percebo que a comunidade tem representantes com essa legitimidade para tratar do tema, e que ao meu ver, estão desempenhando um ótimo trabalho por meio do legislativo. Getúlio foi um dos grandes responsáveis pelo retorno do GGIM – enfatiza Givago.

O vereador Getúlio de Vargas foi procurado pelo Diário, mas até o fechamento desta reportagem não havia dado retorno para falar sobre o assunto.

Presidente da Cacism cobra leis mais duras

Luiz Fernando Pacheco, presidente da Câmara de Comércio e Indústria e Serviços de Santa Maria (Cacism), contrapõe ao relativizar que as raízes deste problema antecedem ações que devem partir da sociedade civil organizada ou de entidades. Pacheco salienta que, dentro da Cacism, o Conselho Comunitário Pró-Segurança Público (Consepro) foi, inclusive, criado para auxiliar a Polícia Civil, Brigada Militar e Guarda Municipal:

– O problema da criminalidade tem aspectos estruturais. Em Santa Maria, acompanhamos o trabalho da polícia e sabemos que mais de 80% dos homicídios estão relacionados ao tráfico de drogas. Acontece, porém, que atacamos pouco o usuário, que é quem alimenta esse ciclo. Damos pouca culpabilidade. Entendo que precisamos de leis mais duras e menos interpretativas ou subjetivas, para que a máxima “crime e castigo” seja verdadeira e não compense cometer crimes. Podemos colaborar para atenuar alguma carência estrutural, como viabilizar um ponto de internet ou até uma viatura, como já fizemos. Mas esse é um problema maior, que não vamos conseguir mudar e que passa pela responsabilidade de uma política de Estado que garanta educação, cursos de formação e até efetivo suficiente.

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