No último dia 30, o parlamento alemão aprovou a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Foi uma vitória política de peso dos sociais democratas sobre os conservadores. Isso me levou a refletir sobre a legislação acerca do mesmo tema no Brasil.
Por aqui, desde 2011, esse tipo de "união" está chancelada pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a família homoafetiva, conferindo aos casais homossexuais o direito à união estável.
Na Europa ocidental, a chamada união civil homossexual é amplamente reconhecida. Na América, o matrimônio homossexual é legítimo no Canadá. Nos Estados Unidos, somente em 2015 a Suprema Corte legalizou a união para todos os americanos. Entre os latinos, além do Brasil, apenas seis países reconhecem algum tipo de união ou casamento entre pessoas do mesmo sexo.
O que chama a atenção, em todos os casos, é a confusão semântica trazida pela forma como se denominam as uniões civis e sociedades conjugais. Tende-se a tratar como "coisas de natureza" noções de mundo que são socialmente construídas.
O sociólogo Pierre Bourdieu, em A Dominação Masculina, alerta como isso é perigoso. O que é simbólico acaba sendo interpretado como sendo biológico ou inato. É ideológico porque quando se justifica algo biologicamente se está dizendo que não pode ser de outa maneira, e deve ser aceito acriticamente.
No caso brasileiro, isso é peculiar. A expressão casamento aparece na Constituição brasileira sete vezes; ele é o nome que nossa Carta Constitucional, em seu Artigo 226, dá à sociedade conjugal. O termo casamento está naturalizado em nosso Código Legal.
Note-se que o termo casamento é uma nomenclatura religiosa e, com isso, carrega consigo uma forte carga conservadora de uma sociedade patriarcal. No texto Brasil: uma biografia, a antropóloga Lilia Schwarcz narra que até a vinda do movimento cartorário para o Brasil, concomitante à vinda da Família Real em 1808, os registros civis (nascimentos, óbitos, matrimônios) eram feitos nas paróquias das igrejas católicas. Depois disso, migraram delas para os cartórios de registros civis.
O prejuízo social se deu em razão da confusão semântica que essa transição implicou. Nos cartórios, o que as paróquias chamavam de casamento, deveria denominar-se Sociedade Conjugal, um contrato civil comum.
Mais do que constituir um direito, ao legislar sobre sociedades conjugais da vida civil da sociedade, o Estado regula sobre os corpos e a sexualidade, sobre a vida íntima, pessoal e secreta dos sujeitos.
Dar nome é atribuir valor, e esse valor nada tem de natural; ele é cultural. Ao migrar para os cartórios, a instituição social do casamento carregou consigo perversamente, além da nomenclatura, toda carga moral, semântica e religiosa que lhe constituía: monogâmica, heterossexual, misógina e andronormativa.