Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
A partir desta segunda-feira (10), Belém se torna o epicentro da agenda global sobre o clima. Sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a capital paraense recebe até o dia 21 de novembro mais de 50 mil participantes de 194 países e da União Europeia.
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Realizada pela primeira vez na floresta amazônica, a COP30 simboliza um reencontro entre diplomacia climática e realidade ambiental. A floresta que armazena carbono e regula chuvas em todo o continente também é palco dos efeitos da crise: aumento do desmatamento, avanço do fogo e vulnerabilidade social. A partir dela, o mundo discute como frear o aquecimento global, adaptar cidades e populações aos extremos climáticos e, sobretudo, como financiar essa transição.
"A COP da verdade"
Em discurso na Cúpula do Clima, que antecedeu a conferência, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva definiu esta edição como “a COP da verdade”, enfatizando que o planeta não pode continuar postergando decisões sobre o fim da dependência dos combustíveis fósseis. Lula defendeu que a conferência produza um “mapa do caminho”: um cronograma detalhado de quando e como os países reduzirão a queima de petróleo, carvão e gás, e de como financiarão a transição energética justa, especialmente em nações em desenvolvimento.
O desafio, segundo o Observatório do Clima, é que o sistema multilateral ainda opera com promessas vazias. Apenas 80 países atualizaram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) desde o Acordo de Paris, de 2015. Esses compromissos representam hoje cerca de 64% das emissões globais. Entre as potências mais poluidoras, os Estados Unidos, China e União Europeia entregaram novas metas, mas Índia e Rússia ainda não.
O impasse do financiamento
O financiamento climático é o eixo mais sensível das negociações. Desde 2009, países desenvolvidos prometeram US$ 100 bilhões anuais para apoiar ações de mitigação e adaptação nos países mais vulneráveis, valor nunca efetivamente entregue. Agora, as presidências da COP29 (Azerbaijão) e da COP30 (Brasil) propõem o “Mapa do Caminho de Baku a Belém”, um plano estratégico para viabilizar US$ 1,3 trilhão por ano até 2030.
A proposta busca destravar investimentos em energia limpa, restauração florestal, agricultura sustentável e infraestrutura resiliente. O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), lançado durante a Cúpula do Clima em Belém, já recebeu promessas de US$ 5,5 bilhões, com 20% dos recursos destinados diretamente a povos indígenas e comunidades tradicionais.
Adaptação e transição justa
Além do financiamento, a COP30 deve dar centralidade a dois temas que ganharam força política: adaptação climática e transição justa.
A adaptação trata da capacidade de países, cidades e populações se prepararem para os eventos extremos que já são inevitáveis — secas, enchentes, ondas de calor e deslizamentos. O objetivo é definir indicadores globais de progresso, permitindo medir quanto cada país avança na redução de riscos e na proteção de vidas.
A transição justa, por sua vez, busca assegurar que a descarbonização da economia não amplie desigualdades. A expectativa é que o tema ganhe status de programa permanente dentro da estrutura da COP, com diretrizes para apoiar trabalhadores e regiões dependentes de atividades intensivas em carbono, como mineração e petróleo.
Belém, o palco da sociedade civil
Fora das salas de negociação, a COP30 se espalha por toda Belém. A Zona Verde, instalada no Parque da Cidade, será o espaço público da conferência, com entrada gratuita. Lá, comunidades tradicionais, cientistas, movimentos sociais e organizações apresentarão soluções locais para a crise climática, de bioeconomia amazônica a energias renováveis e manejo sustentável da terra.
O governo federal estima que esta será a maior mobilização indígena da história das COPs, com mais de 3 mil representantes. No Pavilhão do Círculo dos Povos, serão discutidos temas como soberania alimentar, proteção territorial e direitos de comunidades extrativistas.
Paralelamente, a partir de quarta-feira (12), a Cúpula dos Povos reunirá movimentos sociais de 62 países na Universidade Federal do Pará (UFPA). O evento começa com uma barqueata pelo Rio Guamá e culmina, no sábado (15), em uma grande marcha pelas ruas de Belém, simbolizando o chamado à ação coletiva.
— Em todas as COPs, saíram acordos que não foram cumpridos na sua totalidade. O que precisamos é que esses acordos firmados, de fato, sejam efetivados e cumpridos. E chamar quem de fato lida com a proteção territorial, a preservação e a conservação para a mesa de negociação. De igual para igual — afirmou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
O momento de agir
Para o embaixador André Corrêa do Lago, presidente-designado da COP30, o encontro na Amazônia deve marcar o início de um “ciclo de ação” no combate à crise climática. O diplomata defende que o evento não seja apenas mais uma conferência de promessas, mas um ponto de virada.
A expectativa é que Belém produza um novo pacto global, ancorado em três pilares: financiamento, adaptação e transição justa. Afinal, como lembram cientistas e ambientalistas, o clima já não é um tema distante das negociações diplomáticas, mas uma questão cotidiana que afeta alimentos, energia, saúde e a própria sobrevivência das cidades.
— Clima não é conversa de ambientalista ou de diplomata. Quando sobe o preço do café, por exemplo, é porque a safra, o plantio, teve prejuízo por questões climáticas. Quando a gente tem a tarifa vermelha [na conta de luz], é porque não choveu direito no local certo, as hidrelétricas não foram abastecidas, a energia ficou mais cara. Clima é uma coisa que tem a ver com o nosso prato de comida, com o nosso dia a dia — resume Astrini.
A COP30, na Amazônia, promete ser o teste mais concreto da disposição global de transformar discurso em ação.