Bernadete Schleder dos SantosAdvogada e professora universitária
Recentemente foram divulgados dois casos judiciais que despertaram atenção pelo tema comum do direito à existência. Um ocorreu na Índia, com um viés atípico que só pode ser compreendido considerando-se a cultura daquele país. O outro, refere-se a uma ação indenizatória por fato ocorrido em Santa Maria, divulgado em virtude de uma recente decisão do TRF da 4ª Região.
A história indiana trata de um casal que está processando seu único filho e a sua nora por não lhe darem o sonhado neto. Segundo os autores da ação, eles investiram na preparação profissional do rapaz, nos preparativos do casamento, presentearam os nubentes com um automóvel e bancaram o evento em um luxuoso hotel. Passados seis anos, não houve nenhuma gravidez, o que trouxe prejuízos para a saúde mental do casal, ensejando assim o direito pelo ressarcimento dos danos materiais e morais.
O outro caso, que também versa sobre um pedido de indenização, tem como autores um pai, uma mãe – falecida posteriormente – e sua pequena filha, nascida dois anos após um procedimento de laqueadura malsucedido realizado em um hospital de Santa Maria. A questão recursal se limitava ao fato de que a criança não poderia litigar como autora pelo direito de “inexistir”. A decisão de primeiro grau foi confirmada e a menina foi excluída do polo ativo, permanecendo apenas o pai como autor
O direito à vida é o maior bem jurídico a ser defendido, eis que sem ela não há de se falar em proteção de nenhum direito. Sobre o tema, é famoso um antigo caso ocorrido na França, quando a justiça reconheceu o direito de indenização a uma família pelo fato de os pais não terem sido informados de que o nascituro teria problemas de saúde, o que inviabilizou a decisão pelo aborto. Assim, uma criança foi indenizada por ter nascido com problemas de saúde, estabelecendo naquele país o direito de não nascer, uma proteção contra o que foi chamado de “vida injusta”.
No Brasil, há tão somente o direito de nascer, uma vez que o aborto apenas é admitido em situações excepcionalíssimas. A justificativa dada pelos julgadores do TRF é compreensível, eis que é impossível alguém litigar contra a sua própria existência. Diferencia-se, no entanto, o pedido de reparação indenizatória devida aos pais, considerando-se um possível erro médico que ocasionou a concepção e o nascimento não planejado de uma criança.
No caso da Índia, o patriarcalismo ainda prepondera, sendo comum o casamento arranjado e várias gerações viverem sob o mesmo teto, sob a autoridade paterna. Resta saber se os avanços sociais, entre eles o direito dos filhos adultos se autodeterminarem em suas escolhas existenciais, vai predominar nesse caso.
O planejamento familiar é um direito constitucional dos genitores que são os responsáveis diretos pela proteção dos filhos. O nascimento de uma criança deve ser repleto de alegria, pois é a continuidade da própria humanidade. O direito de viver é soberano e nenhuma existência pode ser qualificada de “vida injusta”.
Leia o texto de Antônio Cândido Ribeiro