Arroio Cadena: o curso de água mais importante da cidade

Pâmela Rubin Matge

Arroio Cadena: o curso de água mais importante da cidade
Fotos: Marcelo Oliveira (Diário)

Em alguns trechos do eixo de drenagem mais importante do município se vê mais lixos e entulhos do que água corrente. O curso do Arroio Cadena, em seus 14 km de extensão somente na área urbana, pouco lembra o local que outrora possibilitou banhos nos escaldantes verões santa-mariense e que já chegou a matar a sede de muita gente. Até os anos 1930, como lembra o geógrafo e pesquisador da história local Fernando Floresta, era esse arroio que abastecia a população:

– As casas se abasteciam em poços, e o Cadena e seus afluentes, que são mais de 100, abasteciam a cidade levando água em caminhões-pipa. Era muito limpo. O arroio é um grande drenante, uma espécie de ralo que ajuda durante as enchentes. Porém, sem a proteção ciliar e cheio de sujeira, atualmente, isso fica dificultado.

O Cadena recebe todo o esgoto pluvial da cidade – a água da chuva corre pelas ruas, cai nas sangas que acabam desaguando por lá. Tambémrecebe o esgoto sanitário não coletado pela Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). A bacia do Cadena abrange grande parte do município, e a população que reside no seu entorno supera os 200 mil habitantes, dos quais, 80% estão na parte urbana, segundo o Plano Municipal de Saneamento Ambiental de Santa Maria.

Apesar de ações de limpeza realizadas pelo poder público, falta conscientização das pessoas em relação ao descarte irregular de lixo no local. Em plena Semana do Meio Ambiente e com ações que celebram o Dia Mundial do Meio Ambiente, neste domingo, José Antônio Mallmann, engenheiro civil que já realizou análises dos problemas e das dificuldades do arroio, alerta para importância de recuperar o local e é enfático:

– Se não existisse o Cadena, Santa Maria precisaria “criar” um Cadena.

O ARROIO CRUZA PELO MENOS 13 BAIRROS

O curso d’água pertence à bacia hidrográfica do Rio Vacacaí-Mirim. Além de percorrer dois terços da cidade e passar por pelo menos 13 bairros, o Arroio Cadena está presente em 14 km na área urbana, e tem em toda sua extensão – das nascentes à foz principal – cerca de 21 km, incluindo a área rural.

O arroio tem sua nascente junto ao aquartelamento da Brigada Militar de Santa Maria, sede do 1º Regimento de Polícia Montada (1º RPMon), próximo à divisa com a sede central do Clube Recreativo Dores. De modo geral, pelas proximidades dos cursos d’água, podese dizer que ele deságua no Rio Arenal, mas, em verdade, ele termina, isto é, tem sua foz junto ao Arroio Taquarichim, próximo ao Campo de Instrução de Santa Maria (Cism).

Já o Arroio Taquarichim, este sim, deságua no Arenal. A canalização fechada passa pelo Parque Itaimbé e cruza os bairros Itararé, Perpétuo Socorro, Salgado Filho, Carolina, Caturrita, Divina Providência, Passo D’Areia, Noal, Juscelino Kubitscheck, Patronato, seguindo pelo Renascença, Urlândia e Lorenzi, continuando até o Arenal, onde atravessa a BR-392 e encontra o Rio Vacacaí, que desagua no Ibicuí e, mais adiante, no Jacuí.

AFLUENTES

Sob os pontos de vista histórico, geográfico e cultural podem ser considerados: Arroio Itaimbé (o mesmo da lenda de Imembuí), que é o principal afluente da margem esquerda do Cadena, e nasce junto ao Edifício Portal do Parque, no começo da Avenida Itaimbé, em frente da antiga Estação Rodoviária; a Sanga da Aldeia, que nasce próxima do cruzamento das ruas Tuiuti e Professor Braga, em direção à Rua Acampamento (esse é o arroio mais central e que corta a cidade no sentido leste-oeste); a Sanga do Hospital, que nasce nos fundos do Coríntians Atlético Clube, passando sob a rua do Acampamento, e vai confluir com a Sanga da Aldeia, em terreno do Patronato Agrícola Antônio Alves Ramos; e o Arroio Cancela ou “da Cancela”, que nasce junto ao Santuário de Schoenstatt, próximo a BR-158. Todos esses afluentes pela margem esquerda. A maioria, ou seja, mais de 80 cursos d’água encontram-se atualmente desviados e/ou canalizados.

MUDANÇA DE CURSO

Uma curiosidade sobre o arroio é que na elaboração de um Plano Diretor de Santa Maria, em1969, o Cadena teve parte de seu curso, no sentido nortesul, desviado e retificado, entre o final da Rua Ernesto Beck e a BR-287. Houve, em média, um afastamento paralelo de 300 metros do curso original.

ORIGEM DO PROBLEMA ESTÁ NO DESCARTE DE LIXO, OCUPAÇÃO IRREGULAR E FISCALIZAÇÃO INEFICIENTE

Os principais impactos negativos do Cadena têm relação com a urbanização no entorno do arroio, o despejo de esgotos sanitários, seja na periferiaou na região central, a ocupação irregular de suas margens e a retirada da mata ciliar. A origem do problema está nos próprios santa-marienses, que fazem o depósito de esgoto, entulhos e toda a espécie de lixo. A fiscalização também falha. Um morador que vive no Bairro Passo D’Areia, e que não quis ter o nome divulgado, disse que basta ficar uma tarde próximo a um dos pontos do arroio para flagrar pessoas jogando lixo indiscriminadamente.

Na área mais densamente urbanizada, os resíduos sólidos causam a obstrução da vazão da água, provocando transbordamentos em épocas de fortes chuvas, prejuízos econômicos e transtornos à população:

– Um problema gravíssimo e, não somente em Santa Maria, diz respeito à ocupação desordenada das margens. Nas sombras da legislação vigente e demais leis complementares, as Áreas de Preservação Permanentes (APPs) foram sendo invadidas. A partir daí, acontecem catástrofes conhecidas em que episódios de inundações são apenas uma pequena parte do problema – acrescenta o geógrafo Fernando Floresta.

Entre os maiores gargalos, que incluem pontos com maior despejo de resíduos sólidos urbanos e esgotamentos sanitários clandestinos, Floresta menciona o trecho da BR287, em que a situação parece mais crítica. O agravante, conforme o engenheiro, deve-se ao fato de situarem-se na porção mais baixa da área urbana, e com maiores barramentos artificiais, no caso, as estradas federais próximas, e, portanto, as que mais padecem com as chuvas e cheias.

DE CORRENTE OU CADEIA À CADENA

Com relação à história do Cadena foram legados relatórios e descrições geográficas, principalmente de portugueses e espanhóisdurante as demarcações dos limites meridionais do Brasil, no final do século 18. Por meio das obras de João Belém e Romeu Beltrão, nas primeiras décadas do século 20, o nome “Cadeña”, dado pelos espanhóis, que significa “corrente ou cadeia”, em razão do cerco que o mesmo faz no sítio de Santa Maria. A importância estratégica que isso representou nas escaramuças promovidas pelos dois Exércitos nesta área conflagrada foifoco central nas disputas de fronteiras sulinas. Conforme os documentos, as sombras e águas cristalinas do arroio serviam para os acampamentos e descanso das tropas.

De acordo com Fernando Floresta, geógrafo e pesquisador do mais importante curso d’gua de Santa Maria, o fato de o arroio circundar praticamente dois terços do perímetro urbano justifica o nome oriundo de “cadeia” , além de constituir-se parte integrante de um sítio e monumento “vivo” da cidade.

Conforme a prefeitura, no ano passado, por meio da Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos, foram feitas ações de limpeza de forma geral e gradativa do Arroio Cadena. Em 2021, com auxílio da Secretaria de Elaboração de Projetos e Captação de Recursos, foi elaborado um processo de desassoreamento, em que máquinas trabalharam dentro do arroio para a retirada do lixo que é jogado de maneira irregular.

O Executivo afirma que o local ficou limpo e em melhores condições de drenagem e de fluxo da água, um cenário bem diferente do observado neste ano pela reportagem. O secretário municipal de Meio Ambiente, Guilherme Rocha, esclarece que os projetos de recuperação do Cadena integramobras de proteção das margens do arroio.

– Licenciamos trechos para evitar solapamento e, consequentemente, o assoreamento. No ano passado, por meio de um trabalho inter-secretarial e com licenciamentos por parte do Estado, foi realizado um programa de desassoreamento tanto no Cadena quanto em outros afluentes. A margem preservada e vegetada é mais estável e menos propensa a erosões e outros efeitos adversos. Isso ajuda as populações do entorno a ficarem mais protegidas das inundações. É essa a visão que precisamos incutir nas pessoas. Os cursos d’água, mesmo mal tratados, têm uma função de drenar as cidades e isso deve ser cada vez mais evidenciado. Quanto mais temos vazios urbanos ocupados e uma cidade verticalizada, ao longo dos anos, teremos mais escoamento superficial, com volume de água maior em eventos pluviométricos extremos. Precisamos abrir os olhos de muita gente, de políticos, da sociedade e até de técnicos que atuam em empreendimentos. Nosso objetivo não é trancar o desenvolvimento econômico, mas ter um olhar mais atento para questões hidrológicas, de saneamento e de saúde pública – enfatiza o secretário.

No programa que o secretário se refere foram investidos R$ 4 milhões para retirar lixo, entulhos e terra de mais de 20 km de arroios e sangas da cidade, incluindo o Cadena. O trabalho começou em agosto de 2020. O dinheiro veio do Fundo Pró-Saneamento, que recebeu verbas da Corsan acordadas na última renovação do contrato com o município. Máquinas retiraram toneladas de troncos, pneus e lixo que obstruía uma passagem da água, fazendo com que o leito subisse durante as enchentes.

Segundo a prefeitura, a retomada dos serviços no entorno do Cadena está suspensa devido às condições climáticas e à análise de projetos. Não foram informados prazos para novas ações.

POR INICIATIVA PRÓPRIA, MORADOR BUSCOU UMA SOLUÇÃO

Convivendo há anos com o mau cheiro e os riscos de erosão do terreno por onde cruza o Arroio Cadena, um empresário da região oeste da cidade tomou uma iniciativa sem depender do trabalho do poder público. Ademir Gaidarji, 56 anos, procurou profissionais e está construindo um muro de gabião (constituído por gaiolas metálicas formadas por fios de aço galvanizado), o qual evita o desmoronamento de terra. Ele também fará oplantio de árvores no entorno. Dessas, 75 foram plantadas como compensação de uma árvore que precisou ser retirada, e as demais integram um projeto paisagístico.

O empresário começou a construir uma estrutura que evita a erosão do solo na margem do Cadena

O empresário garante ter todas as licenças municipais, e o projeto é executado sob a responsabilidade de engenheiros civil e ambiental. A obra já começou e tem previsão de terminar em setembro deste ano, se as situações climáticas favorecerem. O muro tem 130 metros de extensão e 3 metros de altura. O investimento é de cerca de R$ 500 mil.

– A ideia é tornar o local mais seguro, agradável e servir de exemplo, seja para o poder público, seja para outras pessoas da cidade, que podem contribuir para recuperação e preservação do Arroio Cadena – argumenta Gaidarji.

Pâmela Rubin Matge, [email protected]

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