Aos 116 anos, o que já mudou na Vila Belga e o que ainda está por vir

Aos 116 anos, o que já mudou na Vila Belga e o que ainda está por vir

Foto: Nathália Schneider (Diário)

Considerada um dos patrimônios históricos de Santa Maria e do Rio Grande do Sul, a Vila Belga completou 116 anos de existência na quinta-feira (13). Ao longo das ruas Coronel Ernesto Beck, Manoel Ribas, Dr. Wauthier e André Marques, residências e edificações com arquitetura singular remontam à época de expansão das ferrovias e preservam a história da cidade.

O conjunto habitacional, criado em 13 de abril de 1907, reúne 84 casas e cerca de 350 moradores. Desde a construção até os dias atuais, o local passou por mudanças, sendo utilizado como espaço de domicílio, educação, cultura e empreendedorismo.

A continuidade destas atividades está atrelada à conservação da Vila Belga. Atualmente, quem passa pelas quatro ruas que constituem o núcleo habitacional do Sítio Ferroviário percebe que algumas casas estão com pintura deteriorada e o calçamento está danificado e com canos soltos em alguns pontos.

Uma das estruturas que sofreu com a ação do tempo e mais chama atenção pela condição é o prédio do Clube dos Ferroviários. Os moradores, inclusive, aguardam a reforma do edifício, que deve começar em breve. Porém, também já é possível notar algumas melhorias feitas recentemente, como a troca de luminárias por lâmpadas de led e a recuperação da pavimentação.

Foto: Nathália Schneider (Diário)

Hoje, também há um incentivo para que os trabalhos com economia criativa que encontram-se na Vila Belga sejam fortalecidos. Uma das atividades que representa esse potencial é o já tradicional Brique da Vila Belga, que começou em 2015. Além disso, as perspectivas do Poder Público e da própria comunidade apontam para a criação de mais ações e projetos que fomentem o empreendedorismo nesta região de Santa Maria, tanto na educação, cultura e economia, quanto na gastronomia, que hoje está ganhando destaque com a abertura de novos restaurantes e bares.

— Desde a sua fundação em 1907 até hoje, a Vila Belga tem como papel ser o elo de ligação entre a criação da cidade, a ferrovia, a cultura, o desenvolvimento e o patrimônio histórico — relata Paulo Conceição, presidente da Associação de Moradores da Vila Belga.

Em meio às mudanças e às expectativas futuras, a Vila Belga segue sendo um ponto de encontro, de trabalho, de lazer e de resgate da memória de Santa Maria.

Quem preserva a história da Vila Belga

O presidente da Associação de Moradores da Vila Belga, Paulo ConceiçãoFoto: Eduardo Ramos (Diário)

Hoje, 80% dos moradores da Vila Belga são ferroviários aposentados. Desde a sua origem, o espaço foi lar destes trabalhadores, que exerciam funções na Viação Férrea. Pela posição central privilegiada de Santa Maria, o município era o ponto de cruzamento entre todas as linhas férreas do Estado e tornou-se sede da Cooperativa de Consumo dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul.

— É importante estarmos comemorando os 116 anos da Vila Belga em um contexto que estamos vendo em Santa Maria, de retomada do desenvolvimento para essa região. A Vila Belga teve contribuição no passado, visto que aqui tínhamos a Avenida Progresso, hoje chamada Avenida Rio Branco, porque toda a história começou por aqui, tanto econômica quanto culturalmente. A Vila Belga também tem um patrimônio material, que é tombado pelo município e pelo Estado, e dentro do patrimônio imaterial, temos os ferroviários — explica Paulo Conceição.

Na família de Valmir Francisco Tavares Borges, 83 anos, pelo menos três gerações se envolveram com o trabalho nas ferrovias. Aposentado há mais de 30 anos, Valmir ocupou diversas funções como ferroviário, desde Telegrafista, Maquinista, Controlista até ser promovido a Supervisor de Movimento.

— Sou filho de ferroviário, o único filho homem que seguiu a classe, os demais irmãos tomaram outros rumos. Tenho a felicidade de ter meu filho mais velho, que também foi ferroviário. Eu residi aqui na Vila Belga de 1984 à 1990. Em 1990, me aposentei e, com o passar do tempo, quando essas casas foram colocadas à venda, eu adquiri uma. Hoje, moro desde 2000 nesta residência e tenho uma relação muito saudável de amizade com os demais moradores e com a classe dos ferroviários — conta Valmir.

José Carlos Rodrigues Oliveira (à esquerda) é ferroviário aposentado. Á direita, o vizinho, Antenor Dias de Almeida, 51 anosFoto: Eduardo Ramos (Diário)

Outro ferroviário aposentado que também permaneceu na Vila Belga é José Carlos Rodrigues Oliveira, 70 anos. O cacequiense mudou-se para Santa Maria em 1977 e, desde então, nunca mais saiu da cidade.

— Eu vim morar aqui na Vila Belga em 1984 e continuo aqui, sou muito feliz. Meu pai, meus irmãos e meus tios eram ferroviários. Trabalhei como ferroviário por 33 anos, 11 meses e 4 dias. Era muito bom, meu setor não era pesado, eu era Operador. Hoje, mudou tudo, mas ainda estamos nos sentindo muito bem aqui — relata José.

O morador acredita que as mudanças recentes são importantes para a comunidade e para Santa Maria. Ele espera que, no futuro, um espaço para os idosos e outro para as crianças sejam criados na Vila Belga. Outra obra que José tem expectativa em acompanhar é a reforma do Clube dos Ferroviários. Esse sentimento também é compartilhado por Volmir, que além de perceber um aumento na movimentação por conta desses novos empreendimentos, também aguarda a restauração do Clube e que a cidade continue investindo e cuidando do patrimônio da Vila Belga.

O que já mudou e o que ainda está por vir

Foto: Eduardo Ramos (Diário)

Uma recente iniciativa que pretende impulsionar o desenvolvimento econômico sustentável do Centro Histórico de Santa Maria é o Distrito Criativo Centro-Gare, formado pela Avenida Rio Branco, Gare da Viação Férrea e Vila Belga.

Dentre algumas ações que já foram feitas na Vila Belga a partir do Distrito Criativo, estão a restauração da pavimentação de paralelepípedo, a instalação de 11 câmeras de monitoramento ligadas ao Centro Integrado de Operações de Segurança Pública de Santa Maria (Ciosp), a troca das lâmpadas por luminárias de LED e a implantação da drenagem pluvial, o que impede que os moradores tenham problemas nas ruas em dias de chuva.

Posteriormente, um projeto de revitalização das áreas do Centro Histórico também deve ser lançado pela prefeitura. Já a estrutura do antigo Mercado Público será utilizada pela Secretaria da Educação e a Secretaria da Cultura do município.

— A Secretaria de Educação vai ter um espaço para o Núcleo de Tecnologia no Ensino Municipal, que vai possibilitar que professores e alunos sejam qualificados na questão de Tecnologia da Informação. Vamos ter laboratório de informática e de robótica, sala Google e sala de ideação, por exemplo. A Secretaria de Cultura vai fazer um lab criativo em parceria com o Sebrae. Esse espaço vai ser de formação de pessoas que trabalham com economia criativa. São projetos que vão ensinar gestão de marketing, gestão financeira, fluxo de caixa, precificação. Vamos ter também um espaço no prédio ligado à música, à dança e ao teatro — explica o vice-prefeito Rodrigo Décimo.

Uma das demandas dos moradores que deve ser atendida em breve é a restauração do Clube dos Ferroviários. Essa obra faz parte do programa Iconicidades, do governo do Estado, que pretende tornar as cidades gaúchas mais inovadoras, criativas e empreendedoras. Santa Maria foi a única da Região Central contemplada com recursos para realizar a reforma do Clube.

Com a revitalização, o prédio vai abrigar a sede da Escola Municipal de Artes Eduardo Trevisan (Emaet) e, ao mesmo tempo, ser um espaço de economia criativa com área para lazer, gastronomia e empreendedorismo. A equipe contratada é a Tempo Arquitetos, de São Paulo, que, neste momento, está trabalhando nos projetos para a obra. Após, uma licitação deve ser lançada para contratar a empresa responsável pelo serviço.

O vice-prefeito, Rodrigo Décimo, comenta, ainda, que, além das obras e reparos, a ideia com o Distrito Criativo é continuar explorando o potencial da economia criativa existente nesta parte da cidade:

— É esse o contexto que enxergamos para essa região, estamos empenhados nas obras que são necessárias e vão acontecer, mas também queremos que as pessoas se dirijam (para a Vila Belga) e aproveitem aquele espaço. A ideia é que seja um ambiente efetivamente que acolha as pessoas, em especial os criativos, e que seja receptivo a todos que queiram lá passear um dia, ir em um bar, morar ou trabalhar.

Outro destaque, avaliado como positivo pelos moradores e pelo Poder Público, é o olhar direcionado à gastronomia na Vila Belga:

— Também estamos vendo com bons olhos a movimentação de empreendimentos gastronômicos. Isso foi algo desejado quando estávamos trabalhando na formatação do projeto do Distrito Criativo e que bom que houve a compreensão de que esse é um espaço interessante e que os empreendedores então tomando a iniciativa de colocarem seus empreendimentos nessa região — comemora o vice-prefeito.

A história da Vila Belga

A Vila Belga é um dos primeiros conjuntos habitacionais do Rio Grande do Sul. Idealizada pelo engenheiro belga Gustave Vauthier, ela começou a ser construída em 1905. Vauthier era diretor da Compagnie Auxiliaire de Chemins de Fer au Brésil, arrendatária da Viação Férrea no Sul do Brasil. O objetivo da vila era oferecer moradia aos empregados dos escalões intermediários da rede ferroviária.

A vila Belga faz parte do Sítio Ferroviário de Santa Maria, composto também pela Estação Férrea (Gare), Colégio Manoel Ribas, e os prédios da Cooperativa de Consumo dos Empregados da Viação Férrea do RS (sede e clube).

O complexo arquitetônico é composto por 84 residências geminadas (duas casas unidas pela mesma parede). As edificações possuem paredes externas em alvenaria de tijolos e divisões internas em madeira. As aberturas são amplas, assim como os cômodos.

Em 1988, o conjunto habitacional foi tombado pelo município como Patrimônio Histórico e Cultural e, em 2020, recebeu tombamento estadual por meio do Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e Arquitetônico do Estado (Iphae).

Arquitetura

Considerada patrimônio histórico-cultural do município, foi planejada durante o período de 1901 a 1903 e inaugurada em 1907 pelo engenheiro belga Gustavo Wauthier. As casas serviam de moradia para os funcionários da Compagnie Auxiliaire de Chemins de Fer au Brésil, a companhia belga que tinha a concessão para exploração da ferrovia.

O núcleo habitacional possui os mesmos moldes das casas operárias da Bélgica e França. As edificações ficam situadas em quatro ruas principais: Manoel Ribas, Ernesto Beck, Dr. Wauthier e André Marques.

Educação

O prefeito da época, Manoel Ribas, com ajuda e colaboração de seu irmão, Augusto Ribas, criou a Escola de Artes e Ofícios, que mais tarde passou a se chamar Escola Hugo Taylor. No prédio da então escola hoje funciona a rede de Supermercado Carrefour. Manoel Ribas criou ainda a Escola Santa Terezinha, uma seção feminina da Escola de Artes e Ofícios. Hoje, o prédio abriga as dependências do Colégio Estadual Manoel Ribas – Maneco.

Saúde

A Casa de Saúde foi uma das instituições planejadas para atender à população da Vila Belga. Construída em 24 de abril de 1931, foi um hospital referência na época.

Alimentação

A gastronomia provinha da Cooperativa, que iniciou suas atividades em 1913, para abastecer os lares dos trabalhadores da Viação Férrea.

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