
Foto: Beto Albert
Nos últimos cinco anos, a agricultura da região central do Rio Grande do Sul enfrentou um período crítico. Secas em 2022 e 2023, uma enchente histórica em 2024, e uma nova estiagem em 2025. Os fenômenos climáticos comprometeram drasticamente a produção de soja, milho e arroz, principais culturas regionais, e resultaram em prejuízos bilionários, conforme dados da Emater-RS/Ascar, da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do Instituto Riograndense do Arroz (Irga).
Os números indicam queda de 43% na produção da soja, entre 2021 e 2025. O prejuízo financeiro é de R$ 9,7 bilhões no período, conforme estimativa feita pela reportagem – isso equivale a 6,3 milhões de salários mínimos.
O arroz reduziu 8%, com base na colheita de 2024. O milho, após perdas significativas, tem apresentado recuperação.
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Os eventos climáticos não atingiram todas as culturas e regiões gaúchas de forma similar, muito em parte pelo calendário de plantio e colheita. Conforme dados da Emater, a soja e o milho, por exemplo, são plantados entre setembro e outubro, e colhidos entre março e abril.
No caso do milho, seus ciclos são divididos em duas safras, a de verão e a safrinha. Em 2024, a enchente não afetou tão significativamente a colheita, pois a maioria das lavouras já havia sido colhida ou estava no final do ciclo.
O arroz, por ser cultivado em um ambiente diferente, irrigado, sofre menos com as secas. Entretanto, em 2024, durante a enchente, registrou o menor rendimento médio produtivo, com 7,49 toneladas por hectares (t/ha), e um custo produtivo de mais de R$ 17 mil, o maior observado nos últimos quatro anos. Mesmo não sendo totalmente afetada pela estiagem, a cultura sofreu com altos custos logísticos e dificuldades de escoamento no ano passado devido aos estragos em rodovias e pontes com as chuvas.
Já a soja foi mais atingida, haja vista os principais picos de seca, no verão, e a enchente, em abril e maio de 2024, ocorreram no período de crescimento das plantas e da colheita, que vai de janeiro a maio.
Soja
A cultura foi a mais afetada nos últimos anos em função das secas de 2022, 2023 e 2025, que ocorreram justamente no período de enchimento dos grãos, conforme a Emater, o que prejudicou o desenvolvimento. De 2021 para 2025, teve uma queda de 1,56 tonelada por hectare no rendimento. A produção passou de 3,2 milhões para 1,8 milhão de toneladas neste ano, evidenciando uma redução de 43%.
Com uma média de área anual plantada de cerca de 1 milhão de hectares apenas na Região Central e com o investimento por hectare na casa dos R$ 6,2 mil, nos últimos cinco anos, o rendimento mais alto registrado na soja, em 2021, não passou de 3,31 t/ha. O prejuízo estimado agora é de R$ 835 milhões.
SOJA
Ano | Área plantada total (ha) | Quantidade total produzida (t) | Rendimento médio (t/ha) | Preço médio (R$/t) | Custo de produção (R$/ha) |
2025 | 1.052.157 | 1.847.634,00 | 1,75 | 125,92* | não divulgado |
2024 | 1.049.522 | 2.664.416,00 | 2,53 | 119,5 | 5.754,01 |
2023 | 703.885 | 996.513 | 1,41 | 141,78 | 7.502,57 |
2022 | 895.194 | 1.046.217 | 1,15 | 179,1 | 8.282,32 |
2021 | 968.732 | 3.206.908 | 3,31 | 158,3 | 3.264,05 |
Fontes: Emater-RS/Ascar, Conab e Irga
Arroz
Diferentemente do milho e da soja, a produção de arroz teve um aumento no rendimento em 2023, com 8,72 t/ha. Entretanto em 2024, no ano da enchente, houve queda para 7,49 t/ha.
O custo médio da produção, que varia dependendo da região e do sistema de cultivo, conforme dados disponibilizados pela Irga, pode afetar diretamente a rentabilidade. Os dados referentes à safra de 2025 não estão completos, pois o arroz está sendo colhido. Conforme o Irga, espera-se uma safra normal, mesmo com os atrasos em função das chuvas.
ARROZ
Ano | Área plantada total (ha) | Quantidade total produzida (t) | Rendimento médio (t/ha) | Preço médio (R$/t) | Custo de produção (R$/ha) |
2025 | 123.799 | em produção | em produção | 118* | não divulgado |
2024 | 112.960 | 847.059,52 | 7,49 | 137,39 | 17.362,08 |
2023 | 108.519 | 914.235 | 8,42 | 114,8 | 16.909,23 |
2022 | 120.787 | 912.698 | 7,55 | 88,5 | 15.496,86 |
2021 | 112.033 | 930.374 | 8,23 | 101,59 | 11.567,74 |
Fontes: Emater-RS/Ascar, Conab e Irga
Milho
O milho foi duramente afetado nos ano sde 2022 e 2023, com rendimentos baixos. Em relação a 2021, a queda foi de 30%. Em 2024, a primeira safra, de verão, foi plantada antes das chuvas e a maior parte da produção foi colhida antes das enchentes. Com isso, a cultura se recuperou, mas com rendimentos baixos.
MILHO
Ano | Área plantada total (ha) | Qualidade produzida total (t) | Rendimento médio (t/ha) | Preço médio (R$/t) | Custo de produção |
2025 | 41.135 | 237.431,22 | 5,77 | 66,84* | não divulgado |
2024 | 48.975 | 280.322,65 | 5,73 | 56,8 | 7.153,47 |
2023 | 46.515 | 128.209 | 2,76 | 63,15 | 8.985,31 |
2022 | 43.276 | 123.058 | 2,84 | 86,41 | 9.977,60 |
2021 | 43.845 | 195.094 | 4,44 | 84,22 | 4.100,59 |
Fontes: Emater-RS/Ascar, Conab e Irga
Impacto ao produtor rural
Com investimentos altos e colheitas abaixo do esperado, o impacto negativo nas finanças é inevitável. No caso do Rio Grande do Sul, a situação se torna ainda mais complexa por ser uma perda que se acumula há pelo menos quatro anos.
O agricultor Sadi Mortari, 60 anos, que planta soja e melancia em Santa Maria, destaca que a seca de 2025 é a pior não apenas pelos seus efeitos práticos, de impedir o desenvolvimento pleno das culturas, mas, principalmente, porque o prejuízo está sendo acumulado desde os últimos anos. Em 2024, ele destaca que a perda em sua lavoura foi acima de 60%.
– Este ano, estamos com os mesmos problemas. A perda está estimada em 40% da área.
Outra característica é que, mesmo os grãos que não secaram ou morreram com a estiagem, apresentam defeitos, como o peso muito baixo. Isso ocorre porque seu desenvolvimento não foi pleno, “como se ele estivesse vazio”. Esse prejuízo, somado aos dos anos anteriores, impossibilita o desenvolvimento da agricultura local, estadual e até mesmo nacional.
– O custo da lavoura hoje chega em torno de 35 sacas por hectare. Isso sem exigir muito. Aí você tem uma ideia do prejuízo que está afetando os produtores, porque nesses últimos anos chegamos a colher 12 sacas por hectare, às vezes 18 sacas. É por isso que o produtor vem nessa peleia no decorrer desses anos todos - afirma Mortari.
Auxílio do governo
Com o aumento dos custos da produção e as dificuldades enfrentadas pelos agricultores, os governos estadual e federal implementaram medidas para auxiliar esses produtores. Algumas delas são:
- Renegociação de dívidas: refinanciamento de créditos junto a bancos públicos.
O projeto, aprovado na Câmara dos Deputados em novembro de 2024, concede desconto para produtores que sofreram perdas de pelo menos 30% na renda em decorrência das enchentes. Os benefícios valem para contratos assinados até 15 de abril de 2025 e que vencem até 31 de dezembro deste ano. Os descontos podem chegar a 50%, dependendo do tamanho do prejuízo do produtor.
- Programa Avançar na Agropecuária: R$ 275 milhões para melhoria na irrigação e infraestrutura.
O governo do Rio Grande do Sul anunciou, em dezembro de 2024, o Avançar na Agropecuária e no Desenvolvimento Rural, com aporte de R$ 275,9 milhões. O investimento para a qualificação da irrigação, com R$ 201,42 milhões, o fortalecimento da agricultura familiar, com R$ R$ 35,34 milhões, e melhorias nos acessos às propriedades para facilitar o escoamento da produção agropecuária, com R$ 39 milhões.
- Seguro Rural Proagro: indenizações para perdas de safra, porém com cobertura limitada.
Programa do governo federal que funciona como um seguro rural, cobrando uma taxa para cobrir perdas de safra. O seguro rural é uma apólice que pode ser contratada para proteger a plantação, o patrimônio ou a família.
- Crédito emergencial no RS: R$ 201 milhões destinados aos produtores afetados.
Destinados pelo governo federal, os R$ 201,8 milhões em crédito emergencial irão apoiar os produtores rurais gaúchos afetados pela enchente de 2024. O crédito foi aberto para equalizar os juros dos financiamentos rurais.
Há ainda medidas históricas, como a Garantir-Safra, de 2002, e o Plano Safra, de 2003, implementados pelo governo federal, para garantir benefícios financeiros ao setor agrícola brasileiro.