Entrevista

'Nós andamos por Santa Maria e encontramos realidades inimagináveis', relata professor

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Rivaldo Faria é geógrafo e professor responsável por coordenar o Núcleo de Pesquisa em Geografia da Saúde Departamento de Geociências Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O laboratório de Geografia da Saúde é único do Rio Grande do Sul. Nos últimos dias, os pesquisadores têm proposto estratégias de redução da mortalidade por coronavírus. Na última semana, também foi criado um observatório para avaliar a Covid-19 em Santa Maria e região. O objetivo é auxiliar no monitoramento e planejamento das ações em saúde pública para o combate à epidemia. Os dados são atualizados diariamente.

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Em entrevista ao Diário, o professor fala do quanto a relação do saneamento e da habitação pode impactar na disseminação dessa doença.

Diário de Santa Maria - Nas grandes cidades, o coronavírus já atingiu moradores de favelas. Aqui, não se sabe de casos da doença que afetem locais mais afastados do Centro. Segundo médicos, devem chegar e oferecer riscos em um segundo momento.
Rivaldo Faria - Sim, Certamente. Ainda que medidas de compensação venham sendo feitas, por exemplo, medidas trabalhistas de garantia e distribuição de renda para população mais pobre, que vem sendo discutidas pela Câmara e Senado, dificilmente serão efetivas a ponto de permitir que essa população "desfrute" do isolamento residencial. Seja porque a renda é baixa e eles precisam se deslocar para complementar renda, pois o deslocamento aumenta o risco de contrair o vírus, seja porque suas residências não permitem condições mínimas de isolamento. Cerca de 18 mil pessoas vivem em residências de até três cômodos em Santa Maria, incluindo cozinha, quarto e banheiro, quando esse não é improvisado, sendo a maior delas residindo na área periférica, de maior vulnerabilidade social

Diário - Condições de saneamento e habitação podem ter relação direta com a disseminação da doença?
Rivaldo - Condições precárias de saneamento estão associadas a condições precárias de moradias e renda, em geral. Também são mais vulneráveis, com alto índice de hipertensão e diabetes, que são fatores de risco para a Covid-19. Mas, além de tudo isso, com a elevada densidade ocupacional, acima de cinco moradores em casas de dois ou três quartos e com um banheiro (quando não improvisado), fica difícil isolar pacientes.

Diário - Como mensurar os riscos?
Rivaldo - Na última semana, entregamos alguns mapas da população idosa de Santa Maria. Infelizmente, os dados (do IBGE) ainda são de 2010, mas é possível prever suas localizações. Mas de 15% da população da cidade tem mais de 60 anos de idade, o que dá mais ou menos 43 mil pessoas. A maior densidade de idosos está no Centro, a área mais antiga. Mas no Centro, esses idosos gozam de melhor condição de vida. Nas áreas periféricas, os idosos têm renda baixa, piores condições de saúde e péssimas condições de moradia, o que os coloca em condições de maior risco. É preciso entender que a Covid-19 é mais grave para idosos, mas mais grave ainda para idosos com problemas de saúde. E isso é mais frequente nas periferias. Cerca de 20 mil pessoas com mais de 60 anos de idade de Santa Maria vivem em situação extremamente precária de vida e saúde. Portanto, medidas imediatas devem ser feitas para preservar a vida dessas populações.

Diário - Há bairros ou regiões específicos que podem ser mais afetados?
Rivaldo - Nós elaboramos, em 2018, um indicador de pobreza e mostramos que quase 40% da população de Santa Maria está localizada em áreas de vulnerabilidade social. Essa população se concentra, principalmente, ao redor da ferrovia (principalmente no Norte da cidade), do Arroio Cadena (em todo ele, até a Urlândia), no Morro do Cechella, e à Oeste, principalmente no Bairro Santa Marta. São particularmente graves os problemas de saneamento e moradia nas áreas de ocupação irregular (algumas já regularizadas, mas sem a infraestrutura). O saneamento e a densidade de populações vulneráveis ocorrem em todas as áreas de ocupação irregular na cidade. O problema ali começa pela moradia em si em áreas precárias e sempre densamente povoadas.

Diário - E como o senhor avalia as políticas públicas voltadas às comunidades periféricas de Santa Maria?
Rivaldo - Santa Maria tem muitas ocupações irregulares, que precisam ser planejadas pelo poder público. O maior problema de Santa Maria e de quase todas as cidades brasileiras é a moradia. Nós andamos por toda Santa Maria, em cada metro quadrado, e encontramos realidades inimagináveis, sobretudo nas margens do Arroio Cadena. A Covid-19 é um problema gravíssimo de saúde pública, mas que pode se somar a realidades já gravíssimas de péssimas condições de vida. Neste momento, o que a prefeitura tem que fazer é contenção, e ela está fazendo bem o trabalho, de informação e pedido para isolamento domiciliar. Vem sendo criadas infraestruturas, como aumento dos leitos de UTI e sistemas de informação. O que se pode fazer de imediato (às populações mais vulneráveis) é criar outros programas para amenizar as condições das famílias, dando a elas mais conforto de renda e mais salubridade nas residências para poder ficar nela isolados em situação de quarentena. É preciso urgentemente mapear os grupos de risco, que é o que estamos tentando fazer. Mas não temos todos os dados, como, por exemplo, os diabéticos e hipertensos, pois só pode a prefeitura pode dispô-los. Saber onde mora é fundamental para desenvolver ações de prevenção.

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