Estiagem

“A crise hídrica não é um fenômeno natural, está ligada com a ação humana”, diz professor da Universidade Franciscana em seminário do Comitê Pelo Meio Ambiente

“A crise hídrica não é um fenômeno natural, está ligada com a ação humana”, diz professor da Universidade Franciscana em seminário do Comitê Pelo Meio Ambiente

Fotos: Eduardo Ramos (Diário)


A crise hídrica que atinge o Rio Grande do Sul é um problema sério e grave, e que precisa ser debatido para que as futuras gerações não sintam os impactos das decisões tomadas agora. Para discutir o assunto, contextualizar a situação e indicar soluções, na última sexta-feira, o Comitê pelo Meio Ambiente – ciente da necessidade de dar luz à questão – promoveu um seminário. Entidades ligadas ao tema, poder público, associações e demais convidados participaram, na sede do Grupo Diário, da 5º edição do evento. Para falar sobre o assunto, estiveram presentes o professor do curso de Direito da Universidade Franciscana (UFN), João Hélio Pes, e o superintendente regional da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), José Roberto Epstein. No seminário, eles falaram sobre a gestão hídrica no Estado, a situação da estiagem, o abastecimento de água na região, ações e políticas públicas necessárias voltadas ao fornecimento de água à população. As mudanças climáticas, a análise de aspectos jurídicos e as normas que tratam da segurança hídrica também estiveram em pauta. 

Região Central

Neste ano, os 39 municípios de cobertura do Grupo Diário decretaram situação de emergência devido à estiagem. A falta de chuvas destruiu lavouras, causou desabastecimento de água e já deixou um prejuízo superior a R$ 3 bilhões para a agricultura, conforme dados da Emater. Este é o terceiro ano consecutivo que a Região Central sofre com os efeitos da seca. Em Santa Maria, as barragens do DNOS e da Rodolfo Costa e Silva estão abaixo do nível ideal. Em Caçapava do Sul, a principal barragem que abastece a cidade está praticamente seca, e a população já precisou enfrentar racionamento de água.

– A barragem da Socepe, no município de Itaara, está com o volume útil abaixo de 10%. Desde o ano passado, estamos fazendo um reforço com o caminhão pipa. Em previsões realizadas, nunca se projetou o que nós estamos vivendo hoje em Itaara – relata Epstein. 

O docente da UFN, comenta que a crise hídrica não é apenas um fenômeno natural, ocasionado pelo La Niña. Pesquisadores da área, vem apresentando dados, ao longo dos anos, sobre a participação humana nesses problemas econômicos e sociais:

– O cientista brasileiro Carlos Nobre, aponta que todos os eventos extremos, como as chuvaradas, secas, têm relação direta com as mudanças climáticas. O que são essas mudanças? É ocasionada pela participação do ser humano ou por fenômenos naturais? A ciência responde que é a ação do homem que desencadeia os problemas que a sociedade enfrenta hoje. 

Pautas ambientais

O Comitê pelo Meio Ambiente congrega órgãos públicos, instituições de Ensino Superior e sociedade civil organizada para discutir ações e iniciativas práticas que promovam mudanças comportamentais da sociedade, tornando o tema ambiental prioritário e urgente para a comunidade santa-mariense. Criado por seis instituições e pela necessidade de trazer à tona a temática que permeia o dia a dia da população, e que por décadas tem sido deixado à margem da agenda municipal, o grupo é formado pelo Grupo Diário, prefeitura de Santa Maria, Câmara de Vereadores de Santa Maria, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Franciscana (UFN) e Instituto Federal Farroupilha (IFFar). O 5º Seminário sobre a crise hídrica no Estado foi transmitido pela TV Diário e Rádio CDN e está disponível no YouTube do Diário. A mediação do jornalista e colunista Deni Zolin.

Apesar da situação deste ano ser crítica, o Rio Grande do Sul está há três anos sendo castigado pela estiagem. Em 2020 e 2021, 426 municípios do Rio Grande do Sul decretaram situação de emergência. Em 2023, até o momento, 388 cidades aderiram ao decreto de emergência pela estiagem. Segundo Pes, o panorama que o Estado enfrenta, caso não haja mudanças na legislação e nas ações, a tendência é a situação se agravar mais. 

Discussão

João Hélio Pes – professor de direito da UFN

  • Pós-Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
  • Professor do Curso de Direito da Universidade Franciscana (UFN) e ministra aulas na temática de Direito Ambiental e Direito Internacional Público, nos cursos de graduação em Direito e em Engenharia Ambiental e nos cursos de Pós-Graduação em Direito, Gestão Pública e Gestão Ambiental
  • Tem sua produção focada no direito de acesso à água potável, gestão das águas, prevenção e precaução em Direito Ambiental
  • O professor lançará na 50ª Feira do Livro de Santa Maria, em coautoria com a Profª Micheli Capuano Irigaray, o livro Privatização e Mercalização da Água, no dia 3 de maio, às 16h30min

Para o docente, o conceito de crise hídrica abarca bem mais que apenas a falta de recursos, significa também a falta da qualidade da água fornecida pela população. A poluição do ar, das bacias hidrográficas e o desmatamento são questões que levam às situações de emergência dos reservatórios de água.

– Nos dados divulgados pela Rede Mapbiomas Brasil, a cobertura hídrica do bioma pampa, nossa região, desde 1985, perdeu mais de 30 mil hectares de água que estavam na superfície. Outro levantamento do bioma é em relação a locais com grande redução de recursos hídricos, por mais de dois anos consecutivos, como a Lagoa Peixe, localizada no litoral sul do Estado. 

Ao final de sua fala, Pes elencou algumas legislações, já existentes no Brasil, que poderiam ajudar nas questões do agravamento hídrico, mas que não são colocadas em prática. A partir disso, o professor apontou problemáticas desses programas já existentes, como o Plano de Segurança Hídrica:

  • Apenas no Rio Grande do Sul, dois projetos do programa tratam da dimensão econômica. Por exemplo, de recursos para o Estado enfrentar o problema da irrigação. Isso contabiliza mais de 30% das verbas
  • Falta de informações de dados para a sociedade é uma problemática recorrente. De 2014 a 2017, existiam dados, divulgados no site Vigiagua, pelo Ministério da Saúde, sobre as substâncias encontradas nas águas que abastecem as cidades de todo o país. Em Santa Maria, em nove testes foram apresentadas mais de seis substâncias agrotóxicas perigosas. No entanto, o site não é mais atualizado.
  • Já o restante dos recursos é para a dimensão humana, mas não de maneira exclusiva. Por isso, o professor de direito é crítico ao Plano Nacional de Segurança Hídrica, já que as questões da estiagem e do racionamento, como em Bagé, são problemas humanitários 
  • O programa é renovado de quatro em quatro anos, junto com a mudança do governo federal, mas o planejamento deveria ser de médio a longo prazo, e não mudar a cada troca do Executivo do país 

Além das problemáticas em nível nacional, que afetam os estados, o especialista nas ciências jurídicas apontou soluções futuras e necessárias para reduzir os impactos da estiagem, nas plantações e no abastecimento dos recursos hídricos:

  • Os comitês de bacias hidrográficas, já existentes, que são compostas por técnicos da área, discutem as soluções que precisam ser tomadas. Mas, para o docente, não tem políticas públicas eficazes para andar com as medidas propostas
  • Precisa de medidas, mais efetivas, que fiscalizem a questão do uso indevido da água
  • Além dos comitês, é preciso uma maior participação da sociedade nesses debates. João Hélio Pes coloca que as pessoas devem poder decidir e se envolver nos problemas
  • Fazer valer os princípios da prevenção e precaução. Ou seja, os governos sabem que outras secas vão vir, assim medidas preventivas devem ser tomadas, como enfrentar o desmatamento, que afeta no abastecimento e qualidade dos recursos hídricos. Já a precaução é para tomar medidas antecipatórias, para evitar danos maiores no futuro

José Roberto Epstein – superintendente regional da Corsan


  • Superintendente regional da Corsan desde 1º de abril de 2015
  • Formado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
  • Começou as atividades na Companhia em 2008. Em 2011, assumiu o cargo de coordenador operacional em Santa Maria e, em 2013, de superintendente adjunto
  • Com 15 anos de empresa, ele tem experiência também no setor privado, como a Fockink Indústrias Elétricas e Rio Grande Energia (RGE)

Conforme o superintendente regional da Corsan, o panorama de Santa Maria é diferente de outros municípios do Estado que estão passando por racionamento de água, por causa da barragem Rodolfo Costa e Silva.

– A barragem do DNOS encontra-se a sete metros abaixo do nível normal. Se não tivéssemos essa outra estrutura, que abastece 25% da cidade, teríamos que começar a pensar em outras alternativas, como o racionamento, já realizado na cidade de Bagé, por exemplo. 

Assim como outras barragens, a Rodolfo Costa e Silva também sofreu com os efeitos da estiagem. No ano passado, ela estava 1,90 metros acima do nível que está hoje. Uma das justificativas envolve a captação de água, que em 2023 foi maior no local. Para Epstein, o cenário ainda é de estabilidade:

– Um dos grandes objetivos das barragens é justamente sustentar o abastecimento nos períodos de menor precipitação. A gente já vem enfrentando há três anos seguidos este tipo de situação e, consequentemente, a estiagem acabou iniciando antes este ano. E as chuvas vão começar a estabilizar apenas em maio. Mas, a estrutura de Santa Maria está bem preparada.

De acordo com Epstein, além da crise hídrica, a qualidade da água é um ponto que deve ser discutido para pensar nas medidas preventivas:

  • A proliferação de algas, não apenas em rios, chamada de eutrofização das águas, pode ser causada por poluição humana. Esse processo afeta a qualidade da água, assim na parte de tratamento é aplicado muitos produtos químicos para tornar ela potável
  • Em Santa Maria, o arroio cadena tem saneamento, mas recebe lixo e esgoto doméstico
  • Outro ponto é em relação a água fornecida pelo caminhão pipa, ela precisa ser potável de boa qualidade para esses locais que estão passando pela escassez 

A Corsan aderiu aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (Onu), para discutir a distribuição de recursos potáveis e pensar em medidas que precisam ser tomadas de maneira urgente para o enfrentamento e redução  das consequências da estiagem. Epstein relata que antes os ciclos de seca ocorriam de 10 anos, agora são anuais. 

  • A Corsan tem uma permissão de não gerar nenhum tipo de racionamento, no entanto, de acordo com Epstein, para isso é preciso de muito trabalho e antecipar essas situações causadas pelos eventos extremos do clima
  • É preciso de políticas públicas para a fiscalização do uso excessivo das águas, não apenas durante a crise de recursos hídricos 
  • Planejamentos de municípios a longo prazo e monitoramento de pontos de captação de água 
  • O comitê de monitoramento, criado pelo Governo Estadual, já está auxiliando no acompanhamento dos problemas da crise hídrica que avaliam os pontos de vazão das bacias hidrográficas, apresentam relatórios diários sobre o abastecimento, temperatura e as chuvas nos municípios
  • Conscientização da sociedade sobre as questões ambientais 
  • A Corsan promove multiplicadores ambientais dentro do grupo de funcionários, onde tem cartilhas relacionadas a educação ambiental

Questionamentos

Ao final das falas dos dois convidados, o público pode fazer questionamentos e complementos relacionados à temática debatida no seminário. O presidente da Câmara de Vereadores, Givago Ribeiro comentou que em Santa Maria, as pautas ambientais já vêm sendo debatidas pelo Poder Público:

– A pergunta é, o que eu vou fazer a partir de agora? Quais as ações são de responsabilidade da sociedade para ajudar? Além disso, precisamos pensar que o desenvolvimento econômico tem relação com o que é sustentável e social no município. 

Outras colocações foram feitas pelo membro da Cooperativa de Trabalho de Recolhimento de Inservíveis e Reciclados (CRIR) Renan Denardin; o bacharel em Direito e mestrando pela UFN Roger Ribeiro; o coordenador do Grupo de Trabalho (GT) da coleta seletiva, Homero Boucinha; e a analista ambiental da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) Renata de Baco.   


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