Empoderamento

20 de setembro promove reflexão e reconhecimento ao protagonismo feminino gaúcho

Arianne Lima e Victória Debortoli

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Divulgação

Em julho, o governo estadual anunciou a personalidade homenageada da Semana Farroupilha deste ano. Lembrada pela participação e envolvimento na Revolução Farroupilha de 1835 a 1845 ao lado do marido, José Garibaldi, Anita Garibaldi tem a trajetória reconhecida em um momento que o protagonismo feminino gaúcho é pauta de pesquisas e projetos como o Peitaço, levando-nos a compreender que os "Caminhos de Anita" são trilhados também hoje por Lilianas, Deborahs, Nuncias, Carlises e outras tantas mulheres gaúchas que lutam para que as próprias histórias sejam base e inspiração para quem está por vir.

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FORA DO PADRÃO
Em 30 de agosto de 1821, nascia Ana Maria de Jesus Ribeiro. Com o nome de Anita e o sobrenome Garibaldi, Ana Maria estava prestes a mudar o próprio destino, tornando-se um simbolo de luta para o Rio Grande do Sul. No ano em que se comemora o bicentenário da Heroína de Dois Mundos, que morreu aos 28 anos em um campo de batalha, surge a oportunidade de refletir sobre o protagonismo da mulher gaúcha e como representações e narrativas são criadas acerca dessa personalidade. Para a professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Carlise Rudnicki, é preciso aceitar Anita Garibaldi como uma mulher fora dos padrões construídos socialmente naquela época:

-Ela foi uma mulher totalmente diferente do que era esperado pela sociedade no período Regencial. Porque, quando ela está com 14 anos, ela casa e depois, por situações precárias, se separa e foge com o amante aos 18 anos. Ele se casa novamente, deixa seus filhos na França com a mãe de Garibaldi e vem para a luta. Ao deixar os filhos lá, ela também deixa a maternidade. Mas, acaba morrendo grávida na batalha. Então, já percebemos que essa concepção de mulher que vai se transformando. 

Segundo Carlise, para ser aceita, os relatos sobre Anita foram romantizados: 

-Existem facetas da história são romantizadas para poder ser aceita por conservadores. Mas, também há relatos de que ela viveu com o primeiro marido em um mundo de violência domestica, pobreza e subjugação, situação vivida por tantas mulheres hoje - afirma a pesquisadora, ressaltando que o exemplo transgressor de Anita ainda é visto em mulheres na atualidade, especialmente aquelas que não aceitam os valores impostos e buscam lutar contra as violências diárias.

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PROJETO PEITAÇO

Mensalmente, o projeto promove o debate sobre pautas femininas, na busca por visibilidade para o papel das mulheres na cultura gaúcha. Idealizado pela apresentadora Shana Muller, atualmente, o grupo é composto mais de 40 artistas. Para o Diário de Santa Maria, Shana, que também é compositora e cantora, comentou sobre a importância de refletir sobre as contribuições femininas, a partir do exemplo de Anita: 

- Eu me sinto muito feliz ao ver as mulheres homenageadas quando a gente fala em festejos farroupilhas. Primeiro, porque as mulheres são parte fundamental dessa construção da história do Rio Grande do Sul, se algumas estiveram na guerra, como é o caso da Anita Garibaldi, se colocando, sendo precursora, uma mulher à frente de seu tempo, que se permitiu ir para as batalhas, parir um filho em meio à batalha, está ai o mistério desde sempre da maternidade, do trabalho, do desafio. Outras mulheres sustentaram o Rio Grande do Sul porque tiveram que ficar nas suas casas enquanto os homens passaram 10 anos lutando. A força da mulher está e sempre esteve presente nesta construção dessa fronteira do sul do Brasil. 

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Gustavo Mansur (Piratini)

REPRESENTATIVIDADE
Para além da reflexão sobre a história e influência da homenageada estadual, encontra-se o diálogo sobre representatividade negra feminina nos pontos de visibilidade da história gaúcha. Este ano, a cantora e declamadora Liliana Cardoso é Patrona da Semana Farroupilha. Ela é a primeira mulher negra a ocupar este posto e terceira mulher a ser convidada. Antes dela, Nilza Lessa e a pesquisadora Elma Santana, que escreveu mais de 30 livros com foco na presença feminina na história do Rio Grande do Sul, receberam esta oportunidade. 

Aos 43 anos, Liliana é vice-presidente do Conselho Estadual de Cultura,além de radialista, apresentadora, ativista cultural e mestre de cerimônias. A presença dela em eventos oficiais tem promovido reflexões e inspirado diversas mulheres. De acordo com a cientista social e integrante do Coletivo santa-mariense Dandaras, Nuncia Guimarães, pensar em representatividade nos tempos atuais é necessário para reconstruir a história, dando o devido crédito a todos os participantes:

-Quando falamos sobre representatividade ou representação, precisamos pensar que, dentro da história e da versão oficial, teremos pessoas e grupos sociais que serão excluídos dessa versão hegemônicas. São estes: mulheres no geral e pessoas negras. A tradição gaúcha precisa se voltar para esses erros, silenciamento e apagamentos que foram feitos e são fortalecidos no presente para que consigamos recontar e fazer com que a tradição gaúcha floresça. Mas, que não esteja mais enraizada em misógina e machismo, assim como no apagamento dessas pessoas que tanto ajudaram na consolidação do que temos hoje como sociedade e Rio Grande do Sul. 

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Para a Nuncia, que trabalha com as temáticas como colonialismo, cultura e memória no mestrado em Ciências Sociais da UFSM, é necessário lembrar que mulheres negras e indígenas sempre estiveram contribuindo com a história. Entretanto, suas presenças não eram percebidas. Com atuais estudos e pesquisas acadêmicas, é possível constatar um período de fortalecimento e empoderamento tanto do negro quanto da mulher na cultura gaúcha:

-Quando entramos em um CTG e passamos a estudar um pouco sobre o tradicionalismo gaúcho, vemos o quanto é imprescindível o papel que essas mulheres tiveram. Hoje, temos na música, excelentes cantoras. No campo artístico, temos declamadoras incríveis. E sempre com um pensamento mais critico. Acho importante nos voltarmos a esse legado feminino e como ele é continuo. Ele nunca para, porque temos mulheres hoje trabalhando muito para conquistar esse espaço - afirma. 

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Foto: Reprodução/divulgação

HOMENAGEM E SAUDADE

A potência vocal de Deborah Rosa sempre permitiu que ela se dedicasse a diversos estilos musicais. Não é atoa que o trabalho desta cantora é conhecido e venerado tanto por quem já dividiu o palco quanto por quem teve a oportunidade de assistir. Durante muitos anos, a cantora representou o DT Querência das Dores em competições e festivais, retornando com muitas histórias e conquistas para voltar. Após a morte de Deborah em março deste ano, diversas homenagens surgiram para manter viva a memória e história desta artista. Em 23 de junho, a 13ª Região Tradicionalista nomeou Deborah Rosa como homenageada local da Semana Farroupilha. O reconhecimento pela carreira ligada a cultura gaúcha foi comentada pela colega de profissão e amiga, a cantora Analise Severo: 

- Eu agradeço, de coração a minha terra Santa Maria, minha terra natal que eu tanto amo, e parabenizo Santa Maria por estar homenageando neste mês farroupilha esta grande mulher, uma das mulheres bem gaúchas que todos nós conhecemos, que partiu tão cedo e nos deixou tanta saudade, nos deixou uma lacuna. A sua voz, o seu sorriso, a sua presença, a sua inteligência nos fazem muita falta, mas ela continua nos inspirando, e vai inspirar muitas gerações. Deborah Rosa nos deixou um legado muito lindo, essa amiga querida do meu coração, me deu a alegria e o presente de estar comigo no lançamento do projeto Bem Gaúcha, um show que fizemos no Theatro Treze de Maio em 2019, inesquecível para mim. Foi uma das últimas vezes que a gente pode se abraçar, e eu pude sentir aquele calor humano, aquela alegria. Ela está em outra dimensão, e eu tenho muita fé que nos espera para cantarmos juntas de novo. 

20 de setembro: artistas mantêm a tradição sem abrir mão do estilo

Shana Muller, que também teve a oportunidade de trabalhar e conviver com Deborah, especialmente nos encontros do Peitaço, fez questão de comentar sobre a relevância que as escolhas de homenageadas estadual e local tem na construção de uma nova história:

Acho que a homenagem para Anita Garibaldi é uma consolidação da importância das mulheres na construção da história do Rio Grande do Sul e, sobretudo, na construção da tradição gaúcha, na qual elas são um dos mais importantes pilares culturais, de conteúdo relevante dessa história. E ainda ver essa querida amiga Deborah Rosa homenageada, uma artista negra, cantora, que, além de cantar o regional do Rio Grande do Sul, e do regional brasileiro, do samba à milonga. A Deborah é a cara do Brasil diverso, do Rio Grande diverso que tem, inclusive, uma dívida importante com a negritude e a herança africana dentro dessa cultura. Ver essas duas mulheres representadas na Semana Farroupilha, é como um acender às luzes do esquecimento e da memória do Rio Grande do Sul em relação as figuras que constroem o Estado - afirma. 

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