
O assassinato de Paola Muller, 32 anos, em São Francisco de Assis, foi uma exceção à regra de amparo concedido judicialmente por uma medida protetiva. É o que afirma o juiz Rafael Pagnon Cunha, titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar (JVD) da Comarca de Santa Maria. Isso porque, neste caso, em específico, se considerado o emprego de crueldade e rapidez por parte do autor do crime, o ex-companheiro de Paola.
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Conforme o juiz, foram adotadas pelo Estado todas as medidas cabíveis de proteção à vítima, com exceção da tornozeleira eletrônica. Porém, nem mesmo com o uso desta, Cunha acredita que seria possível conter o suspeito, que agora está preso:
— Ele evoluiu de uma forma que não é comum, de receber a medida protetiva e dias depois cometer um fato com essa violência. As tornozeleiras são mais uma ferramenta, sim, mas não conseguem cessar uma violência assim. São uma ferramenta secundária. A tornozeleira não faria ele cessar — afirmou em entrevista ao Bom Dia, Cidade! desta quarta-feira (29).
O caso também foge à regra, conforme a Justiça, por conta do curto intervalo de tempo entre o pedido de proteção e o feminicídio:
— Infelizmente, o Estado não conseguiu fazer frente a “loucura” desse agressor, mas os instrumentos foram utilizados.

Medida protetiva
Informações do Mapa dos Feminicídios da Polícia Civil, que compila dados do Observatório de Violência Doméstica da Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP), mostram que 72 mulheres foram vítimas de feminicídio no ano passado. Deste número, apenas 12,5% possuíam medida protetiva vigente na data da morte. Na Região Central, houve quatro feminicídios em 2024.
O número vem de encontro à hipótese reforçada pelo juiz:
— Não conseguimos dar proteção absoluta, mas as mulheres que recebem medida protetiva não são vítimas de feminicídio. É uma constatação mundial. As medidas protetivas funcionam e salvam vidas.
Por isso, o Estado realiza campanhas de incentivo a formalização de uma denúncia contra o agressor. Em todo o país, um dos principais contatos é a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, que funciona diariamente durante 24 horas, incluindo sábados, domingos e feriados.
O fim da era “em briga de marido e mulher não se mete a colher”
Qualquer pessoa pode fazer uma denúncia pelo serviço, até mesmo se perceber pequenos sinais ou ameaças. Cunha explica que o ciclo de violência começa geralmente de maneira sutil. E por isso é preciso estar atento aos primeiros detalhes:
— É uma dominação leve, começa com controle de roupas, com quem vai sair. O agressor começa de um jeito sedutor, mostrando cuidado, mas que, na verdade, é pura dominação. Quando se dá conta, a mulher não está mais com seus amigos e família. A partir daí começa a violência moral, a violência física e pode chegar no feminicídio. A mulher já está no ciclo de violência e não se dá conta.
Para o judiciário, há uma fase chamada de “lua de mel”, onde o agressor pede perdão pelos atos e promete melhorar, a mulher então aceita essa condição e não procura ajuda. Na maioria dos casos, é a partir deste momento que se inicia uma série de dependências da vítima. As principais são a financeira e a psicológica, especialmente motivada pelos filhos. O juiz afirma que esse tipo de situação é comum e recomendações são feitas às vítimas, principalmente durante audiências:
— Filho não é justificativa ou desculpa para a infelicidade de alguém. Não temos mais cenário dos anos 60 e 70. Talvez hoje o padrão seja as pessoas separarem e reconstruírem suas vidas.
Mudança cultural
A relação de construção histórica do país, baseada em um sistema com lugares desiguais de homens e mulheres na sociedade, reflete no contexto atual que, nas palavras do juiz Cunha, é "difícil de ser combatido". Para ele, o cenário de violência doméstica e familiar é cultural e precisa de tempo para ser reformulado.
— Temos no nosso juizado jovens de 20, 30 anos que praticam o mesmo tipo de violência que homens de 50 e 60 também. Essa pessoa recebe esse tipo de educação, de um lar machista, pais machistas, é um problema difícil de mudar com a velocidade que gostaríamos.
Ainda, na visão judicial, é preciso de medidas mais eficazes no tratamento do suspeito, réu ou condenado por esse tipo de crime.
— O homem dizer que não vai agir mais dessa forma não vai garantir segurança. Precisamos de mais, principalmente de apoio psicológico. Querer chegar em locais diferentes pelo mesmo caminho não dá certo.