opinião deni zolin

Os cortes na educação e a lição de casa para as universidades, que precisam dar maior retorno à sociedade

Deni Zolin

Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

A atual gestão do Ministério da Educação é desastrosa. Primeiro, por viver numa briga sem fim, com trocas de dirigentes. Segundo, por declarações e decisões temerárias, como querer cortar verbas de universidades pelo "critério" das que fazem "balbúrdias" e reduzir cursos de filosofia e sociologia só por achar que geram menos retorno, sem análise técnica. Em terceiro, por não ter apresentado, até agora, nenhum plano concreto para melhorar o ensino básico, uma das promessas de campanha. Tudo isso gera grandes incertezas em uma área fundamental ao país e que precisa, sim, de ações concretas para resolver um problema histórico (de décadas) e grave que a atual gestão assumiu com a promessa de amenizar.

: Opinião Marcelo Martins: mais uma vez a UFSM é penalizada pelos donos do poder

Por outro lado, não é de hoje que existem cortes nas universidades. Desde 2014, as verbas estão minguando. Além disso, sempre houve contingenciamentos (congelamentos de verbas) ao longo do ano, mas que acabavam sendo liberados ao longo dos meses. A diferença é que, desta vez, talvez o congelamento seja mesmo cumprido, causando impacto maior. Ao falar em balbúrdias, o governo passa uma imagem de que há estudantes pelados em todas as universidades do país, como vem circulando no Whatsapp e no Facebook. Quem se "informa" só por fotos divulgadas pelas redes sociais acaba acreditando e achando que isso ocorre em todas as universidades, quando, na verdade, foi um fato isolado.

Qualquer corte na educação é ruim, mas é preciso concordar que o foco do país deveria ser na educação básica, para beneficiar a grande massa da população e os mais pobres que não têm acesso a um ensino de qualidade. O problema é que o atual governo parece que está cortando no ensino superior como represália, e não para investir na educação básica - é isso o que transparece.

A UFSM é um motor fundamental da região. Mas é preciso avaliar, sim, se o investimento público nas universidades está sendo bem aplicado. A UFSM tem orçamento de R$ 1,19 bilhão para 2019, mais do que toda a arrecadação federal na soma de 50 municípios, daqui a Uruguaiana. Assim como se critica gastos desnecessários no governo, no Legislativo e no Judiciário, a sonegação e o pagamento bilionários dos juros da dívida, as universidades não podem ser instituições intocáveis em que os investimentos não possam ser questionados. Por exemplo: investiu-se na unidade de Silveira Martins e, depois, chegou-se à conclusão de que não havia alunos suficientes - ela foi fechada pela própria UFSM.

UFSM se prepara para o 'Dia D' dos cortes

Quantos cursos têm dezenas de vagas ociosas? Em outubro de 2018, a UFSM abriu 1.072 vagas de ingresso e reingresso. Só para Engenharia Florestal em Frederico Westphalen, eram 50 vagas ociosas, e uma só foi ocupada, pelo que consta no edital dos selecionados. O curso com mais vagas em aberto, de Ciências Econômicas, em Palmeira das Missões, oferecia 73, mas só 5 alunos foram confirmados. São só alguns exemplos. Essa verba investida em prédios, professores, funcionários e equipamentos desses cursos está sendo bem aplicada? Os jovens formados em todos os cursos estão tendo emprego? Não faria mais sentido racionalizar verbas para a universidade investir onde faz mais sentido? Ou investir mais no ensino básico e técnico?

QUANDO TEREMOS UM ENSINO DE ALTO NÍVEL
As universidades já cumprem seu papel, formando muita gente, fazendo pesquisas e projetos de extensão que ajudam muita gente, mas será que não poderiam fazer mais? Se a educação do país está com nível baixíssimo nos rankings mundiais, não poderiam as universidades participarem de um grande programa nacional de apoio às escolas públicas em todo o país, com os universitários participando de mais projetos como aulas de reforço nos bairros e de orientação às famílias pobres? Será que as pesquisas não poderiam se focar, principalmente, na solução dos principais problemas do país e na produção de ciência que seja mais próxima da realidade das comunidades, para dar maior retorno? Universidades têm de ser mais elos de ligação e menos ilhas.

FREIRE E AS PESQUISAS SEM RELAÇÃO COM O PAÍS
O próprio patrono da educação Paulo Freire, em entrevista em 1972, criticou o foco de parte das pesquisas.

- O que não é viável é que se pretenda realizar investigações que não tenham nada a ver com a realidade imediata, que não tenham nada a ver com os interesses mais concretos do país. Eu não saberia agora dar um exemplo no campo da Pedagogia, mas darei um exemplo no campo da Biologia. Aconteceu no Brasil, na Universidade onde fui professor há 15 anos. Um professor da Faculdade de Medicina do Recife propôs-se a investigar, no campo da fisiologia, porque o animal chamado 'bicho-preguiça' passa 10 anos dormindo. Ele queria estudar as glândulas endócrinas para detectar sua preguiça. Um professor de Harvard poderia fazer isso, ainda que o chamassem de louco, mas no nordeste do Brasil, onde a expectativa de vida da população é de 27 anos, não é possível que haja um professor que se proponha tal investigação - declarou Paulo Freire, o que foi publicado no livro "Diálogos com Paulo Freire" (Edições Loyola, 1979) e citado em recente artigo pelo professor da UFSM Ronai Pires da Rocha.

Além disso, será que as universidades não poderiam se aproximar mais das empresas para fazer pesquisas que gerem ainda mais patentes de produtos e tecnologias? Por outro lado, é preciso reconhecer que há necessidade de manutenção de pesquisas que não geram um retorno tão visível à sociedade.

Faz sentido haver ensino superior totalmente gratuito hoje em dia? Pessoas muito ricas não pagam um centavo para seus filhos estudarem nas universidades, mesmo tendo pago mensalidades em escolas particulares a vida toda. Na universidade, ninguém se incomoda em ver alunos indo para a aula em carrões que custam mais de R$ 100 mil e não pagarem um centavo sequer para estudar? Enquanto isso, o filho do pobre tem de trabalhar de dia e pagar faculdade particular à noite. E, no ensino básico, os alunos de escolas públicas penam com total falta de estrutura (foto acima) e de professores - a merenda, às vezes, é um punhado de bolachas. Faz sentido isso? Para os brasileiros que ganham acima do teto do STF ou acima de R$ 20 mil, não poderia haver cobrança integral da mensalidade nas universidades públicas, para sobrar mais dinheiro para investir nelas ou na educação básica?

Claro que será difícil dialogar com o atual governo, mas será que as universidades não precisam fazer também uma lição de casa?

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

VÍDEO: mais de 65 alunos com deficiência não irão à escola por falta de transporte Anterior

VÍDEO: mais de 65 alunos com deficiência não irão à escola por falta de transporte

Inscrição para se candidatar a conselheiros tutelares termina hoje Próximo

Inscrição para se candidatar a conselheiros tutelares termina hoje

Educação