Impossível não ficar, por alguns instantes, fascinado ao observar o processo de fabricação de uma faca, principalmente durante a têmpera (tratamento térmico que garante a dureza do fio), em que a lâmina fica incandescente. De forma mais artesanal ou com o uso de máquinas sofisticadas, a arte da cutelaria desenvolvida em Arroio Grande ganha os pagos deste Rio Grande, de outros Estados e segue mundo afora. Na primeira reportagem da série A Força do Interior, que vai mostrar as principais atividades econômicas desenvolvidas nos nove distritos de Santa Maria, o passeio é pela região leste do município.
40 mil facas por mês
Trabalho especializado: Mesmo nas fábricas mais mecanizadas, a mão firme do trabalhador é que garante a qualidade das facas
Arroio Grande é uma das portas de entrada para a região da Quarta Colônia. As semelhanças com os municípios vizinhos são grandes: a maioria dos seus 2,7 mil moradores é descendente de imigrantes italianos. Além da produção rural, como hortigranjeiros, arroz e produtos coloniais, Arroio Grande abriga cinco fábricas de facas: Coqueiro, Ginete, Cascavel, Ipê e Gaúcha, que geram 152 empregos diretos e produzem pelo menos 40 mil produtos por mês. Tudo isso sem contabilizar os números dos fabricantes de fundo de quintal.
Aqui não tem desemprego. Todo mundo tem trabalho nas fábricas afirma dona Ledi Colpo Noal, uma das moradores mais antigas de Arroio Grande.
Com maior ou menor grau de tecnologia, o trabalho ainda depende muito da mão de obra artesanal. A mão treinada dos funcionários é necessária do corte da lâmina até a finalização do cabo.
Pioneirismo virou tradição
A tradição remonta a 1946, quando o ferreiro Maximiliano Albereci colocou o ofício em prática, começando com ferramentas agrícolas, como machado, enxada e foice e, depois, facas artesanais.
Muitos trabalharam com meu avô. Eles aprendiam, se profissionalizavam e depois abriam a própria fábrica conta Carlos Alberto Albereci, neto de Maximiliano, que hoje administra a Ginete.
Entre os primeiros está também Botholo Bianchini, que chegou a trabalhar com Albereci. Bianchini começou a se tornar conhecido quando passou a vender a produção na rodoviária do distrito, nos anos 1940. Com visão empreendedora, registrou a marca Coqueiro, e abriu caminho para a fama da cutelaria da localidade. Hoje, a Coqueiro é a maior das fábricas do distrito e segue sob o comando da família, nas mãos do filho Walter Bianchini. Lá são produzidas cerca de 20 mil peças por mês, parte exportada a países como Itália, EUA e Chile.
Crescemos porque Deus nos ajuda, e valorizamos os funcionários diz Walter.
A boa fama das facas atrai compradores fiéis como o zootecnista e empresário de Santa Maria Daniel Antonio Gorski Pereira. Há 20 anos ele só compra facas de Arroio Grande e aproveita os sábados para passear na região e aumentar a coleção. Em casa, tem um total de 60 delas, entre estilos gourmet e de churrasco.
Eu gosto de ter facas, com aços e cabos diferentes. Sempre vou trocando, uso bastante porque faço uma média de quatro churrascos por semana para a família e amigos conta o empresário.
Parceira entre os fabricantes
Seja pela herança familiar ou pela cultura de levar adiante o que está dando certo, as fábricas de Arroio Grande estão buscando a profissionalização e a qualidade desse produto, que está na mesa de todos. Na localidade de São Marcos, no distrito de Arroio Grande, o ofício da cutelaria é passado de geração para geração. Funcionário da Coqueiro por 30 anos, o administrador das Facas Ipê, Vicente Sthangerlin, afirma que, quando falta algum material, ele pede para o vizinho:
É a política da boa vizinhança,"