Fotos: Clube Farroupilha/ Divulgação
A grande dúvida hoje no Estado é se existe uma luz no fim do túnel para o Rio Grande do Sul sair dessa grave crise financeira, que provoca atrasos nos salários e problemas nos serviços públicos. Durante o Simpósio Interdisciplinar do Clube Farroupilha, em Santa Maria, o ex-secretário da Fazenda do governo Yeda Crusius (PSDB), o economista Aod Cunha, disse que não basta apenas fazer medidas emergenciais para socorrer os cofres públicos. Para ele, é fundamental investir na educação básica e em inovação, aproximando as universidades, as incubadoras tecnológicas e os parques tecnológicos da iniciativa privada para fomentar o desenvolvimento da economia gaúcha.
Confira a entrevista
Diário de Santa Maria - O que Estado precisaria fazer para sair da crise financeira ou ao menos amenizá-la?
Aod Cunha - A saída, evidentemente, não é fácil, uma crise desse tamanho e as dificuldades que o Estado tem, que boa parte delas são estruturais, vêm há muito tempo, não tem solução mágica, não. Eu acho que tem uma parte dessas soluções que o atual governo Sartori vem tentando, não foi uma crise que ele criou, mas ela passa sim por resolver o problema fiscal do Estado. Essa iniciativa toda de acessar o regime de recuperação fiscal com o governo federal é uma parte dela. Tem de fazer uma série de outras ações. O Estado precisa se recuperar do ponto de vista fiscal, então é importante sim fazer um ajuste fiscal.
Eu defendo que o tema das privatizações tem de ser avaliado pelo critério da eficiência. Faz sentido um Estado que não consegue ter boa qualidade de educação ter uma gráfica, ter uma empresa de gestão de rodovias, ter uma companhia de energia elétrica? Eu acho que não. Agora, eu sou contra usar recursos de privatizações, que são recursos extraordinários, para financiar o gasto corrente. Porque esse recurso vai acabar e o problema vai continuar.
Mas além disso, acho que precisamos dar outro salto, precisamos ter algum projeto de desenvolvimento para o Estado. Essa parte acho que está faltando um pouco. A gente entender aquilo que seja um caminho de crescimento para o Estado do ponto de vista de dinamismo do crescimento. O que eu quero falar. A gente precisa ter um olhar diferente. Não vai funcionar mais aquela lógica de 10, 20 ou 30 anos atrás de simplesmente atrair a grande indústria, porque o Estado do Rio Grande do Sul não é um grande polo consumidor como é o Sudeste, com 70 milhões de pessoas, como é o Nordeste, com mais 80 milhões. Então, temos de achar uma vocação. E uma vocação passa necessariamente pela área de inovação. De um lado, melhorar a educação pública no Estado, e na outra, focar em inovação nos diferentes setores. Na agricultura, na área de tecnologia de informação, na biotecnologia. Nós precisamos fazer essas duas coisas: continuar enfrentando o problema fiscal, mas também ter um sinal mais positivo de orientação de crescimento econômico.
Diário - O exemplo de Santa Catarina poderia servir de inspiração?
Cunha - Eu gosto muito do caso de Santa Catarina. Eu acho que sim, que Santa Catarina é um caso interessante. Se você olhar de Florianópolis para cima, tem uma dinâmica de crescimento econômico muito acoplada a São Paulo e Paraná, tanto do ponto de vista industrial, como Blumenau, Joinville, Jaraguá, mas também tem um vértice de inovação tecnológica muito grande no eixo de Florianópolis e mais para cima. Claro que Santa Catarina, como não tem o problema fiscal do Estado do Rio Grande do Sul, tem uma vantagem. Mas acho que é um bom exemplo.
Diário - O Rio Grande do Sul tem incubadoras tecnológicas, e aqui na cidade, a UFSM e a Unifra também têm, com várias empresas surgindo e outras crescendo. Deveria haver um incentivo nessas áreas, na sua opinião?
Cunha - Sim, sem dúvida. O Rio Grande do Sul, infelizmente, pela continuidade da crise fiscal, já perdeu muitas coisas relevantes. A educação é um problema seríssimo. A qualidade da educação está se deteriorando, mas o que nós ainda temos? Temos ainda bons parques tecnológicos, boas estruturas de universidades. O que precisamos fazer é coordenar melhor isso. Temos lá em Porto Alegre o Tecnopuc, a Unisinos, tem as universidades de Santa Maria, de Santa Cruz, de Erechim. O que está faltando é coordenar um pouco isso e ligar mais as universidades e as iniciativas de inovação tecnológica com o setor privado. Essa eu acho que é a chave. Pode ser na agricultura, na indústria ou no setor de serviços.
Diário - Nesse programa de recuperação fiscal do Estado, haverá um perdão de três anos no pagamento da dívida, prorrogável por mais três, mas isso não vai criar uma bola de neve no futuro e não vai ser pior, como naquela renegociação no governo Britto?
Cunha - O tamanho do problema fiscal é tão grande, os atrasos salariais podem aumentar, a gente está com um problema seríssimo na segurança pública que, sinceramente, nós poderíamos ter solução lá atrás, mas nesse momento, não mais. Nós vamos precisar de algum auxílio, algum socorro temporário. Isso vai significar, sim, um aumento de tamanho de endividamento. O Estado talvez vá precisar desse tempo. Nós não vamos fugir de ter de perseguir ao longo do tempo uma solução que seja despesa corrente cabendo dentro de receita corrente. Toda solução que signifique mais endividamento ou mais receita extraordinária, mesmo tendo recursos de privatizações, vai ser uma saída temporária. Isso vai levar tempo. A questão é como saber usar transitoriamente alguma ajuda. O Estado não vai escapar, e nesse sentido é positivo que se tenha um alívio transitório no caso da dívida. O que a gente não pode fazer é usar, eventualmente, se fechar esse acordo, esse alívio para fugir dos problemas. Não tem mágica. A receita corrente do Estado precisa caber dentro da despesa corrente.
Diário - Existe alguma chance de usar os recursos da lei Kandir para abater parte dessa dívida do Estado?
Cunha - Sinceramente, eu acho que o Estado pode ganhar um pouco mais, uns 200 ou 300 milhões de reais a mais em Lei Kandir, mas Lei Kandir acho que é uma ilusão nós apostarmos os esforços numa solução da questão fiscal com a Lei Kandir. Isso não está mobilizando os outros Estados. Isso é uma mobilização muito própria do Rio Grande do Sul. Isso não está tendo eco no Congresso. Temos de ser muito realistas nesse momento, é uma situação muito difícil e muito grave que temos no Rio Grande do Sul e a gente não pode vender falsas ilusões. Sinceramente, eu acho que a Lei Kandir não é solução para o caso do Estado.
Diário - Em relação à Reforma da Previdência, o senhor acha que ela é inevitável, ou a proposta inicial foi muito dura?
Cunha - Fazer uma reforma da Previdência que aproxime o país de regimes previdenciários do mundo é extremamente necessário. O Brasil não é um país mais tão jovem e ele vai envelhecer muito rapidamente nos próximos anos. A Previdência irá quebrar no Brasil se a gente não fizer reforma. O que está em discussão não é questão só de déficit fiscal, mas é garantir a Previdência das pessoas. Vou dar um número. O governo federal tem uma estimativa de déficit fiscal de R$ 160 bilhões para este ano, só o déficit do INSS geral da Previdência é de R$ 180 bilhões. Então, nós vamos precisar sim. E se nós fizermos uma reforma neste momento mais tênue, logo mais na frente nós vamos precisar fazer outra.
Diário - A CPI da Previdência apresentou um estudo que não mostra déficit. O que o senhor acha disso nesse momento?
Cunha - Não concordo com esse diagnóstico, acho que ele não tem base científica nem criteriosa, mas faz parte da democracia. É uma maneira de contestação. E de novo, acho que todas as reformas têm de serem discutidas na sociedade, democracia é assim. Nós vamos precisar avançar nesse debate, mas é um autoengano da sociedade criar uma ilusão de que não vamos precisar enfrentar esse problema da Previdência. Não enfrentá-lo pode significar uma série de consequências piores. Vão faltar recursos rapidamente para saúde, educação e para a própria garantia da Previdência para os beneficiários atuais.
Será que fecha a conta de termos aposentadorias de pessoas, por exemplo, do setor público, que contribuem com 15 anos, se aposentam com 50 anos de idade e vão viver até, que seja, os 80 anos. Você contribuir por 15 anos e receber salário integral por 30 anos. No setor privado também nós temos essee casos. No mundo inteiro não funciona assim. Por que o Brasil seria tão diferente? Então, nós precisamos amadurecer esse debate, mas o Brasil precisa urgentemente fazer essa reforma.
Diário - Pode ocorrer como em alguns países da Europa, em que houve corte de parte da aposentadoria das pessoas?
Cunha - Não tenho dúvidas. Se nós não fizermos uma reforma agora ou em 2019, vai. Vamos olhar um caso concreto, a Grécia. Ela resistiu por muito tempo em fazer uma reforma mais próxima do que outros países europeus fizeram. O que acabou acontecendo depois da crise na Grécia? Os salários dos servidores foram cortados em 30%, e a Grécia continua com uma queda de 30% no PIB. No Brasil, nós tivemos 8%. Nós podemos não fazer nada, mas acho que o custo vai ser muito mais alto.
Diário - Existem duas correntes no Brasil, a de que defende mais austeridade, e a que defende que os governos têm de gerar mais investimentos para aquecer a economia. O que o senhor acha disso?
Cunha - Eu sou amplamente favorável que nós tenhamos um Estado que tenha capacidade de dar boa educação, boa saúde e boa segurança para todos os cidadãos, independente de eles nascerem ricos ou pobres. Para esse Estado fazer isso, ele não pode fazer tudo. Eu acho que a prioridade do país deve ser a educação básica e a fundamental. Nós precisamos melhorar dramaticamente a qualidade da educação. Essa deve ser a prioridade, e sou favorável a que aquele aluno que venha de uma família pobre, que tem bom desempenho no ensino básico, no médio, que ele tenha condições e acesso a fundos e a bolsas para que ele tenha uma boa escolha, seja que o Ensino Superior seja privado ou público. A prioridade do país deveria ser melhorar a qualidade da educação básica no país.
Diário - Nessa linha, então, o senhor avalia que quem é rico deveria pagar para fazer universidade pública?
Cunha - Sim, sem dúvida. Esse é um clássico exemplo da transferência de renda às avessas. Nós dissemos que queremos de ter um Estado grande para ajudar o pobre, e nós ajudamos é o rico, na maioria das vezes. Isso vale no caso da educação e da segurança. As famílias mais ricas têm condições de pagar uma segurança privada. Isso vale quando falamos do crédito, quando dissemos que é importante termos um BNDES para financiar o desenvolvimento e, durante décadas, tivemos subsídio para empresas que têm condições de acessar crédito, mas o cidadão comum paga taxa de juros muito mais alta. Então, temos de mudar essa qualidade do debate e ver: Bom, nós queremos ter um Estado que garanta serviços básicos fundamentais de uma maneira universal ao cidadão e que dê capacidade para esse cidadão se desenvolver. Mas não significa que ele (Estado) maior ou menor vá fazer isso.