No silêncio sagrado de uma manhã, uma aranha desperta. Sem alarde, ela inaugura seu templo de fios. Um gesto pequeno, mas de uma grandeza que nenhum monumento humano alcança, o de construir o próprio destino.
Não há testemunhas. Não há garantias. Apenas a fidelidade a um instinto que sabe que existir é sempre um ato de criação. Assim também nós, aranhas de carne e memória, tecemos nossas teias na dobra íntima dos dias. Cada escolha, um fio. Cada afeto, um nó. Mas a pergunta que nos visita, como um vento que pede passagem, em que lugar de nossas teias repousa a coerência de quem realmente somos? Há fios que sustentam. Há fios que nos prendem. E há fios que, por medo, insistimos em manter, mesmo sabendo que não pertencem mais ao desenho da nossa alma.
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Entre fios alheios e fios próprios: a geometria das vidas compartilhadas
Vivemos em meio a teias que não construímos, mas que nos atravessam, expectativas herdadas, silêncios antigos, urgências que não são nossas.
Entramos e saímos de universos que outros teceram antes de nós. Às vezes pertencemos; às vezes apenas nos enroscamos. E, no entanto, continuamos a nos perguntar o quanto das nossas teias é verdadeiramente nosso. Há dados da alma que não cabem em pesquisas, mas cabem na lucidez, a maioria das nossas escolhas nasce do desejo de ser aceito em teias que não nos reconhecem. Quando não sabemos quem somos, deixamos que outros definam a geometria dos nossos fios. E quando temos medo de cair, nos agarramos a teias frágeis, esquecendo que a queda também é construção. Às vezes, é preciso abandonar a teia que nos captura para reencontrar a teia que nos revela. Nesse instante, percebemos que pertencer, não é estar em qualquer teia, mas na teia que acolhe nossa verdade sem exigir mutilação.
O herói e a aranha: a responsabilidade de quem sabe tecer o impossível
O cinema nos lembra aquilo que a natureza já sussurra: todo poder nasce de uma transformação, um susto, uma ruptura, um acontecimento que rasga nosso cotidiano e inaugura outro modo de existir. Assim acontece com Peter Parker, uma simples aranha lhe deixa uma marca para sempre. Ele ganha força, agilidade, velocidade, mas ganha também o avesso dessas virtudes, a solidão dos que carregam dons, a responsabilidade dos que enxergam o que outros não veem, a fragilidade dos que sabem que cada fio lançado tem consequências que o mundo nem sempre reconhece. No fundo, a mensagem não é apenas moral. É ontológica. Quem tece sua própria teia sabe que nenhum fio é neutro. Toda construção exige consciência. Todo poder exige delicadeza. Toda habilidade exige ética. O herói não é quem salta entre prédios, mas quem sustenta a própria teia sem ferir a dos outros.
Recomeçar a teia: o movimento sagrado de quem escolhe existir
Uma aranha nunca lamenta o que o vento desfez. Nem amaldiçoa a chuva. Nem teme o vazio que se abre quando tudo cai. Ela apenas recomeça, porque sabe que a teia não é um adorno, é sua forma de estar no mundo.
E estar no mundo exige reinvenção constante. Nós, humanos, tendemos a permanecer em teias esgarçadas por medo da queda, da crítica, da solidão, da mudança. Mas esquecemos que a incoerência também corta, e muito mais fundo. Recomeçar é um gesto de coragem. É declarar ao universo que tudo bem cair, e depois levantar. É descobrir que nenhuma teia é fracasso quando é refeita com consciência. É perceber que até o erro pode ser fio quando aprendemos a entrelaçá-lo ao que nos expande. Essa escrita é, portanto, um chamado para observarmos nossas teias. Honremos as que nos sustentam. Deixemos ir as que nos aprisionam. E, se for preciso, que possamos nos posicionar no centro do nada para recomeçarmos. O vazio é apenas o primeiro fio da nova construção. Porque a vida, assim como a aranha, sabe que não há intempérie capaz de derrubar a teia de quem encontrou coragem para tecê-la novamente com fé, com força e com coragem.