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VÍDEO: por medo da Covid-19, cuidados com outras doenças ficaram de lado

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Fotos: Camila Gonçalves, Gabriel Haesbaert e Pedro Piegas (Diário)

Já são três meses de pandemia. E, durante este tempo, a rede pública de saúde teve serviços eletivos restringidos, como consultas e cirurgias, para atender a demanda de pacientes com suspeita de infecção pelo novo coronavírus. A Covid-19 dominou a pauta mundial, enquanto a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de outras doenças ficaram em segundo plano. Profissionais da saúde afirmam que houve diminuição da presença de pacientes com sintomas fora do espectro do novo coronavírus nos espaços de saúde. Nos meses de março a maio, houve queda de mais de 30% de atendimentos nas emergências dos Pronto-Atendimentos Municipal, no Bairro Patronato, e Ruben Noal, no Bairro Tancredo Neves. Situação semelhante também pôde ser observada nas demais unidades de saúde.


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O médico neurologista Ricardo Pereira Gonçalves, que trabalha na emergência do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) uma vez por semana, conta que, no início da pandemia, os atendimentos caíram bastante. Segundo ele, foi possível notar a redução de pacientes com sintomas de AVC na emergência.

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- Isso (a diminuição) causa estranhamento, pois, nesta época do ano, com o frio, esses casos tendem a aumentar em cerca de 20%. Uma das possibilidades é que os pacientes têm tido sintomas e ficado em casa com medo de ir às emergências no contexto da Covid-19 - analisa Gonçalves.

O diretor técnico do Hospital de Caridade Dr. Astrogildo De Azevedo, o médico cardiologista Luiz Gustavo Thomé, relata que o número de atendimentos no pronto-atendimento do hospital caiu 43% nos dois primeiros meses da pandemia, em relação ao mesmo período do ano passado. Apesar de não ter números exatos, ele afirma que os médicos também relataram a diminuição de consultas, exames e, consequentemente, de diagnósticos. As cirurgias eletivas também tiveram redução de cerca 40% no período.

- No primeiro mês (março), houve redução de cerca de 70% da demanda dos exames de hemodinâmica (para diagnosticar o estado da circulação nas artérias e possível infarto), radiologia, ecocardiografia, entre outros. Também caíram números de diagnósticos de infarto, cirurgias cardíacas e internações. Ainda, persiste um volume de internação muito abaixo do normal nas alas onde são atendidas outras doenças (que não a Covid-19) - descreve o diretor.

O médico cardiologista disse que pacientes buscaram ajuda tardia por medo de contrair o novo coronavírus no ambiente hospitalar. Alguns, segundo ele, evoluíram ao óbito, outros, tiveram tratamento em tempo ou precisaram de terapias mais severas e invasivas, com aumento no tempo de internação.

- Temos muito mais gente morrendo pelo pânico de ir ao hospital, por achar que o hospital é um local contaminado pela Covid-19, do que pela própria doença - compara.

O profissional alerta ainda sobre o risco do teleatendimento pelo WhatsApp:

- Não temos amparo legal para atender pelo aplicativo. Existe uma preocupação com o sigilo desses dados, que podem vazar. Além do mais, o exame físico do paciente é essencial. O ideal é que o paciente vá à consulta, seja examinado, e, caso sejam solicitados exames, ele deve retornar para concluir a consulta.

Thomé ressalta que o "pânico" de procurar atendimento médico em situações de urgência e emergência não se justifica.

- Na dúvida, ligue para o seu médico, para ouvir sua opinião. Pacientes idosos assintomáticos podem ligar para ver se podem adiar a consulta por alguns dias, mas não deixar de ir às consultas pré-agendadas - orienta. data-filename="retriever" style="width: 100%;"> data-filename="retriever" style="width: 100%;">

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DEMANDA JUDICIAL 
Perguntado se acredita no represamento de diagnósticos e demanda de tratamentos, Thomé diz que na rede privada a questão não chega a acender um sinal de alerta. O contrário é esperado na rede pública, onde o médico prevê, inclusive, o aumento da judicialização dos procedimentos: 

- Na rede privada, o paciente com convênio tem facilidade para marcar um exame, uma consulta. Mas, no serviço público, teremos grandes problemas, com certeza. A tendência é de aumento de demandas na Justiça. Com o fim da pandemia, leitos de CTI serão desativados, os pacientes não conseguirão marcar consultas e terão mais dificuldade ainda com as cirurgias eletivas - analisa.

NA UPA 24H

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A diminuição geral na movimentação dos pronto-atendimentos, que caiu mais de 35%, segundo ele, está relacionada a uma reorganização da rede pública com a Covid-19. É que os pacientes suspeitos do novo coronavírus, com síndromes gripais ou traumas são orientados a procurar a UPA 24h, administrada pela Sefas, anexa à Casa de Saúde. Já os demais casos clínicos continuam sendo atendidos nas unidades dos bairros Patronato e Tancredo Neves. 

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Na UPA, os atendimentos efetuados na emergência, que reúnem traumas, infartos, AVC, edemas agudos de pulmão, entre outros, aumentaram 2,3% em relação ao ano passado. No entanto, os clínicos tiveram uma diminuição de 16,5%. Nesses eventos estão inclusos casos menos urgentes, como pacientes com dor crônica ou desconforto, e pessoas com suspeita de Covid-19. Um dado que explica melhor o contexto da pandemia é que as medicações aplicadas diminuíram, mas aumentou a aquisição de equipamentos de proteção individual. Conforme Mariane Moraes da Rosa, gerente de serviços de Saúde da UPA 24h, a redução das medicações está relacionada com a queda nos atendimentos clínicos:

- Como a UPA tornou-se referência para Covid-19, diminuíram esses pacientes clínicos, talvez em virtude de todas as orientações que vêm sendo fornecidas e pelo receio de contaminação - diz a gerente.

Na avaliação do secretário, outra questão que pode ter influência na queda no número de atendimentos é a implantação do sistema eletrônico de gerenciamento de leitos clínicos e de UTI, que aponta os leitos disponíveis na rede pública de saúde no Estado. Ribas explica que os pacientes estão conseguindo ser encaminhados para hospitais de referência que tratem o problema de saúde do usuário.

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CONSULTAS ELETIVAS 
Outro dado importante é que dentre os casos dos pacientes que continuam procurando as emergências, a Secretaria da Saúde notou a prevalência de casos moderados a graves. 

- Havia muita frequência de casos de classificação de risco leve antes da pandemia. Minha leitura como gestor é que as pessoas com esses problemas mais leves foram nas unidades perto de suas casas para evitar dividir o PA.

Já as consultas eletivas diminuíram, a partir de 16 de março, conforme orientação do Estado. De acordo com Ribas, foram suspensos acompanhamentos de doenças crônicas, por exemplo, mas mantidas as emergência:

- Conseguimos acompanhar algumas situações nas teleconsultas ou por meio dos agentes comunitários para evitar aglomerações, já que tivemos a campanha de vacinação em andamento nos postos. É claro que as consultas como as de pré-natal, por exemplo, continuaram - explica.

Ribas reconhece que pode haver represamento de diagnósticos e tratamento de doenças por conta do protocolo de distanciamento social, mas sublinha que "foi dado todo suporte que coube à rede pública municipal".

- Pode ter reflexo, sim, mas estamos acompanhando a saúde da comunidade com os agentes comunitários. Teve aquele choque em um primeiro momento, mas sempre orientamos os usuários que tivessem qualquer sintoma, mesmo que não fosse a Covid-19, que entrassem em contato com a unidade de saúde.

Só um dado teve crescimento nos pronto-atendimentos administrados pelo município. O percentual de exames é 9% maior que no ano passado. Sobre isso, o secretário explicou que estão sendo solicitados mais exames para descartar a Covid-19. Já na Policlínica José Erasmo Crossetti, os exames tiveram queda de 83,6%. Segundo Ribas, na policlínica são feitos procedimentos de rotina, que também foram suspensos por determinação do Estado.

ESPERA data-filename="retriever" style="width: 100%;">

A dona de casa Leoni Loreto Teixeira, 75 anos, moradora de São Sepé, estava com uma cirurgia marcada para 26 de março para retirada de uma mancha na pele na região do peito. Segundo ela, uma parte da lesão foi retirada para biópsia e indicou câncer de pele. A cirurgia só foi realizada em 9 de junho. 

Leoni estava em acompanhamento no Hospital Universitário de Santa Maria (Husm). No ano passado, ela já havia passado por cirurgia para a retirada de uma mancha na perna. O material retirado passou por biópsia, e o resultado foi melanoma maligno.

Depois disso, nas consultas e exames de acompanhamento, o médico encontrou a mancha perto do peito e disse que era necessária a cirurgia. Porém, com a explosão da Covid-19, a equipe do hospital ligou adiando o procedimento cirúrgico. Como tem diabetes, Leoni faz parte do grupo de risco do novo coronavírus.

- Achei melhor esperar. Deixei para os médicos fazerem o que é melhor - relata Leoni.

Ela também não teve consultas de acompanhamento.

- Me preocupei com a demora. Tinha medo que o quadro piorasse, mas, com essa pandemia, também era preocupante - disse a filha, Viviane Loreto, 35 anos.

MORTES EM CASA
Sobre o número de mortes em casa, Ribas atribui o aumento à decisão de famílias de pacientes em cuidados paliativos em casa, ao invés de mantê-los em hospitais. O secretário ressalta que o número inclui assassinatos. Segundo levantamento, o número de homicídios registrados em Santa Maria no período foram 5 em 2019 e 7 em 2020, o que reflete, ainda assim, aumento de 29% das mortes em casa.

IDOSOS
O médico cardiologista Fábio Brauner, que atende somente na rede privada, também sinaliza o crescimento dos problemas psiquiátricos entre o público acima de 60 anos pelo isolamento e medo do vírus. Segundo ele, em abril, a redução nas consultas foi de cerca de 60% e hoje está em 30%. O profissional recebe pessoas que buscam check-up, avaliação cardiológica, avaliação para a realização de atividade física, visitas de rotina, entre outras.

Como trabalha com um volume grande de idosos, Brauner relata que a maior preocupação é a falta de acompanhamento profissional do público que está justamente no grupo de risco da Covid-19. Como eles deixaram de ir ao consultório, o risco de complicações causadas por doenças cardiovasculares aumenta.

- Houve um paciente que teve um infarto em casa e acabou sofrendo sequelas irreversíveis - menciona.

ISOLAMENTO
As medidas de isolamento social, segundo ele, também reduziram as opções de atividades físicas com supervisão profissional, recomendada para esta faixa etária, o que também impacta na saúde de pacientes.

- Vejo pacientes idosos, diabéticos, engordando, por causa da restrição da atividade física, pacientes ficando limitados em termos de mobilidade - resume o cardiologista.

O médico Luiz Gustavo Thomé concorda que os pacientes com idade acima dos 60 anos estão com medo de buscar atendimento médico. Sobre isso, é taxativo:

- A parte psicológica deles está muito afetada. Eles choram quando chegam ao consultório. Eles acham que se pegarem a doença (Covid-19) vão morrer. Mas temos dados de que o índice de letalidade de idosos acima de 80 anos é de 15%. Ou seja, de 100 infectados, 85 vão sobreviver. Em idosos com mais de 80 anos que vão para a CTI esse índice é de 50%, mas, se essas pessoas deixarem de procurar atendimento médico, poderão morrer por outras causas.  

PA Infantil tem queda de 70% nos serviços data-filename="retriever" style="width: 100%;">

Em um levantamento feito a pedido do Diário, a prefeitura repassou números de atendimentos nos Pronto-Atendimentos Municipal, o PA do Bairro Patronato, e Ruben Noal, no Bairro Tancredo Neves, ambos administrados pelo município. Os dados se referem a 18 de março, quando começaram os decretos de distanciamento social, até 18 de maio, período que a reportagem do Diário fez a solicitação. A título de comparação, foram solicitadas as informações do mesmo período do ano passado (veja na página a seguir). 

O cenário é de queda nos atendimentos, consultas e diagnósticos. Entre os números mais significativos, está a queda no PA Infantil, que foi de mais de 70%. Para o secretário da Saúde da prefeitura, Guilherme Ribas, o isolamento social contribuiu para o resultado:

- As crianças estão mais em casa, sem conviver com outras crianças na creche e na escola, o que impacta na diminuição da circulação de vários tipos de vírus. Até na UPA está bem baixa essa procura. Como a criança tem imunidade mais forte, acredito que com o resguardo, os problemas de saúde diminuíram. Alguns pais podem sim ter tido medo de levar ao atendimento médico e tentado outros recursos, como ligar para a unidade de saúde para obter orientação ou ligar para os serviços como o Disque Covid - analisa.

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