Kiss 10 anos

Com júri anulado, processo do Caso Kiss ainda terá longo percurso

Pâmela Rubin Matge

Com júri anulado, processo do Caso Kiss ainda terá longo percurso

Germano Rorato (Arquivo Diário)

Caso Kiss, que afeta diretamente a vida dos sobreviventes e dos familiares de vítimas da tragédia, bem como dos quatro réus do processo criminal, tem sido amplamente acompanhado pela sociedade e desperta interesse público, mesmo uma década depois. Poucos casos tiveram tamanha repercussão, tendo, inclusive, os julgamentos com transmissão ao vivo pela TV e internet. É que a proporção do incêndio de 27 de janeiro de 2013, que deixou 242 pessoas sem vida e 636 feridas, culminou em um dos maiores processos do judiciário brasileiro, e o julgamento mais longo da história do Rio Grande Sul.

Com a anulação do júri popular, ocorrido em dezembro de 2021, por dois votos a um, pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS), na última quarta-feira, são os rumos que o caso tomará que geram dúvida e apreensão. Com essa nova decisão, a sentença do último júri não é mais válida, e, por isso, os réus, que estavam presos desde dezembro, respondem em liberdade. Operadores do Direito estimam que a marcha processual a caminho de um novo Tribunal do Júri pode passar de dois anos.

Em entrevista à CDN, durante o programa F5, o juiz aposentado Alfeu Bisaque Pereira, que atuou por décadas em Santa Maria, falou que se surpreendeu com o voto dos desembargadores a favor da nulidade do júri. Bisaque considerava razoável não reconhecer a nulidade, mas diminuir as penas. Porém, este não foi o desfecho, e, por isso, ele observa um demorado caminho:

– Se todos os recursos prometidos forem interpostos, não será julgado em menos de dois anos. Um novo júri também estaria sujeito a recurso e nulidade. Então, esse processo vai muito longe ainda. Como eu disse ainda lá no começo, estão enganando as pessoas dizendo que será rápido o julgamento, que as famílias receberão mais de R$ 1 milhão de indenização e que os réus receberão 500 anos de cadeia. Nada disso aconteceu, o processo é demorado e tem que obedecer a lei. E a lei não dá vazão a isso.

Marcelo Peruchin, advogado especialista em Ciências Criminais e pós-doutor em Direito Penal que atua na Capital, diz que o novo júri depende do trânsito em julgado dos recursos que serão ajuízados para Brasília: o especial ao STJ e o extraordinário ao STF. Peruchin cogita que pode levar, em média, de seis meses a um ano, no mínimo.

Petição ao STF

Ministério Público encaminhou, na noite de quarta-feira, uma petição ao ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), solicitando a revogação da soltura dos quatro réus condenados em dezembro de 2021. De acordo com o procurador-geral de Justiça, Marcelo Dornelles, que assina o expediente, a intenção é fazer valer a decisão do ministro proferida em dezembro de 2021, logo após a conclusão do júri.

– Estamos recorrendo ao STF porque acreditamos que houve descumprimento de uma regra constitucional, utilizando, na argumentação, o que disse o próprio ministro em decisão que manteve presos os quatro réus, ou seja, que a prisão deve ser mantida até o trânsito em julgado, ou até decisão contrária do Supremo Tribunal Federal – explica o procurador-geral.

Segundo o Ministério Público, acolhida textualmente pelo presidente do STF, a soltura dos réus pode representar “abalo à confiança da população nas instituições públicas”, bem como ao “necessário senso coletivo de cumprimento da lei e de ordenação social”.

Também à CDN, o professor de Direito da Faculdade Palotina (Fapas) Guilherme Pittaluga Hoffmeister comentou o petição do MP:

– Eu acredito que é um expediente quase que anti-democrático, porque atropela todo o rito processual jurídico do processo mediante um instrumento político que recorre a uma pessoa, que tem o poder de mudar tudo que foi decidido. Esse é um ponto. Outro é que o MP sustenta que o pedido se justifica na medida em que há uma grave ameaça à ordem pública e à segurança, no sentido de que há um possível abalo na confiança da população nas instituições públicas. Estes são argumentos que beiram uma noção de opinião pública, ancorado em clamor social, que é legítimo que a população tenha, mas que não é legítimo que o Poder Judiciário se valha apenas disso para alterar decisões judiciais amparadas na lei.

Anulação

O professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica (PUC/RS) e professor de Mestrado do Instituto de Direito Penal (IDP) em Brasília, Alexandre Wunderlich, é enfático:

– Todo erro tem uma consequência jurídica, e o Tribunal reconheceu uma série de erros. O TJ, por maioria, fez justiça, de forma técnica e na linha da lei.  O Ministério Público errou desde o início do processo, fez um acusação errada e pagou um alto preço: a anulação do julgamento. Lamentável, os agentes do MP deveriam ser responsabilizados por essa gestão processual totalmente equivocada. O juiz errou nos quesitos, errou em fazer reunião com jurados sem defesa e acusação, agora pagou o preço. Fica o recado aos operadores do Direito: façam a coisa certa, cumpram a lei – destacou Wunderlich.

Por WhatsApp, o juiz Orlando Faccini Neto, que presidiu o Tribunal do Júri entre 1º e 10 de dezembro de 2021, limitou-se a responder acerca da anulação da 1ª Câmara Criminal:

– Não posso, não quero e não devo falar.

Com o júri anulado, em qual prazo deve ser marcado um novo julgamento?

O agendamento do novo júri vai depender do prazo que os recursos a serem interpostos vão tramitar. Isso porque o novo júri depende do trânsito em julgado dos recursos que serão ajuízado para Brasília: o especial ao STJ e o extraordinário ao STF. Caso transite em julgado a decisão da anulação, o processo será baixado para que o juiz marque uma nova data.  Não há, conforme especialistas, como prever um tempo exato. Peruchin cogita que, em média, pode levar de seis meses a um ano, no mínimo. Bisaque fala no prazo de dois anos.

Os réus podem voltar a ser presos?

Sim, pois o MP ajuizou a petição junto à Presidência do Supremo. Em até 48 horas, essa decisão deve ser emitida, conforme Peruchin.

Há risco de prescrição?

Em princípio, no cenário da condenção por homicídio doloso, a prescrição é de difícil ocorrência, pois o prazo prescricional é de 20 anos. Na hipótese de ocorrer um novo julgamento, e, se houver o afastamento do dolo eventual pelo júri, o que é uma possibilidade, aí,  sim, o cenário da prescrição pode ser possível. O critério de cálculo de prescrição no Brasil é a pena máxima do crime ou, no caso de condenação, a pena aplicada.

Os réus podem ser indenizados pelo Estado após a anulação do júri?

No país, em casos como esse, apesar de possível, é difícil o cenário indenizatório, diz Peruchin.


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