Violência obstétrica: “me deixaram de ‘castigo’ porque comi antes da cesárea”, diz mãe

Jaiana

Violência obstétrica: “me deixaram de ‘castigo’ porque comi antes da cesárea”, diz mãe

GERMANO RORATO

Ocorrências de violência obstétrica no Hospital de Caridade Dr. Victor Lang, em Caçapava do Sul, estão sendo apurados pelo Ministério Público (MP). Os casos vieram à tona a partir de relatos feitos por mulheres em um grupo de WhatsApp que tinha como objetivo a troca de experiências sobre maternidade.

Ministério Público apura casos de violência obstétrica no hospital de Caçapava do Sul. Foto: Charles Guerra (Arquivo Diário)

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Ministério Público apura casos de violência obstétrica no hospital de Caçapava do Sul

O relato de parto de uma mulher, de 29 anos, está salvo no perfil do Instagram do Coletivo Mães Caçapava do Sul. No vídeo de quase 15 minutos, ela conta que não imaginava que se aborreceria com o tratamento no hospital, e que toda vez que lembra o que aconteceu, chora. A jovem diz que viveu um período de luto pós-parto quando percebeu que havia sofrido violência obstétrica. Ela relembra que a deixaram de “castigo” antes da cesárea porque ela havia se alimentado:

– Ficou (a médica) dizendo que eu engordei muito, que estava cheia de estrias, que o nome do meu filho não era legal. Eu voltei para o quarto porque tinha só dois dedos de dilatação. Fiquei caminhando, tomando água, comendo uma fruta, tudo isso instruída pela minha doula. De tarde, eu estava apenas com três dedos. A médica já queria me mandar para o bloco cirúrgico (para fazer cesárea). Não colocaram nada no meu acesso, podiam ter oferecido uma ocitocina para induzir o parto. Comi a última vez eram 15h, e tinha que esperar pelo menos umas seis horas para fazer a cesárea. Já era noite ninguém tinha me chamado e já fazia 24 horas que a bolsa tinha estourado. Deixaram-me sem comer até o outro dia de manhã, quando falaram que seria minha cesárea, que foi feita só às 11h. Comecei a ficar preocupada com meu filho porque não tinham mais escutado os batimentos cardíacos dele. Falaram “como você comeu, você ficou de ‘castigo’” – conta, no vídeo.

Perna quebrada

Uma psicóloga, de 33 anos, engravidou de gêmeas em 2021. Com 37 semanas de gestação, começou a sentir formigamento nas pernas e foi diagnosticada com trombose. Como a gravidez era considerada de risco, ela foi internada no hospital, onde ficou 15 dias. Em abril de 2021, com 38 semanas, as filhas nasceram em um parto cesárea. Uma delas teve o fêmur fraturado durante o parto. Além disso, o marido dela não teria sido autorizado a acompanhar o parto. Ela chora ao contar novamente como tudo aconteceu.

– Fiquei numa ansiedade por conta do meu estado de saúde e não permitiram que meu esposo assistisse ao parto por causa da pandemia. Nossas primeiras filhas, pais de gêmeas, e seria importante o registro para o pai e a mãe. Eu orava para que tudo desse certo. Quando tiraram a primeira bebê eu ouvi um estalo e vi a perna da minha filha roxa. Ninguém falava nada. Ela chorava muito, não sai da minha memória. Quebraram o fêmur da minha filha na hora de tirar ela da minha barriga. Demorou muito o parto, ninguém passava informação para o meu marido. Foi muito traumatizante – relata.  

Com o tempo, o osso da perna calcificou, mas as sequelas permanecem. A mãe conta que percebe diferença entre as duas pernas da filha.  

– Agora, com um ano e dois meses, ela está querendo começar a caminhar, e o pé da perna quebrada está para dentro. Estamos fazendo acompanhamento com um ortopedista – destaca.

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Episiotomia

Em 6 de janeiro de 2021, uma funcionária pública, de 26 anos, relatou que deu entrada no Hospital de Caridade com dilatação e bolsa estourada. Ela foi encaminhada sozinha para a avaliação médica. A filha nasceu às 13h55min. O médico responsável pelo parto fez uma episiotomia, uma incisão no períneo – a região entre o ânus e a vagina – para facilitar a passagem do bebê. A mulher só ficou sabendo do procedimento depois do parto. Ela afirma que perdeu muito sangue e que não houve acolhimento por parte da equipe médica.

– Uns 40 minutos depois do parto eu estava sangrando muito. Perceberam que tinha ficado um resto de placenta dentro de mim e fizeram uma curetagem. Eram 14h30min quando terminou a curetagem. Quando vi, eram 17h e ainda estava sem água, comida, soro, literalmente esquecida. Num calor de janeiro, com toda a força que eu tinha feito, já estava há um bom período sem me alimentar. Pedi soro e a enfermeira disse que não precisava. Diziam que não precisava de bolsa de sangue, eu continuava passando mal, até que 1h fizeram uma transfusão, eu tinha perdido muito sangue. Fiz duas bolsas de sangue, e então me recuperei. No dia 7, perto do meio-dia, consegui ir para o quarto com a minha filha – relembra.

Fórceps

Já uma costureira, de 34 anos, sonhou e planejou um parto natural, mas, segundo ela, não aconteceu como gostaria. A filha nasceu em junho de 2019, depois de sete horas de trabalho de parto. Durante o parto, segundo ela, o médico fez uso de fórceps, quando são ajustadas duas pás na cabeça do bebê e ele é puxado pelo canal vaginal, sem que a gestante fosse comunicada. Com isso, segundo a mãe, a filha teve uma fratura e afundamento no crânio. Além disso, foi feita episiotomia, também sem consentimento, segundo ela.  

– Queria segurar minha filha, ter aquele contato pele a pele, amamentar, mas não foi isso que aconteceu. Quando a pediatra a pegou, eu vi que tinha uma coisa errada. Dava para ver nitidamente que a cabeça estava afundada, mas até então não sabia do uso do fórceps e não me dei conta do que tinha acontecido. Foi feito episiotomia. O médico decidiu e eu não fui ouvida. Eu estava muito cansada, no oxigênio, mas lembro de uma enfermeira pressionar a minha barriga também. Fiquei 14 dias no hospital, sendo que estava tudo bem com a gravidez e conosco no pré-natal – conta.

Por conta do afundamento e fratura no crânio, a filha precisou de acompanhamento com neurologista durante um ano.

Jaiana Garcia

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