“No primeiro momento, não acreditei em toda essa proporção. Eu já vinha lutando pela vida há seis anos. Sou paciente renal crônica e faço hemodiálise três vezes por semana. Na clínica, fomos orientados a tomar muito cuidado, já que fazemos parte do grupo de risco. Então, comecei a ter mais receio e comentei com amigos que sabia do perigo, se eu pegasse o vírus, não resistiria. Ainda era março quando tudo isso começou.
Achei que seria uma situação de semanas ou, no máximo, levaria um mês para tudo se resolver. Logo, achariam a vacina, como no caso da gripe H1N1. Infelizmente, não foi assim. A realidade é outra, e é triste. Moro com meus avós de 85 e 79 anos. Meu avô perdeu irmãos, primos e amigos. Parentes nossos foram entubados. Ou seja, além de fazer parte do grupo de risco, meu avô ficou com o emocional abalado e isso o fez adoecer. Ele não pegou o vírus no corpo, mas na alma.Não tenho uma vida tão fácil, devido a minha doença, e se não fosse a fé, nem sei o que faria. Gastamos o que não tínhamos, ficamos sozinhos.
Quando abraçamos uns aos outros “sem querer”, passamos a noite em claro por culpa. Tive vários momentos de dificuldades emocionais e físicas. Sofri crise de ansiedade na hemodiálise, onde, além de não poder tirar a máscara, passamos mais calor, visto que não podemos ficar com o ar condicionado ligado devido à necessidade de ventilação. Com isso, a pressão fica ainda mais baixa e a gente só quer arrancar aquela agulha e sair correndo. Antes, já não era fácil, mas com a pandemia, esse processo tornou-se quase insuportável. Tenho Deus no meu coração e carrego uma fé gigante, mas confesso que, neste ano, muitas vezes sinto-me impotente, sem força, fraca.
Tudo à nossa volta foi afetado. Nossos médicos estão exaustos e caso eles não forem cuidados, o que já está frágil vai desmoronar. Que lição fica? Aprendi a não negar o medo e a me permitir chorar. Aprendi a dar ainda mais valor à vida, a um abraço, à presença de um amigo.”
Nitiéle Cristiani da Silva, cozinheira, 38 anos
“Aprendemos mais sobre superação e solidariedade”
Foto: Renan Mattos (Diário)
“Lutar pela saúde sempre foi um desafio para nós. Temos cinco filhos transplantados, o que já nos colocava em isolamento. Além disso, sou asmático e diabético, o que me inclui no grupo de risco. Este ano que termina colocou à prova a nossa fé e a dependência do outro. Achei que esse tal coronavírus seria uma gripe passageira, mas começou a morrer gente e não parou mais. Assustado, vi que o vírus não estava para brincadeira.
No ano da pandemia, a falta de trabalho foi outro agravante. Como ficam as pessoas que trabalham por conta, como eu? Sou pedreiro autônomo e fazia muitos serviços no cemitério, que também foi fechado. De repente, olho para os lados e só vejo incertezas. Não saio de casa, tenho medo, sou grupo de risco e não posso trabalhar. Hoje, a gente se mantém vendendo lanches. Esse vírus me tirou a liberdade, mas não a fé. Aprendi que, em um ano complicado como 2020, precisamos de ajuda e humildade para sobreviver.
Que lição 2020 deixa? Que não podemos programar nada. Também tivemos bons aprendizados. Convivemos mais com os filhos e aprendemos a crer, ainda mais, na provisão de Deus. Não tenho medo de morrer, mas de passar a doença. Hoje, sei que uma máscara pode salvar a minha vida e a de outra pessoa.”
Celso,
61 anos, pedreiro autônomo
“O principal aprendizado é que o medo e a incerteza não são apenas meus. Não estamos no mesmo barco, mas sob a mesma tempestade. Assim como a maioria dos nossos amigos, pensei que a força desse vírus seria passageira, mas não é a realidade. Mais do que isso, o coronavírus vai deixar efeitos a médio e a longo prazo. Jamais seremos os mesmos depois de 2020. Por causa dos filhos transplantados, a gente se cuida bastante, mas não temos o privilégio de poder manter o distanciamento social.
Precisamos ir, com frequência, a Porto Alegre para acompanhamento de saúde dos filhos e, a cada viagem, enfrentamos o medo de trazer o vírus para casa. Aprendi, ainda, a contar os dias para receber a vacina. Leonardo foi transplantado no início da pandemia, quando ninguém sabia tudo o que a Covid-19 representaria para o mundo. Só que essa incerteza não passou, sabe? Sei que todo mundo está nesta batalha, que o medo não é só meu, mas confesso que gostaria de esquecer esse ano. O aprendizado foi grande, mas já é suficiente. Precisamos virar a página.
Para mim, a vida ficou mais cansativa, mas a fé e a esperança são mantidas, na certeza de que dias melhores virão.”
Vera Lúcia,
60 anos, dona de casa
“Se eu pudesse resumir 2020 em uma palavra, seria perseverança”
Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)
“Se pudesse resumir 2020 em uma palavra, seria “perseverança”. É um desafio resumir um ano com tantas contradições científicas e ideológicas, além das dificuldades para realizar tarefas que, antes da pandemia, eram tão básicas. O simples fato de ser presenteado por Deus com mais um dia é uma dessas alegrias que passam despercebida quando a vida corre normalmente.
Precisamos perseverar para não deixar de sermos humanos em um mundo que, a cada dia, mostra-se mais sedento por sentido, valor e propósito.
Não é apenas suportar as dificuldades e erguer a cabeça, mas não tirar o olhar do alvo. Afinal, o que me motiva todos os dias? Sem um prêmio em vista, não temos razão para correr a corrida, como já disse o apóstolo Paulo.
Este foi um ano de ajustar o foco e avaliar se estou agindo de acordo com aquilo que afirmo ser importante para mim.
Faço mestrado em Engenharia Civil na UFSM desde agosto de 2019. Em março, quando chegou a notícia de que teríamos um período sem atividades presenciais, ninguém sabia exatamente como seriam as aulas e as atividades de pesquisa. Então, cada professor adotou um caminho diferente. Com o passar do tempo, porém, ficou claro que seria necessário recorrer ao ensino a distância, o que foi feito por meio do Regime de Exercícios Domiciliares Especiais (Rede).
Quanto à pesquisa, fiz praticamente tudo em casa, fora algumas visitas esporádicas ao laboratório. De início, achei que conseguiria organizar melhor o meu tempo de estudo. Porém, perceber que meu quarto é o meu ambiente de trabalho (no caso, de pesquisa) e, ao mesmo tempo, espaço de lazer, exigiu mais disciplina. Para mim, é importante ir ao laboratório. Meu cérebro entendia que aquele era o momento “sério” do dia e, quando eu chegava em casa, podia relaxar. Mas esse mecanismo de “mudança de postura” foi reaprendido.
No distanciamento, aprendi a estabelecer prioridades: acordar cedo, meu horário de melhor rendimento, ter um tempo de oração e leitura da Bíblia e, então, reiniciar a lida com a pesquisa. No entanto, esse tempo também trouxe saudade, visto que vários amigos da UFSM retornaram para as suas cidades.
Faço parte do Farol, grupo cristão universitário, no qual tenho muitos amigos. A falta deles também incomoda. Por mais que a internet tenha nos possibilitado encontros, não compensou a saudade das reuniões presenciais, com xis, violão e muita diversão.
Mas 2020 também foi o ano da consolidação dos eventos online. Neles, uma pessoa que mora no Japão ficou tão próxima quanto quem mora em outro bairro da nossa cidade. Assim, eventos acadêmicos de abrangência nacional e internacional foram realizados apenas de forma virtual. Na minha área de pesquisa, pude acompanhar palestras dadas por professores de diversos países, como Estados Unidos, França, Itália, Holanda, Reino Unido, Portugal, Israel e outros. Tal acesso (gratuitos inclusive) nem estaria no rol de possibilidades em anos anteriores.
Outro lado positivo, no lado pessoal agora, é que 2020 me ensinou que a vida é muito mais enganosa do que ela aparentava. Refiro-me a esse aprendizado como algo positivo, também pelo choque com a realidade. A economia de um país, os empregos, a saúde e até mesmo a saúde física e mental de pessoas que amamos (ou de nós mesmos) se mostraram uma base extremamente frágil para construirmos nossa vida. Contudo, é só com um choque desses que acordamos para a vida.”
Bruno de Souza Chaves, 24 anos, mestrando em Engenharia Civil
“Como esquecer o ano que nos trouxe tamanhas restrições?”
Foto: Renan Mattos (Diário)
“Desde a suspensão das atividades presenciais, o público passou a se confundir com o privado, como se diz na psicologia. O espaço de descanso e de trabalho passou a ser o mesmo, com compromissos datados, distrações, tudo exigiu maior disciplina, e o acúmulo de tarefas foi inevitável.
Para mim, que optei por estudar, paralelo ao trabalho como professor, ficou bastante apertado. A sobrecarga de atividades virou uma realidade constante, ou seja, mais um desafio a administrar.
Por outro lado, a chegada da pandemia e a necessidade do isolamento foram motivadores para nos desdobrarmos em todos os sentidos. Ficamos mais proativos, passamos a ter mais autonomia e responsabilidade. Com isso, as oportunidades começaram a aparecer. A tecnologia permitiu encurtar distâncias e agregar conhecimentos de uma forma que outrora não costumávamos fazer, como assistir a palestras até mesmo do exterior e interagir com quem antes não tínhamos costume.
A intensidade de tarefas nos gerou diferentes incômodos. Justamente por isso, passamos a buscar soluções e adquirimos novos conhecimentos e habilidades.
Em 2020, o problema maior, ou seja, a pandemia, nos provocou reações. Sobretudo, a necessidade de adaptação foi individual. Com a sobrecarga, foi necessário redobrar a organização. Na minha rotina de estudante de psicologia e professor universitário, o tempo para organizar as funções ficou mais restrito e tive que redobrar a atenção nesse sentido.
Além disso, convivo com a minha mãe, que é idosa, considerada grupo de risco na pandemia, e isso também me causou preocupações. O isolamento e a consequente sobrecarga agravou um problema que eu já tinha, a ansiedade. Fiz consultas no psiquiatra para amenizar a situação.
Acredito que cada um passou a lidar com essa situação de forma singular. Uns se adaptaram, outros não. É possível levar mensagens boas e ruins de 2020. Como poderemos esquecer das restrições de contato, mortes, sofrimento? Mesmo assim, teve solidariedade, empatia e afeto. A pandemia nos colocou no risco da morte, e em situações normais, o ser humano não trabalha com isso. A maior lição que tiro deste ano é viver o hoje com muita responsabilidade e proteção coletiva.”
Luís Antônio Sangioni, 54 anos, professor e médico veterinário
E O APRENDIZADO CONTINUA…
Confira, abaixo, algumas orientações de quatro especialistas sobre como iniciar e conduzir 2020 da melhor maneira possível
Suane Faraj, psicóloga
“Uma das palavras do ano é ponderação. Evitar a exposição ao vírus ainda é necessário, mas sem negligenciar outras doenças. A negação, que, para alguns é mecanismo de defesa, não ajuda a vencer tudo o que vivemos em 2020. Ao mesmo tempo, potencializar o medo também faz o corpo adoecer. Continuar nossas atividades é importante, mas, agora, com mais cautela. Outras ações a considerar em 2021:
Equilíbrio – Excesso de positivismo coloca as pessoas em risco. Da mesma forma, o desespero pode paralisar
Aceitação – Reconhecer a situação é essencial para seguir em frente
Compartilhamento – Verbalize sentimentos, principalmente diante de perdas. A fala permite aliviar o sofrimento, compreender o que aconteceu e construir possibilidades
Avaliação – Identifique fatores positivos e negativos. Reveja o que deu certo e planejamentos que não avançaram. Pontue cada realização
Autoconhecimento – Perceba o próprio comportamento, identifique o que realmente precisa e deseja. Não negligencie a saúde mental
Escuta – Aprendemos a olhar para o outro, a ouvir mais, a considerar o coletivo e sermos mais solidários. Que, em 2021, a empatia seja a nossa marca
Alessandro Mathias, empresário
“Como CEO de uma empresa de comunicação, motivar a equipe mesmo quando víamos os clientes irem embora, foi questão de sobrevivência. Neste cenário, o senso de coletividade fez toda a diferença. Fatores que nos ajudaram a sairmos mais fortes de 2020:
Relacionamentos – Conhecer quem trabalha com a gente é fundamental. Isso requer atribuir, receber e trocar demandas, compartilhar a situação e perspectivas da empresa e ouvir ideias
Oportunidades – Um cenário de crise pode ser uma oportunidade se soubermos ressignificá-lo. Motive a equipe a investir em cursos e a “aparecer” quando a tendência é contrária
Positividade – O exercício é não se abater, independentemente da situação. Negatividade contagia o grupo e, quando não controlada, faz com que todos fiquem paralisados
Movimento – Estagnação ou falência são decorrentes da inércia. Não só como indivíduo, mas também como equipe, é importante reagir às situações adversas. Quem sabe é o momento de criar novas possibilidades?
Auto investimento – Acredite na própria criatividade. Quem busca novos conhecimentos e habilidades estimula a equipe. Não deixe de incentivar o outro
Daniel Coronel, economista
“O ano de 2020 ficará marcado na história não apenas pelos efeitos deletérios da Covid-19, mas também por, mais do nunca, a sociedade valorizar a educação e a inovação tecnológica como motores do desenvolvimento econômico e social. Os países que, ao longo da história, investiram maciçamente nestas duas variáveis são os primeiros a terem a vacinação, bem como planos de logística coerentes, com as suas assimetrias territoriais, visando imunizar a população, além de estratégias para diminuir os graves efeitos econômicos e sociais, principalmente na população mais vulnerável, a qual precisa de um Estado promotor da inova ção, da livre-iniciativa e da proteção social.” Considere três fatores importantes para 2021:
Controle – é hora de reconhecer e aprender a lidar melhor com o consumismo. Gastos desnecessários prejudicam o planejamento no dia a dia
Visão – avalie oportunidades, como vendas e prestação de serviços on-line, um mercado que se abriu e veio para ficar. A crise atencipou essa tendência e, o que aconteceria gradativamente, tornou-se um dos setores mais produtivos
Marque presença – estar cada vez mais próximo do consumidor tornou-se uma necessidade
Equilíbrio – o momento ainda apresenta desafios. Portanto, mais do que nunca, é necessário prezar pelo equilíbrio financeiro e emocional em um cenário tão incerto
Marcio Felipe Medeiros,
sociólogo
“No ano da pandemia, enfrentamos a dificuldade de aceitação das restrições, como um simples deslocamento e, principalmente, de convívio. O ser humano é essencialmente social. Privar as pessoas de ver, tocar e conversar diretamente, certamente, tem sido muito difícil, o que se confirma em festas clandestinas e outras aglomerações. O desejo de todos é manter a normalidade de convívio, mas a pandemia tem impedido isso, o que gera tensão entre diretrizes do governo e as ações das pessoas. Consideremos os seguintes aspectos:
Seja resposta – A sociedade como um todo pode encontrar caminhos para responder a essa situação em suas áreas
Evite fugas – Agir como se nada estivesse acontecendo pode até dar um certo alento, mas não será positivo e trará consequências a médio prazo
Prepare-se – A pandemia ainda não acabou. Prepare-se para vivenciar os desafios dos próximos anos. Cuide da saúde física, psicológica e financeira
Cuidado com as compensações – Negligenciar a necessidade de ajuda e viver de compensações pode trazer sérios problemas para se reorganizar depois desta turbulência. Momentos de crise exigem atitudes de adaptação
*Colaborou Wederlei Pires