Foto: Vinicius Becker (Diário)
O grupo de 30 indígenas da etnia caingangue seguia, neste domingo (20), na área da Centro de Pesquisas da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), no distrito da Boca do Monte, em Santa Maria. No fim da tarde da última quinta-feira (17), a Secretaria Estadual de Agricultura e Pecuária entregou uma notificação extrajudicial dando prazo de 48 horas para que os indígenas saíssem do local. O prazo acabou às 18h de sábado (19). Eles ocupam o local desde o fim da manhã de terça-feira (15).
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A partir de agora, existe a possibilidade de o governo do Estado entrar com ação na Justiça para pedir a reintegração de posse. A reportagem esteve no local na tarde deste domingo e conversou com o líder indígena Erni Amaro. O grupo chegou a se reunir no fim da tarde de sábado, aguardando algum aviso sobre o fim do prazo da notificação, mas conta que não houve qualquer ação.
– Não recebemos nenhum aviso até o momento. Seguimos na mesma. Quando acabou o prazo de 48 horas, ficamos aqui esperando. Não estávamos apreensivos, ficamos apenas esperando se algo seria feito, mas nada. Como já disse outras vezes, não queremos destruir nada, somente viver neste local e produzir nosso artesanato. Todos gostaram do espaço e desejam permanecer aqui – conta.
Em um dia marcado por temperaturas na casa dos 20°C e tempo seco, os indígenas aproveitaram o sol ao ar livre. O grupo ocupa a parte externa do prédio e, à noite, conta com três lâmpadas que foram colocadas no local. Não há energia elétrica no restante do espaço. Por ser aberto nas laterais, foi necessário colocar lonas para proteger esses espaços do frio e da chuva dos últimos dias:

– Foi bem dificultoso. As lonas seguraram pouca coisa. Vinha chuva e vento de todos os lados. Entrou um pouco de água no espaço, molhou algumas coisas. Tem crianças aqui também, nos preocupamos mais com elas. Estamos recebendo apoio pelas redes sociais e também doações de mantimentos e de comida.
Questionado como tem sido os dias no local, Erni Amaro relata que a situação é considerada "tranquila" neste momento. A Brigada Militar está na área fazendo o patrulhamento e segurança do espaço, por se tratar de uma área estadual. No portão de entrada, um policial solicita dados de identificação para saber quem entra e quem sai do local. Segundo Erni, esse procedimento, considerado "novo" para os indígenas, tem deixado o grupo incomodado:
– No dia em que chegamos, fomos recebidos por inúmeras viaturas, e as crianças ficaram assustadas, sem saber da nossa história e o que queremos aqui. Mas, agora, está sendo tranquilo. Um ponto que gostaria de reforçar é que há uma restrição toda hora que precisamos entrar e sair deste local. Estamos nos sentindo incomodados com isso. Nesta semana, precisei levar uma das mulheres do grupo que está grávida, de 14 semanas, para atendimento médico. Ela estava sentindo contrações. Tive que esperar mais de 15 minutos no portão. Temos liberdade de ir e vir, mas estamos constrangidos com esse procedimento.

Orientações do Ministério Público Federal
Na última quarta-feira, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou que o governo do Estado do Rio Grande do Sul adote tratativas e diálogos humanizados ao lidar com os indígenas caingangues que ocupam a área do Centro de Pesquisas Florestais (Ceflor) da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), no distrito de Boca do Monte, em Santa Maria.
A procuradora da República Paloma Alves Ramos, que assina o documento, também recomenda ao governo estadual que providencie uma consulta prévia, livre e informada com a comunidade indígena ocupante da área da Fepagro sobre quaisquer providências normativas ou administrativas que possam impactar suas terras, afetar suas vidas ou seus direitos. A consulta é garantida pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
O MPF ainda recomenda que seja permitida a utilização de instalações, energia elétrica e água potável, a fim de resguardar condições dignas de vida aos indígenas enquanto perduram as negociações, “salvo absoluta impossibilidade, devidamente justificada”. Recomenda também que o governo estadual se abstenha de qualquer medida para a retirada dos indígenas da área da Fepagro de Santa Maria antes de eventual decisão judicial.
O MPF fixou prazo de 10 dias para que o governo do Rio Grande do Sul informe se acata ou não a recomendação.
Ocupação
O MPF monitora a situação desde a última terça-feira (15), quando tomou conhecimento de que agentes da Brigada Militar do Rio Grande do Sul haviam chegado à área da Fepagro, dando ordem para saída voluntária dos indígenas ali presentes, ou que, “caso contrário, seria usada violência”. Servidores do MPF estiveram na ocupação nesta mesma data, para observar a situação e dialogar com a comunidade caingangue.
O MPF ainda apurou, durante a vistoria, que os indígenas estão sem abrigo, sem acesso a energia elétrica e contam com apenas uma torneira para obtenção de água. Não lhes foi permitida a utilização do prédio. O comandante da Brigada Militar informou aos servidores do MPF que aguardava uma ordem judicial e que o Estado peticionaria a reintegração da posse da área.
A procuradora da República registrou em sua recomendação que “a situação atual dos povos indígenas no Rio Grande do Sul é marcada por um quadro de acentuada vulnerabilidade social, econômica e territorial”, em grande medida “resultado direto do processo histórico de desterritorialização, significativamente agravada pela contínua não priorização de políticas públicas eficazes e pela morosidade crônica nos processos de demarcação e regularização de suas terras”.
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