ODILON MARCUZZO DO CANTOEx-reitor da UFSM
Houve um tempo em que governar era abrir estradas; evidentemente, uma forma simplista de resumir o complexo, multifacetado e pesado ato de governar. Tal visão reducionista se repete nos dias atuais na frase: governar é equilibrar as contas públicas; ao menos, na visão de alguns setores do governo e da sociedade. Mas seria mesmo essa a fórmula mágica para levar a bom termo o mandato constitucional de governar a república? Capaz de atingir os objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária? De erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais conforme estipulado no artigo terceiro da Carta Magna?
Com toda a credencial que lhe confere a designação de ser um dos pais do Plano Real que resgatou o Brasil da ciranda inflacionária dos anos 1980/90, o ex-diretor do Banco Central André Lara Resende afirma que não. Na entrevista ao Ilustríssima Conversa da Folha de São Paulo, no início deste mês, ele chama a atenção para o fato de que uma elevação de 10 pontos percentuais na taxa de juros significa a transferência de 8,5% do PIB de gastos fiscais para os detentores da dívida pública, que são os agentes mais ricos e superavitários da economia. Existe fórmula mais rápida de transferência de riquezas da parcela mais pobre para a camada mais rica da sociedade? Juros mais altos se refletem no arroz e no feijão do prato do pobre com muito mais intensidade do que na bolsa de grife.
A pesquisa sobre segurança alimentar conduzida pela Rede Penssan e pelo Instituto Vox Popoli de abril último mostra que 59 milhões de brasileiros estão em condições de insegurança alimentar leve, 31 milhões em insegurança modera, e 33 milhões em insegurança grave ou seja passando fome. Simplificando, de cada dez brasileiros seis estão em situação considerada de insegurança alimentar.
A escolha do ultra neoliberal “posto Ipiranga” como todo-poderoso ministro da Economia deixou muito claro qual seria a orientação das políticas econômica e social do governo Bolsonaro. Ficaram evidentes, desde o primeiro dia de governo as decisões executivas na direção da destruição de um conjunto de programas e políticas públicas direcionadas à redução das desigualdades sociais e combate à fome, construídas em anos anteriores e reconhecidas internacionalmente como eficazes. O processo de desmonte foi iniciado já no primeiro dia da gestão; a medida provisória 870 (MP870) extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), instância fundamental para tirar o Brasil do mapa da fome da ONU em 2014.
A explosão de um estado de pandemia é certamente um complicador enorme na já complexa tarefa de governar. Quando a esta situação se soma a incompetência e a completa falta de espírito republicano de uma equipe de governo, fica estabelecido o cenário de tempestade perfeita. Será admissível esperar de quem não apresentou um mínimo de empatia para com o sofrimento dos mais de 600 mil mortos pela Covid-19, algum traço de compaixão com o prato vazio de 33 milhões de cidadãos brasileiros?
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