Há cinco ou seis meses aqui mesmo mencionei, nesta coluna quinzenal, um pequeno poema de um poeta bissexto – um sujeito de barba que usa bengala, eu –: Aonde irás quando morreres? Voltarás à Terra? E, se voltares, serás flor ou pássaro? Ou terás a pretensão de voltares beijo?
Encontrei-o no meio de papeis antigos escritos à mão e durante muito tempo supus que seu autor seria o Prado Veppo, com quem convivi no início dos anos 1960, quando ele esteve por um ou dois anos em São Paulo. Fui além: em um livro que publiquei em 2011 – Paris, quartier Saint-Germain-des-Prés, que os franceses praticaram a tolice de editar na França em 2015, Le flâneur de Saint-Germain-des-Prés – afirmei exatamente isso, com todas as letras.
Depois, o tempo passando, procurei esse poema entre tudo o que o Prado Veppo escreveu e, de repente, descobri, confirmei, reconfirmei que o autor sou eu! Uma loucura: o poema me parecia tão bom que eu me recusava, bem lá de dentro de mim, a aceitar que fosse meu!
Guardo papéis e mais papéis escritos à mão anteriormente ao meu acesso aos computadores e a esse tal de microsoft word. Alguns deles, não sei. Serão mesmo meus?
De repente, leio um deles, em torno de um momento insone:
O voo do avião corta a manhã
em dois pedaços de tempo
improrrogáveis.
Uma breve flora verde, parasita,
fustiga o vermelho dos morangos frescos.
Na escuridão torpe da cozinha,
o leite derramado sobre a pia
retrai-se, simulando afrescos.
Verso após verso minha paixão goteja,
na madrugada,
pelas frestas da mesa sem toalha.
Esse é meu, tenho certeza!
Qual outro, no qual afirmo àquela loira que:
Para te dizer quanto te amo,
seria necessário que outra chuva
lavasse os nossos corpos.
Para te dizer quanto te amo
bastaria, porém, a retórica das cores:
o amarelo escandaloso
da gema e do ipê
e o amarelo sensual
e seu perfume bergamota
dos junquilhos.
Não sei nada, de nada sei. É tranquilizante descobrirmos que somos inúteis e ninguém suspirará por nós depois de alguns anos que partirmos. A única angústia que me afoga agora está em saber se este meu texto atende às regras de edição do Diário de Santa Maria... Seja como for, terei conseguido publicar três poemas meus e, talvez – se houver espaço para tanto –, mais este:
Trabalho como um operário.
A camiseta branca que vestistes, nua,
incorporando o cheiro do meu corpo.
Queria, de repente, já não fossem
de poeta minhas mãos.
Mãos que trabalham forjas, teares,
automotrizes, deslizariam, calejadas,
muito mais doce em tuas costas!