
Nas paredes da casa onde mora, no Bairro Nova Santa Marta, Camily Friedrich encontra inspirações e a oportunidade de iniciar uma nova missão: a carreira no Exército Brasileiro.Mais precisamente no quadro da formatura do irmão, que serviu um ano como soldado, posicionado em meio às fotografias da família Ele e a mãe foram motivadores para que, aos 17 anos, Camily fizesse o alistamento militar feminino – o primeiro na história do país. Como ela, outras 146 jovens já se alistaram em Santa Maria.
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Camily conta que foi resistente à ideia no começo. Achava que não era para ela. Mas, bastaram uma pesquisa mais aprofundada sobre a carreira militar e conversas sinceras com o irmão para que o desejo de um aprendizado diferente e a vocação de ajudar falassem mais alto.
– É minha oportunidade de sair daqui e conhecer coisas novas. Eu já tinha feito outros voluntariados e vi que poderia ser um aprendizado porque além de fazer o quartel, você sai com experiência em alguma área. E meu irmão também contou sobre as missões durante as enchentes, quando saiu para ajudar. E eu achei aquilo um máximo, poder fazer a diferença – conta a estudante do 3º ano do Ensino Médio.
Para além de uma lembrança da na parede da sala, o ingresso de Camily significaria uma mudança de ciclo na família que, pela primeira vez, teria uma mulher na carreira militar:
– Essa nova oportunidade para mulheres foi uma grande ideia para aquelas que têm o sonho de seguir a carreira e focar nisso. E muda um pouco o ciclo. Eu sou a primeira mulher da minha família a se alistar. E, não desvalorizando nenhuma profissão, mas elas sempre acabam sendo donas de casa ou faxineiras, então é um caminho diferente.

Santa Maria se soma à lista de municípios que vão receber as primeiras mulheres na condição de soldado. Foram mais de dois séculos de espera pelo anúncio feito em dezembro do ano passado pelo Ministério da Defesa. Em todo o país, serão ofertadas cerca de 1,5 mil vagas em municípios de 13 Estados e no Distrito Federal (veja lista abaixo): 155 vagas na Marinha, 1.010 no Exército e 300 na Aeronáutica. Todas para incorporação em 2026.
Cidades contempladas
Rio Grande do Sul: Canoas, Porto Alegre e Santa Maria.
Outros Estados: Águas Lindas de Goiás (GO), Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Campo Grande (MS), Cidade Ocidental (GO), Corumbá (MS), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Formosa (GO), Fortaleza (CE), Guaratinguetá (SP), Juiz de Fora (MG), Ladário (MS), Lagoa Santa (MG), Luziânia (GO), Manaus (AM), Novo Gama (GO), Pirassununga (SP), Planaltina (GO), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Santo Antônio do Descoberto (GO), São Paulo (SP) e Valparaíso de Goiás (GO).
Durante o anúncio, o Ministério da Defesa também informou que a expectativa é pelo aumento progressivo à medida que mais organizações militares se prepararem para a incorporação de mulheres. As candidatas passarão por uma seleção que inclui entrevista, inspeção de saúde e testes físicos. Elas também escolherão a Força que desejam integrar, levando em conta suas aptidões e a disponibilidade de vagas.
Conforme o comandante da 3ª Divisão de Exército, o general Paulo Roberto Rodrigues Pimentel, Santa Maria trabalha com o número de 36 vagas. As organizações militares que irão receber o primeiro contingente serão o Colégio Militar de Santa Maria, o Hospital Militar e a Base Administrativa da Guarnição de Santa Maria. Uma oportunidade de formação profissional para atuação dentro e fora do Exército Brasileiro:
– As mulheres já têm sido tratadas com os mesmos direitos e os mesmos deveres. Agora, também na situação de soldado. Embora seja um serviço voluntário, a gente entende que aquelas que se adaptarem ao nosso dia a dia vão ter a mesma oportunidade. Tem jovens que vão embora no primeiro ou no segundo ano, mas os que permanecem conosco em um período mais largo de tempo, podem realizar diversos cursos de formação profissional. Eles saem daqui com uma base muito boa para seguir seus caminhos na sociedade – afirma Pimentel.

As mulheres serão incorporadas na Marinha como marinheiros-recrutas; no Exército como soldados; ou na Força Aérea como soldados de segunda-classe. O serviço tem a duração de aproximadamente 12 meses, prorrogáveis anualmente, podendo chegar a até oito anos, caso haja acordo mútuo. Durante a incorporação, elas terão acesso a benefícios semelhantes aos dos homens, como remuneração, auxílio-alimentação, licença maternidade e contagem de tempo para aposentadoria.
Como realizar o alistamento
O alistamento poderá ser feito de forma online ou na Junta do Serviço Militar. Conforme o Comando da 3ª Divisão de Exército Brasileiro, para se alistar, a candidata deverá ter o endereço no município de Santa Maria. Também é preciso que as candidatas preencham dois critérios. O primeiro é residir em Santa Maria ou em qualquer outro município contemplado no Plano Geral de Convocação. Também precisa completar 18 anos em 2025, ou seja, ter nascido em 2007. As inscrições ficarão abertas até 30 de junho deste ano.
Junta do Serviço Militar em Santa Maria
- Endereço: Rua Cel. Niederauer, 1565 - Bairro Bom Fim/Santa Maria
- Horário de Funcionamento: De segunda a sexta-feira, das 8h às 13h
- Contato: (55) 3174-1551
Entre os documentos solicitados estão:
- Certidão de nascimento ou prova de naturalização
- Comprovante de residência
- Documento oficial com foto, como identidade ou carteira de trabalho

Mulheres já estão nas organizações militares de Santa Maria
Com a alcunha de 'soldado Medeiros' e vestida de homem, Maria Quitéria de Jesus lutou contra as tropas portuguesas na Bahia em 1825 e é considerada a primeira brasileira a estar em uma unidade militar. Mas, foi só em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, que as mulheres ingressaram oficialmente no Exército. Hoje, correspondem a 10% de todo o efetivo. A primeira tenente Graciele da Silva Machado, 34 anos, é uma delas. Na carreira militar há sete anos, ela atua como oficial técnica de administração na Base Administrativa da Guarnição de Santa Maria.
– Eu participei de um processo seletivo que é disponibilizado por todas as regiões militares. Na incorporação temos o estágio de 45 dias em que aprendemos o que é ser militar. Aprendemos a marchar, prestar continência, passamos por treinamento físico e de tiro. Após esse período, somos designadas a algum quartel.

Graciele trabalha na seção responsável por gerenciar todos os contratos da guarnição. Para além das funções, conta que aprende, todos os dias, lições importantes:
– Eu não consigo fazer uma análise da Graciele antes do Exército porque a farda é nossa segunda pele. Eu vejo que a experiência que temos aqui, independente da área técnica, é diferente de tudo que nós temos lá fora, no mundo civil. Por isso, eu vejo o alistamento militar feminino como um marco muito importante.
De acordo com o general Pimentel, as mulheres já atuam na maioria das organizações militares de Santa Maria. Até o momento, elas podiam ingressar nas Forças Armadas como militares de carreira, mediante aprovação em concurso público, ou como militares temporárias, por meio de seleção conduzida pelas Regiões Militares. Com o alistamento voluntário, passam a ter acesso também ao serviço militar inicial, como soldados. Para isso, as organizações militares realizam adequações na estrutura, principalmente de banheiros e alojamentos, para recebê-las:
– Praticamente todas as nossas organizações militares já têm mulheres. Faltava, porém, receber essas jovens como soldados. O problema é mais a adequação da infraestrutura que nós temos como alojamentos e banheiros porque, embora as unidades já tenham mulheres, não tinha o posto de soldado. Mas é um trabalho simples de ser feito. E a partir da incorporação, elas estarão submetidas aos mesmos regulamentos, obrigações, deveres e direitos dos jovens homens.

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