Foto: Nathália Arantes (Diário)
O momento de despedida de um ente querido normalmente envolve a dor da saudade e uma reflexão sobre os bons momentos vividos. No dia 2 de novembro, o Dia de Finados tem o propósito de relembrar a memória dos que já se foram, e costuma ser marcado pelas visitas aos cemitérios e celebrações religiosas. A tradição cristã que remonta do século 10 foi se alterando ao longo dos anos, acompanhando a evolução e as mudanças de comportamento da sociedade.
Em Santa Maria, desde o início desta semana, foi possível ver o movimento nos cemitérios da cidade por aqueles que, além de fazer a limpeza, visitavam o local onde estão sepultados os familiares que já morreram.
Porém, essa prática, comum ao Dia de Finados, tem ganhado outras formas na hora de homenagear aqueles que já se foram. Isso porque, muitas famílias têm optado pela cremação na hora de se despedir dos familiares.
Crematório em Santa Maria
Técnica funerária milenar, o processo de cremação tem sido uma escolha em crescimento no Brasil. Não tão difundido como o sepultamento, o ato de transformar os restos mortais em cinzas perpassa como um tabu ao longo da história. Pela Igreja Católica, até o ano de 1963 a prática era proibida, porém, atualmente o sepultamento continua sendo a recomendação padrão.
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No Brasil, o primeiro crematório foi inaugurado apenas em 1974, em São Paulo. Já Santa Maria conta com um crematório desde outubro de 2021, sendo o primeiro na Região Central do Estado. Até então, muitas famílias precisavam se deslocar para fazer cremações em locais como Santa Rosa, Canoas, Porto Alegre, Viamão ou Caxias.
Na cidade, a cremação está sob o comando do Grupo L. Formolo, mesma empresa que administra os cemitérios Santa Rita e São José. O serviço faz parte do contrato de concessão com a prefeitura de Santa Maria, que prevê 30 anos de administração dos cemitérios e do crematório.
Para o diretor do grupo, Mateus Formolo, a busca pelo serviço de cremação na cidade tem se dado de forma lenta, porém gradual:
– A gente conhece como é o desenvolvimento do mercado da cremação. Ele nunca diminui, o crescimento é constante. Em Santa Maria, o percentual de cremação tem sido em torno de 10% dos falecimentos. A gente tem visto que essa demanda também tem tido um aumento constante. Esperamos que, para os próximos anos, esse percentual atinja 12%, 13%, 15%. Mas a gente sabe que é um processo lento – projeta.
Formolo também destaca que, associado ao aumento pela busca do serviço, está o caráter geracional, que leva à mudança de comportamento. De acordo com ele, a cada geração vem aumentando a busca pela cremação. Ele acredita que, daqui 20 anos, em cerca de 30% dos falecimentos o serviço seja a opção.
– Nós temos visto que as novas gerações valorizam menos os pontos de referência. Ou seja, as gerações anteriores valorizavam muito mais ter um ponto de referência para ir rezar e refletir sobre os seus familiares falecidos. As gerações mais novas dão menos importância a ter um ponto de referência para ir todos os anos. Por exemplo, a gente vê que no Dia de Finados não há muitos jovens. Mas, ao mesmo tempo, a gente vê que o público jovem valoriza muito mais o cerimonial de despedida, pelo o que eles entendem da vida nesse momento da morte – analisa.
Nos dois anos do crematório na cidade, cerca de 800 processos de cremação já foram realizados. Quem opta pelo serviço também tem direito a uma cerimônia em uma das três salas de despedida.
O crescimento na busca pela cremação também já vem sendo sentido pelas funerárias da cidade. Conforme o agente da Funerária São Martinho, Alciomar Jardim da Trindade, o fato de ter um crematório local tem contribuído para as pessoas aderirem ao serviço.
– Tem aumentado gradativamente a busca pela cremação. O cotidiano e a correria no dia a dia das pessoas também contribuem para isso. Com a cremação não há mais um custo com um túmulo, além da necessidade de se estar perto. Muitas vezes os familiares já estão com moradia fixa em outra cidade. Com a cremação eles podem depositar as cinzas num local que a pessoa gostava, sem ter a necessidade de voltar ao cemitério, que muitas vezes acaba por ser um momento de sofrimento ao relembrar do dia em que a pessoa foi sepultada – explica.
Quanto custa para se despedir de um familiar
Por se tratar de uma concessão pública, os valores para a cremação são tabelados pela prefeitura de Santa Maria por meio de decreto municipal. Desde 2021, ano em que o crematório começou a operar na cidade, a cremação custa R$ 2.715,10.
De acordo com o diretor do Grupo L. Formolo, um dos pontos que contribui pela escolha do serviço é o aspecto financeiro. Se uma família optar pela compra de um terreno com capacidade para dois sepultamentos no Cemitério Parque Santa Rita, o valor desembolsado será de R$ 9.235 na cessão de uso perpétuo, com anuidade no valor de R$ 169,75. Já as gavetas com cessão de uso perpétuo no Cemitério São José custam R$ 4.330 além da anuidade de R$108,80.
No Ecumênico Municipal, apenas o aluguel de gavetas está disponível, já que o maior cemitério de Santa Maria atingiu sua lotação máxima na venda de terrenos. No local, existem dois preços de aluguel - R$ 850 e R$955 -, que depende da disponibilidade na hora do sepultamento. Esse valor dá direito a utilização das gavetas por quatro anos, podendo ser renovado por mais um. Depois desse período, a família precisa desocupar o local.
Nas duas funerárias de Santa Maria consultadas pelo Diário, os serviços funerários, incluindo a urna (caixão), capela velatória, preparação do corpo, deslocamento de familiares em casos de sepultamento e decoração, variam seus custos de R$ 1.500 a R$30 mil, sendo o valor de acordo com o que for desejado pelo cliente.
Tecnologia no adeus
Além do crescimento da cremação como escolha da técnica funerária, o ato de se despedir também tem passado por inovações. Algumas funerárias estão unindo a tecnologia ao momento de prestar condolências, como é o caso do mural digital para homenagens, onde é possível deixar mensagens para familiares de quem morreu e relembrar bons momentos.
A tecnologia também tem diminuído as fronteiras na hora do adeus. Em Santa Maria, a AM Brum Angelus disponibiliza o serviço de velório online para que membros da família e amigos de outras localidades possam acompanhar a cerimônia via internet. O serviço é disponibilizado para todos os velórios mediante autorização dos familiares. Já as mensagens deixadas no mural de homenagens são exibidas em um telão durante o velório nas capelas fúnebres.
O gerente comercial da AM Brum, Anderson Quevedo, relembra que as experiências velatórias de hoje em dias tem sido bem diferente da que havia antigamente, principalmente pelas limitações que haviam nas capelas mortuárias que funcionavam anexo ao Complexo Hospitalar Astrogildo de Azevedo:
— Aqui a gente não vende caixões, nós vendemos homenagens. Quando a empresa chegou em Santa Maria, a gente sentia as deficiências daquelas capelas que tinham no ‘caridade’. A gente via que não tinha estrutura para acolher as pessoas nessa hora difícil. Com as homenagens, a gente traz um pouco mais de carinho para as pessoas — pontua.
Entre os serviços que se utilizam da tecnologia para criar novas memórias durante o adeus, a funerária também disponibiliza o serviço Jóia Preciosa, onde uma placa com QR Code leva o leitor até um memorial digital em homenagem à pessoa falecida, com registro de fotos, vídeos e sua história de vida.
As particularidades de cada despedida
O processo de assimilação do luto tem ganhado aspectos cada vez mais individuais por quem fica. De acordo com o psicólogo Patrick Camargo, o Dia de Finados é o momento de cada pessoa prestar suas homenagens de acordo com a forma que internaliza a sua dor:
— Essa data serve para lembrar os entes queridos, mas precisamos saber que cada um vai processar de uma maneira. A gente tem que respeitar. Nem todo mundo vai ter o mesmo sentimento, a mesma vontade ou, até mesmo, a mesma condição de prestar homenagens. Esse processo envolve uma emoção e um desgaste que muitas vezes as pessoas acabam por se poupar, seja pela questão da distância ou por tudo já apontado — adverte.
O psicólogo também analisa que o processo da despedida, seja pela cremação ou pelos sepultamentos, está muito atrelado às crenças das pessoas. Porém ela afirma que a cerimônia de cremação permite uma relação mais leve com o processo de despedida:
— Ao enterrar um corpo no cemitério, tu passa a ter aquele local como referência. É lá que você vai prestar uma homenagem, acender uma vela ou levar uma flor. Quando há esse local, esse processo de desapego se torna mais difícil. Na cremação não existe isso, porque tu tem apenas o retorno das cinzas que pode estar atrelada a muitas outras manifestações para dar esse adeus, como jogar as cinzas no local que as pessoas gostavam, ou então realizar um último desejo. Existe um conforto para quem pratica esse ato — aponta Patrick.
Os avanços tecnológicos e as consequentes mudanças de comportamento da sociedade alteram, inclusive, os ritos de despedida e maneira de acessar as memórias e homenagear os mortos. Hoje, com uma série de registros digitais feitos em vida, muitos sentem menos a necessidade de vincular a memória de um ente querido a um lugar físico, como um jazigo.
— Antigamente as pessoas morriam, eram enterradas e acabou. Hoje em dia não tem mais isso, temos novas ferramentas que nos fazem lembrar da pessoa com carinho. Então temos muitas formas e maneiras de ressignificar e de enfrentar esse processo de luto — destaca o psicólogo.