Liliane Duarte: agradecer e não esquecer

Tenho muito, muito a agradecer. Inicialmente agradeço a Deus e a Nossa Senhora, que estão sempre comigo. Agradeço à minha família, a meu marido Áureo Felipe, meu amor, e aos meus filhos, o sentido de tudo: João Felipe e Ana Maria. Agradeço também aos vereadores da cidade, que me homenagearam com a distinção de Honra ao Mérito, no último dia 25 de maio. Obrigada, amigos.

Por falar em amigos, só amigos reconhecem no outro o quanto eles se esforçam para fazer o melhor, mesmo frente ao caos. E o mérito é de Santa Maria, desta comunidade que teve que enfrentar o caos no dia em que se vestiu de dor e solidariedade. Eu sou apenas uma de um exército de trabalhadores que, entre muitos objetivos, tinha um em comum: amenizar a dor. Dor que nunca poderá ser esquecida para que em lugar nenhum do mundo possa existir outra Kiss. Viver aquele dia me fez entender muitas coisas que ouvia de meu pai, de minha mãe e de meus muitos mestres ao longo da vida.

Sobre o trabalho árduo daquela noite, preciso fazer uma menção especial à atual tenente coronel Gelsa Frazzon e à major Deborah Day, minhas irmãs de farda que logo vieram a meu auxílio, e em seus nomes, uma menção todos e especial aos bombeiros que atuaram no incêndio e também a todos que trabalharam naquele triste dia, e foram muitos. Foram muitos que trabalharam e todos tentaram fazer o seu melhor. Embora também, nestas situações, tenhamos visto o pior de algumas pessoas, o que contribui para o nosso aprendizado. Sim, viemos à vida para apreender, e costumo dizer que eu também vim a trabalho. Hoje a luta tem sido pela vida e pelo tratamento das sequelas físicas e psicológicas dos sobreviventes, de suas famílias e amigos. Esta é uma luta para honrar as 242 mortes. Tivemos muita resiliência, e um espírito de equipe e união tomou conta de todos.

De 2013 para cá, algumas coisas mudaram: tivemos alguns avanços importantes com a Lei Kiss, Lei nº 13.425, de 30 de março de 2017, que estabelece diretrizes gerais sobre medidas de prevenção e combate a incêndio e a desastres em estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de público. Podemos citar também a necessidade de se colocar em prática as recomendações para o uso de Hidroxocobalamina no tratamento de intoxicações por cianeto, divulgadas pelo Comitê Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias (Conitec) para o SUS. Por fim, a tragédia demonstrou a necessidade de se estabelecer mecanismos de segurança para os dispositivos em eventos de grande porte, em especial.

Acima de tudo, há fatos que não podem ser esquecidos para que não sejam recontados em outro momento, com outros sujeitos. Santa Maria não merecia esta tragédia, ninguém merece. Mas o fato de ter sido aqui nos traz uma enorme responsabilidade: lutar para que jamais se repita. E esta Casa pode fazer muito para isso. Lutem, lutem juntos, cuidem desta cidade, construam “pontes de diálogos”, vejam o que nos une, o que nos iguala. Sim, o que nos iguala é o fato de sermos humanos. O humano é solidário e, em nome desta solidariedade, quero mais uma vez agradecer a esta casa e compartilhar com todos que trabalharam este reconhecimento. O mundo precisa de amor, precisa de cuidados e pessoas de coragem para trabalhar para melhorar este mundo.

“O mundo precisa de amor” – isto ficou muito claro para mim. E depois daquele dia procurei ser melhor, acordar as pessoas para a necessidade de melhorar, muitas vezes sem muita paciência, pois sinto as fraquezas, o desconhecimento, o descaso, mas sempre tentando o meu melhor, o mais correto, o mais justo mesmo frente às injustiças… Busquei isso em todos os lugares: na Brigada Militar, na Secretaria de Saúde e hoje no Lar das Vovozinhas. Tenho tentado fazer da minha vida um caminho de pontes e ajuda. Deus não me colocou aqui em vão, tenho que tentar ser melhor e ajudar.

Obrigada, meus amigos, pelo carinho, mas são inúmeras as noites que rezo e peço que isto nunca se repita. Obrigada, Deus, por me capacitar para poder ajudar naquele triste dia. Eu acredito nos homens e mulheres desta Casa e desejo que continuem no caminho de construir uma Santa Maria melhor.

Leia todos os Colunistas