“O destino da humanidade é desconhecido, mas sabemos que o processo de existir modifica-se”.Edgar Morin
A tempestade é uma força magnifica da natureza: ventos fortes, trovões, relâmpagos e medo. O dia amanhece assim. De repente, não mais que de repente, uma explosão! Um canhão poderoso atirado dos céus. Alarmes soam por todo lugar. A cidade desperta. Alguns gritos sufocados pelo barulho. Silêncio. De súbito, fico tomado por intensas recordações. Talvez seja nostalgia. Um movimento natural ao envelhecer. Rabisco num pedaço de papel: “Nada será reparado e tudo será esquecido”. Mordo os lábios.
Na oração da manhã, conclamo as palavras de Santo Tomás de Aquino: “Dê-me, Senhor, agudeza para entender, capacidade para reter, método e faculdade para aprender, sutileza para interpretar, graça e abundância para falar, acerto ao começar, direção ao progredir e perfeição ao concluir”.
Santo Tomás de Aquino foi o maior expoente intelectual da filosofia escolástica. Fortemente influenciado por Aristóteles, a filosofia dele é fundamental para a Igreja Católica até os dias de hoje. Ele promoveu um debate que ecoa na contemporaneidade: a convergência entre a fé e a razão. Para Aquino, a fé e a razão seriam, muitas vezes, rios que desembocam num mesmo oceano.
No campo da política, Santo Tomás de Aquino compreendia que o homem é um animal social e político, a família é a primeira associação, e o Estado, sua ampliação e continuação.
A partir disso, podemos constatar que os seres humanos – ao longo do tempo – construíram e constroem a ética da comunidade.
As raízes da comunidade mergulham profundamente no mundo vivo. Lembremos que as formigas, os cupins, as abelhas sentem automaticamente a devoção à comunidade.
Os mamíferos, ainda que opondo-se em rivalidades a outros membros da sua sociedade pela alimentação ou o sexo, são solidários pelo interesse comum da defesa ou da caça.
No campo da sociobiologia, dizem os especialistas que existe um gene de solidariedade.
Nas sociedades arcaicas, a solidariedade é cimentada, justificada pelo mito do antepassado comum e pelo culto aos espíritos ou deuses da comunidade.
Pensemos no caso da família. A família é o lugar onde a solidariedade nasce de si mesma. Onde há (ou deveria existir) o amor, do respeito e até do culto prestado à mãe e ao pai. Vale ressaltar que o culto da família alimenta-se do culto dos parentes mortos. Respeito e dignidade aqueles que viveram antes de nós e que viverão depois de nós partimos.
Neste sentido, a ideia de pátria é o mito que alargou ao conjunto de uma nação as características intrínsecas a solidariedade familiar. Ou seja, a palavra pátria contém si a substância materna e paterna. O amor e a obediência da parte dos “filhos da pátria” que são fraternos uns com os outros. Não existe na ideia de Pátria a separação/desvinculação entre eles/nós.
Esta ideia afetiva e efetiva de Pátria esteve presente nas sociedades arcaicas ou tradicionais e buscaram na – medida do possível – trazer para as sociedades nacionais modernas e contemporâneas. Infelizmente, governos nacionais, em diversas partes do mundo, não compreenderam o verdadeiro significado e deturparam o sentido. Na atualidade, no atual desgoverno e demolidor governo Bolsonaro mudaram e usam o conceito de Pátria de forma vergonhosa e infeliz.
A ideia de Pátria está ligada a ética da comunidade no qual é fundamental a empatia, a compaixão, a responsabilidade coletiva e a solidariedade entre os membros.
O pensador francês Edgar Morin entende que esta ética da comunidade pode ser alargada a todos os humanos em qualquer lugar. É a ideia da Terra-Pátria. Não se nega a solidariedade nacional ou étnica. Mas há algo maior. Ela confere à fraternidade a origem necessária da maternidade. Não há irmãos sem Mãe. Nossa Mãe é a Terra-Pátria. Como dizem os autores Valdo Barcelos e Sandra Maders é possível pensarmos numa era de acolhimento, de amor sem exigências e expectativas, de respeito ao outro, de reconhecimento ao outro. Isso é possível?
Texto em homenagem aos sonhadores desse mundo caótico e incerto e ao indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Philips.
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