Gratidão

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Gratidão

Vi o Pantanal sendo consumido pelo fogo. Pássaros desatinados voando sem rumo. E a onça-pintada com as patas queimadas gotejando sangue.

Vi barragem rebentando e sufocando pulmões e rios com lama.

Vi as balsas nos rios amazônicos carregadas com milhares de gigantescas toras de árvores ilegalmente derrubadas.

Ouvi metralhadoras cantando seu ódio e esparramando cérebros e tripas em diversos morros e comunidades.

Mas também vi maçãs maduras caindo do pé.

E um sol que se levanta. E senti cheiros antigos.

E revi faces amigas. E lembrei de rostos mortos.

E aprendi a dizer não. E aprendi a dizer sim.

E salvei náufragos. E eu mesmo, por mais um ano – por milagre – cheguei à praia.

E escutei discussões sem delas participar.

E ouvi queixas. E fiz queixas. E se queixaram de mim.

Fiz um poema. Foi um ano violento. Muita doença. Muita morte.

Mas consegui erguer paredes. Fazer barricadas. E fixei quadros de crianças.

E sonhei com mulheres adormecidas.

Fui segunda-feira.

E me transformei em sábado também.

E consegui ser domingo. Apesar da lama da barragem. E do terror de Paris. Da violenta explosão química no Líbano.

Busquei – e alcancei – o Norte.

E busquei o leste.

E fugi para o oeste.

E não pressenti o sul.

Como por milagre, passei por tardes loiras.

E conheci o amor.

E acompanhei cardumes. E me perdi com eles.

E achei um cavalo-marinho. E recolhi conchas.

E me transformei em faca. E anzol. E rede.

Lembrei de uma sereia que falou comigo na praia de Canasvieiras há anos.

Gaivotas drogadas voavam por sobre meus cabelos.

E estive em terras longínquas vendo a insanidade no deserto da Síria.

E ouvi metralhadoras e sangue jorrando ao som do rock em Paris.

E a dor da revolta perplexa queimou minha pele de pecador.

E toquei tambores de guerra.

Mas orei forte em nome de Jesus e minha alma fumou o cachimbo da paz.

E então andei por estepes. E descampados verdes. E desci ao fundo das minas.

E naveguei por mansos canais azuis. E regressei à minha realidade.

E aqui estou – aos 78 anos – saudável. Sentado ao entardecer olhando os morros de Santa Maria.

Pensando nos meus filhos, netos e minha mulher.

Entro em comunhão com a Energia do Universo. Com o caudal da Vida.

E me entrego totalmente nas mãos de Deus. Recebi muita generosidade d’Ele.

E quero agradecer por isso publicamente! Enquanto tenho tempo.

Obrigado, Senhor!

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