Todos os dias, ao entardecer, pegava os aventais da minha mãe, estendia-os no chão e colocava meus pés sobre eles, dando forma a duas lindas sapatilhas que contornavam com suas fitinhas meus tornozelos e me faziam sonhar. Levantava do chão e saía deslizando pela casa sussurrando sons que a todo momento ditavam os mais diversos ritmos. Essa ação se repetia, ao passo que, pelo reflexo da luz nos vidros da sala, a imaginação se concretizava rodopiando e saltitando em meu corpo. Dia após dia foi crescendo em mim uma força que me fazia sonhar com algo que parecia muito distante. Passados alguns anos, já estando no Ensino Médio, fui convidada por uma colega da escola, chamada Viviane M. Antunes Tondolo, para fazermos uma aula experimental de ballet. Lá fomos nós, cheias de sonhos e curiosidades. Fizemos a aula e ficamos encantadas. Mas eu não teria como fazer, pois não teria como pagar as mensalidades e nem ousaria ter a coragem de pedir para meus pais devido às nossas condições na época.
Como a vontade era imensa, percebi que conseguiria guardar o valor que recebia eventualmente dos meus pais para fazer o lanche na escola e, assim, pagar as mensalidades. Iniciei as aulas, com muito receio por não ter contado para eles, nem pedido autorização e por tamanha timidez que sempre tive. As aulas com minha primeira professora de ballet, a Bia Isaia, foram encantadoras. Ela era perfeita e tinha uma didática fascinante para ensinar. E, assim, os dias foram passando e o desejo por dançar aumentando. Os melhores momentos da semana, eram os dias das aulas de ballet. Passados alguns meses, fomos informadas de que teríamos a apresentação de final de ano e que seria às 20h no Clube Caixeral.
Primeira apresentação de Ballet aos 13 anos de idade no Clube Caixeral em Santa Maria RS. Foto: Arquivo pessoal
Como que eu iria? Não tinha como sair à noite sem a presença dos meus pais. Criei coragem e contei a verdade para eles que ficaram bravos e um tanto desconfiados mas me acompanharam quase que sem acreditar. Após a apresentação meus pais me abraçaram e falaram que eu poderia contar sempre com eles. Desde aquele dia, meu corpo ficou permeado de sonhos possíveis e nunca mais deixei de dançar.
Minha dança é minha voz, minha dança é minha escrita, minha dança é meu respirar, minha dança é meu amar. Foi preciso ousadia e coragem para escrever com os pés, envoltos por aventais, o que tanto desejava em minha vida: ser compreendida pelo corpo. As escolhas que foram sendo feitas em meu processo de crescimento pessoal e profissional, levaram-me a perceber a potência de um corpo expressivo que muitas vezes fala mais que a própria escrita.
Busquei na dança, na educação física e no teatro, possibilidades de compreender aquilo que muitas vezes não encontrei palavras para dizer e escrever. Assim, continuo dançando e interpretando a vida como uma possibilidade de fala e de escuta de mim e do outro para compreender um mundo possível, um mundo que agrega todas as formas de expressões.
Daniela MinelloPossui graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria (1996), graduação em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Santa Maria (2009), Especialização em Psicopedagogia pela Universidade Franciscana (UFN) (2011), Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (2006) e Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (2018). Tem experiência nas áreas de Educação Física, Dança, Teatro e Musicais. Integrante do grupo de pesquisa Gepaec (Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte, Educação e Cultura). Atua como professora substituta no Departamento de Metodologia do Ensino de Educação Física do Centro de Educação da UFSM. Atualmente faz parte do grupo de pesquisa Cia. de Dança/Coisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul sob coordenação da professora Luciana Paludo e do grupo de Pesquisa e Extensão Corpografias da UFSM sob orientação da professora Neila Baldi. Atua também como integrante do grupo de apresentadoras de TV no programa Jogo de Cintura da TV Diário e Rádio CDN. Mas o principal que rege as demais experiências, é ser mãe do Pedro e do Francisco, filha do seu Mario e da dona Rene, irmã da Maricleia e da Raquel e tia da Rhayana, da Rafaela e da Natália. Instagram: @danielaminello e @bagulhafitnesse