Diálogo

Como conversar com crianças e adolescentes sobre violência nas escolas e disseminação de discursos de ódio nas redes sociais

Como conversar com crianças e adolescentes sobre violência nas escolas e disseminação de discursos de ódio nas redes sociais

Foto: Eduardo Ramos (Diário)


Idolatrar atos violentos, gravar vídeos com armas e proliferar discursos de ódio são atividades que fazem parte de determinados grupos nas redes sociais. Diante dos ataques recentes em escolas do país, a disseminação de notícias falsas e a glorificação dos atos começaram a repercutir no meio digital. Além do diálogo entre os órgãos de segurança pública dos municípios e as instituições de ensino sobre medidas de proteção à comunidade escolar, outro ponto discutido para garantir a segurança dos jovens é conversar sobre o assunto. 

Em 27 de março, quatro professores e um aluno foram esfaqueados dentro da Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo. A professora Elisabete Tenreiro, 71 anos, teve uma parada cardíaca e morreu no Hospital Universitário, da USP. Na manhã do dia 5 de abril, uma creche particular, na cidade de Blumenau, em Santa Catarina, foi alvo de um ataque. Quatro crianças morreram. 


Um levantamento, feito por um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) contabilizou 23 ataques a escolas brasileiras desde 2002 (sem incluir o caso de Blumenau) com um total de 35 mortes. Isso quer dizer que, em 20 anos, de 2002 até julho de 2022, foram 13 ataques, uma média de pouco mais de um ataque a cada dois anos.

Disseminação do discursos de ódio em ambiente digital

Ataques racistas, misóginos e de intolerância religiosa não são discursos exclusivos da internet. No entanto, nas redes sociais começaram a alcançar níveis maiores. O isolamento social foi um dos fatores que ampliou os debates no ambiente digital, mas um dos aspectos negativos foi a disseminação de notícias falsas e manifestações contra grupos sociais. Conforme a professora universitária Bruna Bastos, doutoranda em direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), as pessoas sentem-se livres e seguras atrás das telas.

— Essas pessoas sentem que nada que falarem no mundo digital vai ter algum tipo de responsabilização para elas, que isso talvez não tenha impacto no mundo offline. Digamos assim, então elas se sentem mais livres para perpetuar os seus preconceitos.

Já em relação aos jovens, e até mesmo crianças, as redes sociais não foram desenvolvidas exclusivamente para eles. O Instagram e o Facebook têm uma política de privacidade que não permite o uso até os 13 anos, mas as crianças e adolescentes estão nesse meio. 

— A gente tem uma rede social, uma plataforma, todo um conjunto de algoritmos voltados para adultos. Não temos uma proteção a essas pessoas, não tem uma proteção integral que é o que a gente trabalha no mundo jurídico. Ainda tem uma filtragem de conteúdo muito deficitária nas redes, então eles conseguem acessar qualquer conteúdo – explica a professora. 

Redes sociais mais usadas pelos jovens

A desinformação e os discursos de ódio ocorrem nas mídias digitais que não têm uma filtragem concreta dos conteúdos, como o TikTok e Telegram, por exemplo. Uma pesquisa, publicada em 2022, com 2,6 mil crianças e adolescentes, da TIC Kids Online, divulgados pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, aponta que crianças entre 9 a 10 anos, 92% já estão conectadas à internet. 

As redes sociais mais usadas, entre jovens de 9 a 17 anos, são:

  • O WhatsApp (80%), o Instagram (62%) e o TikTok (58%). 
  • O TikTok já superou Instagram e Facebook na faixa até 14 anos
  • Já entre adolescentes dos 15 aos 17 anos, o Instagram ainda fica bem à frente do TikTok (52%, ante 21%)

Por que é preciso falar de regulamentação das redes?

Em 2021, o Facebook e o Instagram começaram a ter sinalizações para os usuários avisando sobre postagens relacionadas a notícias falsas. Já outros meios digitais, como o TikTok, não tem políticas voltadas para discursos de ódio ou desinformação. A professora universitária Bruna Bastos, especialista em direitos da sociedade em rede, comenta que os conteúdos dessa mídia não são filtrados, por isso os jovens podem acessar qualquer tipo de publicação e começam a formar opiniões baseadas nessas questões problemáticas. 

Em um estudo elaborado pela antropóloga Adriana Dias foi constatado aumento sem precedentes na quantidade de núcleos nazistas e extremistas. Segundo a pesquisa, células de grupos nazistas cresceram cerca de 270% no Brasil, entre janeiro de 2019 a maio de 2021. 

— As crianças e jovens começam a replicar esse tipo de discurso e a incitarem esse tipo de violência preconceituosa e discriminatória nos ambientes que elas frequentam e, não apenas online, mas também presenciais — relata a professora universitária Bruna Bastos. 


O que é a regulamentação?

Em 2014, foi estabelecido no Brasil o Marco Civil da Internet que regula as redes sociais no país. Entretanto, a legislação não responsabiliza as plataformas pelas publicações feitas pelos usuários, mesmo que sejam relacionadas a manifestações violentas ou informações falsas. No Brasil, não existe nenhuma legislação específica que trate sobre discurso de ódio. 

No que a regulamentação pode ajudar? 

A doutoranda da Unisinos explica que o maior problema das plataformas é que não existe nenhum tipo de transparência, por exemplo:

  • Como esses conteúdos são ou não são filtrados?
  • Que tipo de publicação é proibida?
  • Quais critérios utilizados para apagar conteúdos?

A falta de transparência das plataformas, afirma a pesquisadora, dificulta os usuários, em especial crianças e adolescentes, entender o que é prejudicial ou não e fomenta cada vez mais a desinformação e os discursos de ódio no cenário digital e na “vida real”.

O governo federal divulgou nesta quarta-feira (12) um material sobre como os pais e as escolas podem conversar com os jovens e crianças sobre o assunto. A professora Gina Vieira, pesquisadora em educação no Distrito Federal aponta que dialogar com as crianças sobre o que está acontecendo requer que os pais superem a perspectiva ingênua de acreditar que a violência na escola é algo relativo ao ambiente escolar. Gina Vieira entende que mensagens de ódio e desinformação passaram a ocupar espaço central no país.

Para a psicopedagoga Ana Paula Barbosa, que também é professora de psicologia e pesquisa o desenvolvimento infantil, é fundamental que os adultos não neguem às crianças a possibilidade de sentir e se emocionar. É preciso que as famílias estejam dispostas para essa conversa. 

– Elas vão perguntar: ‘mãe, o que está acontecendo?’, ‘morreram crianças?’” Não negue e não se afaste. Acolha a criança e pergunte em que espaço ela ouviu aquela informação. Então, traga a criança para perto. Perguntar o que ela está sentindo e explicar o que é o medo.

1 – É importante preservar as crianças, mas não esconder, mentir ou fugir de temas como a violência nas escola

2 – Crianças devem ser informadas que os adultos estão atentos à segurança delas

3 – Fundamental que o adulto mostre-se disponível para conversar

4 – Adultos não devem julgar os sentimentos das crianças (nem dos adolescentes)

5 – Observar e se aproximar dos pequenos para identificar o que estão recebendo via redes sociais

6 – Importante não potencializar um evento

7 – Explicar que o medo faz parte da vida de todo ser humano e que as crianças são protegidas pelos adultos

8 – Pais e profissionais da educação devem estar mais próximos para garantir a serenidade diante do momento

9 – Adultos devem orientar adolescentes contra a satirização ou distorção dos eventos

10 – Crianças devem ser incentivadas a se expressar, mas não forçadas

Sinais no comportamento de crianças e de adolescentes

Com os ataques nas escolas, várias notícias falsas começaram a circular nas redes sociais, algumas relatando que o ataque à creche de Blumenau poderia ser parte de um jogo, antes mesmo de a polícia investigar. Com a repercussão, voltou a discussão sobre como os jogos virtuais violentos e a dependência tecnológica podem influenciar no desenvolvimento dos jovens e crianças. O próximo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) vai abordar a dependência dos eletrônicos como transtorno.

Em relação ao aumento dos ataques violentos em escolas e dos discursos de ódio nas redes sociais, o psicólogo cognitivo comportamental de crianças e adolescentes Patrick Camargo relata que esses comportamentos intensos se dão por diversos fatores, sendo um deles, a dificuldade de os jovens lidarem com as frustrações do mundo fora das telas e externalizam nos jogos, por exemplo. 

— Quanto mais a pessoa joga, mais ela ganha ativação de prazer do cérebro e, consequentemente, vai querer aquele momento de novo. Então, essa questão dos jogos e da raiva é um sentimento muito intenso. E esse acesso à informação fácil faz com que eles acham que tudo é permitido como se fosse uma terra sem lei. Como a internet muitas vezes é vista, só que a gente sabe que não. 

De acordo com o psiquiatra e psicoterapeuta do Instituto de Psiquiatria de Santa Maria Gustavo Salvati, os jogos violentos não necessariamente ocasionam uma reprodução direta de violências criminais, mas podem aumentar comportamentos e pensamentos agressivos.

— Além de diminuir a capacidade de ter sentimentos de empatia, causando uma insensibilidade emocional. Crianças que jogam “games” mais violentos têm maior probabilidade de ter pensamentos, sentimentos e comportamentos que também podem levar à depressão. Estamos falando aqui daquele indivíduo que utiliza e acessa de forma desenfreada e sem limites os mais diversos conteúdos disponíveis na mídia digital.

Camargo e Salvati explicam quais são as mudanças nos comportamentos dos jovens e das crianças, que começam a ficar dependentes do mundo virtual, que os pais e professores podem ficar atentos e até mesmo buscar ajuda especializada quando necessário.

  • Começam a ficar mais agressivo no ambiente familiar 
  • Alterações no sono
  • Irritabilidade mais acentuada
  • Cada vez mais isolados do convívio social
  • Sintomas de ansiedade e de fobia
  • Mudanças no humor
  • Prejuízo no rendimento escolar
  • Comportamentos de irritabilidade na sala de aula

Os especialistas elencam o que os responsáveis podem fazer quando notarem essas mudanças nos jovens e nas crianças:

  • Escutar, observar e acima de tudo aproximar-se do filho
  • Não tornar esse cuidado em obsessão e não criar um cenário de pânico prejudicial para todos
  • Cuidar na hora de conversar sobre esses assuntos, para o diálogo não ser um trauma adicional para a criança
  • Os familiares precisam se tranquilizar e não passar ansiedade aos jovens
  • Monitorar e encontrar estratégias para que eles tenham outras fontes de liberar o hormônio dopamina, que causa sensação de prazer e satisfação
  • Delimitar o uso da internet e tentar buscar atividades extras, como exercícios físicos 

Medidas de segurança em Santa Maria

O PhD em Educação Digital Ygor Correa explica que é necessário os estados e municípios pensarem em como assegurar a segurança das crianças e adolescentes, por meio de programas educacionais, como patrulhamento escolar, ter treinamento para os profissionais da educação de como agir nesses momentos, além de capacitar alunos também para situações como essas. 

Em Santa Maria, na segunda-feira (10), foi anunciada a ampliação da segurança nas escolas, com a instalação de botões de pânico, monitoramento das redes sociais e aumento do patrulhamento. 

— Além das rondas feitas pela Guarda Municipal nas escolas e das câmeras de videomonitoramento, agora, as escolas também terão o botão do pânico. Mais uma forma de garantir conexão com nossos órgãos de segurança, para dar mais tranquilidade aos funcionários, alunos e aos pais das nossas comunidades escolares — explica o prefeito Jorge Pozzobom.

As primeiras escolas que vão receber o botão do pânico são aquelas que mais registram chamados da Guarda Municipal. De acordo com Sandro Nunes, superintendente do Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp), esse foi o critério adotado para orientar o início da instalação dos dispositivos, que vai ser feito em 30 instituições neste primeiro momento. Após, o objetivo é englobar todas as 80 escolas da Rede Municipal.

No Estado, o Departamento de Inteligência da Segurança Pública (Disp) e as agências de inteligência das forças de segurança estão acompanhando o tema. O patrulhamento da Brigada Militar também foi reforçado em áreas estratégicas. O comandante-geral da Brigada Militar, Cláudio dos Santos Feoli, afirmou que os canais de denúncia seguem abertos e, nesse momento, o trabalho coletivo deve ser priorizado para evitar ataques e desinformação.

Checagem

O delegado regional de Santa Maria, Sandro Meinerz, orienta que o primeiro passo a ser feito é não compartilhar áudios, vídeos e fotos que tenham sido recebidos pelas redes sociais. O segundo passo é realizar a checagem junto aos órgãos oficiais de segurança. É possível ligar e denunciar as mensagens: 

  • Centro Integrado de Operações de Segurança Pública de Santa Maria – (55) 3921-7167 ou WhatsApp (55) 99217-8122
  • Disque denúncia da Polícia Civil de Santa Maria – WhatsApp 55 55 8423-2339

Atitude estranha na escola? Confira os canais de denúncia

  • Denúncias sobre ameaças de ataques podem ser feitas ao canal Escola Segura, criado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com SaferNet Brasil. As informações enviadas ao canal serão mantidas sob sigilo e não há identificação do denunciante. No campo, é possível registrar um link recebido com postagem sobre ataque e comentário
  • Também é possível fazer a denúncia por telefone: Polícia Civil 197 e Secretaria de Segurança Pública 181. 
  • A Polícia Civil do RS também está à disposição pelo WhatsApp (51) 98444-0606
  • Em caso de emergência, a orientação é ligar para o 190 ou para a delegacia de polícia mais próxima

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