Carregando e sofrendo e seguindo a canção

Daniele Bressan

Certo dia, em um dos raros momentos de descanso entre um período e outro, fiquei observando uma pombinha na praça Saldanha Marinho. A ave estava aflita, pois tentava erguer, sem êxito, um galho qualquer. Bom, para mim era um agalho qualquer, quem sabe, para a pombinha exausta, o galho era um pedaço absoluto e único naquele momento. De qualquer forma, por que aquele galho? Por que erguer e carregar algo que, tranquilamente, poderia ser substituído por outro? O que ocorreu ali, está longe do que acontece com a tartaruga, por exemplo. O réptil carrega a casa nas costas, e isso não poderia ser diferente. A tartaruga, por sua natureza, não tem escolha. Já a ave, insistente, tinha inúmeras opções, mas continuou exaustivamente tentando levantar e carregar aquele galho grande e pesado, mesmo sabendo que o era impossível.

Na natureza de alguns animais, assim como na vida dos seres humanos, carregam-se coisas que não se pode e, pior, das quais não se precisa. Então, por que insistir em carregar tantas ideias, tantos objetos, tantas dores, tantos amores?

Uma mãe que coloca no colo o filho que está chorando tem a escolha de não o carregar, mas não fará isso: é amor de mãe, nem dá para discutir. Uma pessoa que mora no 4º andar de um prédio em que não há elevador e decide comprar uma melancia está disposta a carregar a fruta saborosa, fibrosa e hidratante. Um turista, em uma viagem à Índia, traz inúmeros presentes e artefatos que irão certamente lhe pesar a bagagem, mas é uma decisão consciente e triunfante.

Quantos de nós já carregamos em algum momento algo totalmente desnecessário? Do que vale nos encher de tralhas físicas e mentais? Em que se pese os nossos valores, podemos sim nos livrar de muita bagagem acumulada durante anos. Acredito que não só podemos, como precisamos nos desvencilhar de tanto entulho.

Ao que me parece, os lixos mentais são os piores. São os que mais atrapalham o nosso andar para frente. São os que mais empacam a nossa felicidade e leveza em relação à vida. 

A nossa existência e feita de ciclos que se iniciam e se fecham. Deixar para trás algumas coisas é uma forma de fecharmos os ciclos. É difícil de livrar dos itens a que tanto fomos apegados? Sim, muito difícil, mas não é impossível. Impossível é querer, tal qual a pombinha, carregar galhos – que acreditamos ser absolutos- mesmo não podendo.

A leveza do que carregamos na vida só depende de nós. Tudo são escolhas. Ou decidimos seguir com o peso do desnecessário e, assim, continuamos sofrendo e seguindo a canção, ou catamos os feijões carunchados, colocamos no lixo e partimos para a limpeza e leveza que as nossas escolhas podem nos oferecer.

Alguns são pomba; outros, tartaruga. Se dá para escolher, é melhor que o façamos para prosseguir sem ter pena do que ficou para trás.

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