“A sensação é de esquecimento”: quatro meses após virar bairro, moradores do Passo das Tropas seguem à espera de melhorias

*Colaborou: Rian Lacerda

“A sensação é de esquecimento”: quatro meses após virar bairro, moradores do Passo das Tropas seguem à espera de melhorias

Vinicius Becker ( Diário )

Mesmo após quatro meses do decreto que transformou, oficialmente, o Passo das Tropas no 42º bairro de Santa Maria, a população ainda não sente os efeitos da mudança. Moradores relatam que a denominação não se traduziu em melhorias concretas e o sentimento de esquecimento persiste — reflexo de um histórico de abandono na região sul da cidade.

+ Receba as principais notícias de Santa Maria e região no seu WhatsApp

A transformação do Passo das Tropas em bairro foi oficializada em 12 de agosto de 2025, após aprovação unânime na Câmara de Vereadores. A proposta, de autoria do vereador Lorenzo Pichinin (PSDB), que tem base eleitoral na região, tinha como objetivo garantir avanços em infraestrutura, saneamento e regularização fundiária — reivindicações antigas de uma comunidade que, anteriormente, pertencia ao distrito de Pains.

O Passo das Tropas é considerado área urbana desde 2015, conforme a Lei Complementar nº 102, mas ainda sem o reconhecimento oficial como bairro. Atualmente, o local conta com 650 moradores. 


“Agora somos bairro, mas ainda sem endereço”

Foto: Vinicius Becker (Diário)

Na prática, o entusiasmo inicial deu lugar à frustração. As mudanças prometidas não chegaram e o cotidiano segue marcado pela falta de infraestrutura. Entre as principais demandas, os moradores citam:

  • Ruas sem pavimentação e com manutenção irregular;
  • Iluminação pública precária;
  • Paradas de ônibus danificadas ou inexistentes;
  • Escassez de horários e linhas de transporte coletivo;
  • Ausência de CEP e serviço de Correio;
  • Falhas no saneamento básico e drenagem.

Em meio à poeira e às dificuldades diárias, a comerciante Sabrina Maria da Costa Peres Tavares, 43 anos, observa o movimento em frente ao seu pequeno mercado. Ela conta que, desde a oficialização do bairro, nada mudou:

– Aqui, no meu ponto, não mudou nada. A única coisa foi a luz, que eu mesma pedi. Fora isso, é poeira no verão e barro, no inverno. As crianças vão para a escola todas sujas, os carros estragam, e o ônibus nem sempre entra. A gente espera que, agora sendo bairro, a prefeitura olhe pra cá – afirmou a comerciante. 

Sabrina também demonstra preocupação com uma pequena ponte na Travessa Tavares, danificada desde as enchentes de 2024. O trecho recebeu reparos provisórios, mas voltou a ceder nas chuvas deste ano. Hoje, o que resta é um caminho estreito, sustentado por galhos, sacos de terra e pedras colocados pelos próprios moradores.

Foto: Rian Lacerda (Diário)

– Na enchente, o pessoal ficou ilhado. A ponte foi levada e depois remendaram, mas quebrou de novo. Nós compramos o material para arrumar e poder passar. Quando chove, nem o ônibus das crianças consegue cruzar – comentou.

A cena se repete a cada temporal: homens e mulheres se reúnem nos fins de semana para consertar o que conseguem, numa tentativa de garantir que o bairro não fique isolado novamente.


“É uma sensação de estar esquecida”

Foto: Vinicius Becker (Diário)

A empresária Débora Regina Buhrer da Silva, 34 anos, define o reconhecimento do bairro como um marco simbólico, mas sem reflexos práticos no cotidiano.

– Antes, diziam que era área rural, que não podia isso ou aquilo. Agora, pelo menos, podemos dizer que somos bairro, mas falta o básico. Não temos correio, nem CEP, as entregas não chegam. E quem vai abrir comércio no meio da poeira? Não tem pavimento, não tem esgoto, a luz cai toda hora. O posto de saúde é pequeno e precisa de melhorias. A gente cresce, mas o poder público não acompanha. É uma sensação de estar esquecida – explicou. 

O agricultor aposentado Alceu Flores de Souza, 71 anos, vive no Passo das Tropas há mais de quatro décadas e diz que pouca coisa mudou desde então. O problema do esgoto a céu aberto, por exemplo, persiste.

– É um cheiro que não dá nem pra almoçar. A gente fecha tudo dentro de casa. Quando chove, a água invade e o esgoto volta. E ninguém aparece pra resolver – pontuou Alceu. 


Regularização fundiária: o passo que falta

Outro desafio é a regularização dos terrenos. Muitos moradores ainda não possuem matrícula dos imóveis, o que impede o acesso a serviços básicos, como a ligação regular de energia elétrica.

Em resposta, o secretário municipal de Habitação e Regularização Fundiária, Wagner Bittencourt, afirmou que o processo está em andamento e que o reconhecimento do bairro “facilita a implementação de políticas públicas”.

Atualmente, o Passo das Tropas conta com oito núcleos já regularizados e outros sete em processo de regularização. Até o momento, mais de 300 matrículas foram registradas, e a expectativa é de que todos os núcleos gradualmente passem a integrar o programa, consolidando o avanço da política de regularização fundiária na localidade.


O que diz a Prefeitura

A prefeitura de Santa Maria informou, por meio da Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade Urbana, que realiza investimentos de forma permanente em todas as regiões da cidade. Sobre o Passo das Tropas, destacou que, por ser uma área com características de interior, os serviços são executados de forma periódica, conforme cronograma técnico ou em caráter emergencial.

A nota acrescenta que a manutenção de estradas, pontes, abrigos de ônibus e iluminação pública depende da disponibilidade de materiais e equipes. A Prefeitura também reforça que as solicitações podem ser feitas pelo telefone (55) 3174-1566, de segunda a sexta-feira, das 7h30min às 12h e das 13h às 16h30min.

Quanto ao transporte coletivo, a Secretaria de Serviços Públicos informou que não há ampliação prevista no momento, mas que ajustes poderão ser feitos conforme a demanda.

O que diz o autor do projeto

O vereador Lorenzo Pichinin reconhece que o avanço é gradual, mas defende que há progresso.

– O LED já chegou, as escolas estão recebendo melhorias, e duas novas paradas de ônibus foram instaladas. Muitos moradores ainda não eram contemplados em programas de auxílio porque, no papel, o local simplesmente não existia. Agora estamos corrigindo isso com novos projetos para oficializar estradas. Além disso, resolvemos um problema de esgoto na escola João da Maia Braga. Mas ainda há muito por fazer – disse o vereador. 

Segundo ele, estão sendo buscados recursos por meio de emendas parlamentares e mantido diálogo com secretarias municipais para acelerar as obras:

– Agora é que a luta começa. A partir do momento que o bairro é reconhecido, podemos planejar, cobrar e buscar investimentos. Estamos trabalhando para conseguir calçamento, melhorias nas pontes e regularização das ruas, o que permitirá a instalação do CEP – afirmou. 


Esperança que resiste

Foto: Rian Lacerda (Diário)

Apesar dos desafios, o sentimento de resistência é o que move os moradores do Passo das Tropas. Entre um atendimento e outro no pequeno comércio, Sabrina resume o sentimento coletivo:

– A gente reclama, claro, mas também acredita. Quando virou bairro, foi uma conquista. Agora, falta virar prioridade. A gente só quer viver com dignidade — e isso começa quando o poder público enxerga que a gente existe – conclui a comerciante. 



Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

POR

Vitória Sarturi

Santa Maria tem 129 vagas de estágio abertas pelo CIEE-RS Anterior

Santa Maria tem 129 vagas de estágio abertas pelo CIEE-RS

“A Gare oferece estrutura mais adequada”, avalia secretário sobre novo espaço do Festival do Xis Próximo

“A Gare oferece estrutura mais adequada”, avalia secretário sobre novo espaço do Festival do Xis

Geral