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Presidente da Andifes diz que cortes preocupam e aponta cenário difícil para universidades em 2022

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Foto: Pedro Piegas (Diário)
Reitoria da Universidade Federal de Santa Maria

O orçamento das universidades federais para 2022 é tema de discussão e preocupação entre as instituições. A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) trabalha com um orçamento discricionário de R$ 125 milhões, abaixo de patamares praticados em 2019, último ano completo com aulas presenciais. A situação preocupa reitores das 69 universidades, representados pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

O presidente da Andifes, Marcus Vinicius David, que também é reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), de Minas Gerais, concedeu entrevista ao Diário e avaliou o cenário das universidades para 2022. Ele classificou a situação como preocupante e traçou um ano difícil para as instituições, que trabalham com orçamentos reduzidos nos últimos anos. A falta de investimento gera precarização e cortes na manutenção e em contratos mantidos pelas universidades. Na entrevista, David coloca a luta pela reposição orçamentária como uma das principais pautas do ensino superior federal para o ano de 2022. Confira:

Diário - No ano passado, a Andifes estimou um orçamento de quase R$ 7 bilhões necessário para o funcionamento das federais. Entretanto, o orçamento sancionado foi de R$ 5,3 bilhões. Diante desse orçamento e do retorno das aulas presenciais neste ano, qual é a situação das universidades? Existe a possibilidade de colapso?

Marcus David - Nos preocupa muito. Ao fazer a comparação com 2019, que foi o último ano que operamos de forma presencial durante o ano inteiro, observamos uma queda muito expressiva no orçamento. Em valores nominais, em 2019 o orçamento discricionário foi de R$ 6,1 bilhões, e esse ano, o que está aprovado e sancionado é R$ 5,3 bilhões.

Se imaginarmos que além da queda nominal ainda temos o impacto da altíssima inflação neste período, o orçamento de 2022 é muito menor do que o de 2019. Nos anos de 2020 e 2021 tivemos quedas gradativas no orçamento das universidades. O acumulado nesses dois anos se aproximou de 25%. Não entramos em colapso pois as universidades estavam operando de forma remota. Para 2022, fizemos uma forte mobilização demonstrando a necessidade de recomposição do orçamento aos níveis de 2019 para que pudéssemos operar. O prognóstico é muito ruim. Nossa expectativa é que tenhamos funcionamento presencial em todas as universidades, com um retorno quase próximo da normalidade.

Eu diria que o impacto do orçamento vai se dar de duas maneiras: a primeira é na manutenção. Vamos precarizar a manutenção das universidades. Para suportar um corte como esse é preciso reduzir contratos de manutenção e limpeza. O outro impacto é de qualidade acadêmica. Para sobreviver ao corte, projetos de natureza acadêmica também são prejudicados. Bolsas de monitoria, extensão e de iniciação científica precisam ser cortados ou até mesmo extintos. Você pode formar um aluno sem nenhuma qualificação complementar na pesquisa ou extensão, mas vai formar esse aluno com um prejuízo na formação.

Diário - Existe a possibilidade de alguma universidade parar neste ano?
David - 
Não vamos parar de lutar por essa recomposição, que ainda é possível. Poderíamos ter projetos de lei com créditos suplementares para as universidades. Reconhecemos as dificuldades políticas e econômicas de termos êxitos nesses pleitos, mas posso afirmar que vamos lutar por isso com muita intensidade.

Em um cenário em que isso não seja revertido, é importante dizer que as realidades das universidades são muito diferentes. Somos 69 universidades federais de portes e histórias diferentes. Esse perfil diverso faz com que a realidade de financiamento seja diferente. Por exemplo: uma universidade muito antiga administra prédios que são patrimônios históricos, tombados, que exigem recursos de manutenção sob pena de termos tragédias patrimoniais grandes, como o trágico episódio do Museu Nacional, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A não capacidade de mantermos devidamente este patrimônio é uma ameaça grande. Universidades novas, por outro lado, ainda estão em fase de implantação. Dependem de obras, novos prédios, e isso também exige investimento.

Temos uma certa dificuldade de afirmar que o impacto vai ser igual em todas as universidades. Algumas vão sentir mais do que as outras. Mas digo com bastante segurança que as universidades já tiveram muita dificuldade em fechar as contas de 2021. E agora, vão ter ainda uma pressão de aumento de gastos e uma pequena recuperação orçamentária, ainda insuficiente. Então, essas universidades que já tiveram dificuldades em 2021, certamente terão uma situação pior em 2022.

Diário - Como as universidades se organizam para enfrentar essa situação?
David - Temos um princípio, que é o de lutarmos para não interrompermos o nosso funcionamento. Para não chegarmos a um colapso. Essa resistência das universidades é necessária. Para alguns segmentos da sociedade, inviabilizar o funcionamento da universidade é uma vitória. Um segmento que não consegue compreender que o sistema de universidades é absolutamente fundamental para o desenvolvimento de um país. Eles temem as universidades por que elas, com seu livre pensar, podem exercer o papel de questionadoras. Os segmentos que tem dificuldade de democraticamente lidar com associações e instituições com poder de questionamento se incomodam muito. Então nós resistimos. Vamos lutar para não fechar as portas. É fazer a travessia desse ano como um esforço de sobrevivência na expectativa de termos anos futuros melhores.

Diário - Em 2022, a UFSM tem apenas R$ 4 milhões para investimentos dos R$ 125 milhões do orçamento discricionário. O restante é destinado para pagamento de contratos e manutenções, como contas de luz e água. Qual o impacto prático de se ter um valor baixo para investir em estrutura?
David
- O exemplo da UFSM ilustra bem o que acontece em todas as universidades do Brasil. Eu sempre faço a comparação com 2019. Mas se compararmos a série histórica de investimento nas universidades, de 2014 a 2015, perdemos quase 50% do nosso orçamento em valores corrigidos.

Quando vamos a 2014 e 2015, o orçamento de investimento das universidades era muito expressivo. Não só permitia a expansão, mas também um salto qualitativo das universidades. Tínhamos a possibilidade de investir em laboratórios, equipamentos, mudar a qualidade da formação de nossos estudantes. Mas nessa série histórica de redução, o primeiro conjunto de gastos fortemente atingidos foram justamente os de investimentos. A curva da queda é assustadora. Isso faz com que tenhamos hoje valores muito pequenos, quase insignificantes, como é o exemplo de Santa Maria. Não existe a menor perspectiva de expansão. E nosso orçamento não é suficiente nem para recuperar o próprio investimento, que chamamos de recomposição de capital, para recuperar a infraestrutura, equipamentos. Estamos tendo uma deterioração da estrutura de capital das universidades. Isso faz com que nossa infraestrutura vá piorando com o passar dos anos.

Diário - Existe perspectiva para contingenciamento de parte do orçamento das universidades em 2022?
David
- Nos últimos anos, os contingenciamentos aconteceram nas universidades, mas os recursos foram liberados no decorrer do ano. Tivemos 100% de liberação de orçamento, mas as universidades tiveram que se mobilizar muito, fazer muita pressão política para isso. Eu acredito que ainda vá sair um decreto de contingenciamento, e teremos que lutar muito para que ele não seja aplicado.

Diário - Como é a relação entre Andifes e o Ministério da Educação? Existe um diálogo?
David - 
Durante o ano passado, conseguimos estabelecer uma mesa de negociação fundamentalmente com a secretaria executiva e secretaria de Ensino Superior do MEC. No início do ano, tivemos que lutar pelos desbloqueios. O ano passado foi muito difícil em termos de bloqueios orçamentários que prejudicaram o fluxo de caixa no início do ano. Nesse aspecto, esse diálogo teve êxito. Mas o segundo objetivo da mesa, que é a recomposição do orçamento, não tivemos sucesso. Fazemos esforço, a manutenção do diálogo com o MEC é uma preocupação institucional. Precisamos dessa conversa. Mas também precisamos reconhecer que, politicamente, essas decisões de comando acontecem muitas vezes à revelia do próprio MEC. São no âmbito da Economia, e o próprio MEC é, como a gente, surpreendido com algumas decisões. Muitas vezes não conseguimos o avanço nesses diálogos que desejamos pela própria estrutura de poder dentro do governo, onde o espaço do MEC é pequeno e quem comanda essas decisões são a Economia e agora também a Casa Civil, dividindo poder sobre toda a questão orçamentária.

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