Foto: Vinicius Becker
Nos braços da torcida, presidente comemorou acesso dentro do gramado da Baixada

O Inter de Santa Maria está de volta à elite do futebol gaúcho. O feito histórico veio em 2025, após 14 anos de espera, e coroou o trabalho de um dirigente que quase deixou o clube meses antes: Pedro Della Pasqua.
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Aos 42 anos, ele completa o terceiro ano de mandato vivendo o auge de sua gestão. Em entrevista exclusiva ao Diário, o presidente do Inter-SM falou sobre os bastidores pessoais de sua rotina, a reconstrução do clube e os próximos passos para manter o Alvirrubro na Série A.
A dúvida que terminou em conquista

Como presidente do clube, o que mais te deixa feliz e qual o grande sacrifício que o cargo exige?
– É gratificante, mas é muito difícil. É um trabalho que envolve muitas renúncias, a principal delas e a que mais dói é da família. É diferente dos atletas que moram afastados das suas famílias, porque tenho minha família em Santa Maria, mas cada vez menos eu posso encontrar eles. O trabalho com o futebol acaba consumindo um tempo muito grande. Eu tenho duas filhas, uma de 4 anos e outra de 13 anos, que são idades com características diferentes. Nós acabamos nos ausentando muito da família, por estar sempre viajando, sempre envolvido. Não temos um staff tão grande, então me envolvo com situações que vão desde a estrutura do estádio, a negociação com atletas, a atender a imprensa e a logística. É difícil por esse lado, por esse aspecto pessoal, mas no trabalho com o futebol, é gratificante. Eu faço o que eu amo. Não consegui ser jogador, então eu me envolvi no futebol dessa forma. Já fui sócio, conselheiro, diretor de futebol e hoje sou presidente do clube. E ainda mais gratificante agora que tiramos o clube da fila depois de 14 anos. É uma satisfação imensurável, o dia 17 de agosto vai ficar marcado na minha vida, assim como o nascimento das minhas filhas.
Qual foi o momento que você mais sentiu essa renúncia?
– Dias importantes, como o dia dos pais. Esse ano, todo a delegação estava em Veranópolis, virando a noite longe da família, para jogar o primeiro jogo da semifinal. Isso foi falado no vestiário, foi um momento de bastante emoção. Alguns atletas tem filhos no Norte e no Nordeste do país. É muito complicado explicar para uma criança que o pai vai se ausentar no dia dos pais. E sei que tudo isso é temporário e não vai durar para sempre, mas é um trabalho que toma mais sentido quando dá certo. Quando não dá, ficamos com aquele peso de não ter conseguido o objetivo e ainda ter perdido momentos importantes com a família. Mas quando dá certo, até elas ficam orgulhosas e tudo acaba valendo a pena. Tudo que foi pesado, ficou para trás.
E depois do acesso, como foi este contato familiar?
– Teve aquele momento com meu pai ali no campo. Eu desci da cabine, não enxergava nada, só queria entrar no campo. Quando eu vi ele entrando também foi um momento de emoção total. As minhas filhas não foram ao jogo. A mais velha veio contra o Pelotas ano passado e optou por não vir nesse. E a Giovana é muito pequena para um ambiente desse, eu sou um pai muito preocupado. Depois, cada uma do seu jeito, me parabenizaram ainda pelo celular e depois pessoalmente eu tive o abraço das duas. Cada uma entende de uma forma, mas elas sabem a importância que é para mim e para a cidade.
No fim de 2024, havia uma grande dúvida se você seguiria como presidente. Em algum momento, era tido como certo que não, mas isso mudou. Como você olha para aquele momento agora que tudo deu certo?
– Foi um momento difícil, um momento de uma depressão profunda, por causa da derrota contra o Pelotas. Foi um momento que as pessoas desconfiaram de mim, do nosso trabalho, da nossa capacidade. É normal, o futebol é assim. A minha gestão estava terminando, eu não estava abandonando o clube, mas eu não me sentia com forças para dar sequência. Havia o peso da família e o peso do próprio trabalho, porque a empresa tem que dar certo, é o meu ganha-pão e sobrecarreguei principalmente o meu pai. Então, eu pensei bem e decidi não entrar na eleição. Em outubro, ela não teve candidatos. Foi remarcada para novembro, eu estendi meu mandato por 30 dias, mas ninguém se posicionou novamente. Eu achava que poderia procurar alguém para assumir o clube, mas eu já sentia que não ia ter. Em dezembro eu já estava procurando patrocinadores para a temporada. Mas eu precisava ter uma sustentação financeira. No dia 3 de janeiro, nós tínhamos apenas dois patrocinadores. No dia 15, já eram 22. Eu vendi a narrativa de que o Inter-SM ia fechar, que era correta, a federação já havia avisado que se não tivesse presidente o clube teria que se licenciar. Agora é muito gratificante saber que tudo deu certo, que ficamos tão perto de parar o clube e essa decisão de dar continuidade acabou culminando em uma grande glória.
O acesso

Olhando para trás, qual foi o ponto que, na sua opinião, colocou o Inter-SM de volta à primeira divisão?
– A união geral, a sinergia que temos entre comissão técnica, atletas, diretoria, funcionários e torcedores. Os jogadores e a comissão sentiram nossa dor, como torcedores, dos 14 anos longe da Série A. Todo mundo entendeu o que era preciso. Observamos jogadores consagrados no banco, sem reclamar, respeitando e apoiando o seu colega de profissão que está jogando. Formamos um grupo de caráter, que não veio para passear, mas para subir o Inter-SM. E cumpriram a sua missão. O que dá mais orgulho é que eles querem permanecer aqui. Já estão me perguntando: "presidente, vou ficar?". Vamos trabalhar da melhor forma para formar o time mais forte possível para o ano que vem. E muitos deles, com certeza, vão permanecer mais tempo com a gente.
O momento do acesso é recheado de adrenalina. Quando você conseguiu respirar e perceber que o Inter-SM está na primeira divisão?
– Olha, se me perguntar se caiu a ficha já, acho que não. Às vezes, fico parado pensando que nós conseguimos. Foi tão difícil, fomos tão desacreditados que essa ficha ainda está caindo. De vez em quando, vem à mente as imagens de tudo que aconteceu e parece um sonho. Aos poucos vai se tornando mais natural, na medida que trabalhamos muito para manter o clube. Teremos um trabalho árduo, tão difícil quanto subir. Como eu sempre digo, não dá para viver uma aventura de seis meses, chegar no ápice e entregar depois. Precisamos estar muito preparados para isso. Toda essa comoção se criou porque o Inter-SM há muito tempo não ganhava. Um clube como o nosso precisa se acostumar a ganhar e não pode mais ficar tanto tempo sem ter uma alegria como essa.
Ouvimos muitas opiniões que defendem que o grande responsável pelo acesso foi o presidente. Para você, como é ser o dirigente que colocou o Inter-SM na primeira divisão, depois do maior período do clube fora dela?
– Eu estou ciente que meu nome está na história do clube, mas também sei que ninguém chega sozinho. Não é falsa humildade. Se não tem o Chiquinho, o Marquinho, o Bruno Coutinho com toda sua comissão técnica, se não tem todos os funcionários, não tem os atletas colhidos a dedo, nós não chegaríamos. É claro que estar no comando da instituição é sensacional. Subir é a realização de um trabalho que não começou ontem. O primeiro ano organizamos a casa, o segundo ano batemos na trave e, agora, conseguimos. Eu sinto esse orgulho de ser o presidente que subiu o Inter-SM. Daqui a 20 ou 30 anos, quando eu olhar essas fotos com meus filhos e relembrar esse momento, talvez eu sinta isso ainda mais presente em mim. Hoje, eu divido isso com os meus companheiros e já penso para frente. Eu sei que estamos marcados na história, mas também sei que, se não segurar, ficaremos marcados também por ter derrubado o time. O futebol te leva à glória e à decepção muito rápido. Por isso é preciso estar pronto para os novos desafios. Não podemos parar por aí, nem se encantar com o que aconteceu e ficar sentado em cima desse feito. O futuro do Inter-SM tem que ser grandioso, como sua história.
Para você, qual o impacto do acesso do Inter-SM para a população de Santa Maria?
– Aquele clichê básico: Santa Maria tinha um gigante adormecido, que acordou. Muita gente conheceu o clube agora. Sei de pessoas que vieram pela primeira vez no estádio, que nunca tinham comprado uma camisa do clube, que procuraram se associar. Despertar esse sentimento nas pessoas é o maior fruto do nosso trabalho. O presidente vai passar, os jogadores vão passar, nós todos vamos passar. E o clube vai seguir, ele já tem 97 anos. Essa visibilidade que o clube ganhou com o acesso deixa uma marca para a cidade, deixa uma marca nas pessoas. Tivemos uma tragédia muito grande aqui na cidade, há relativamente pouco tempo atrás. Para mim, a maior explosão de alegria que a cidade teve depois dessa tragédia foi o acesso do Inter-SM. Então, vira um pouco uma página de decepções e problemas que tivemos no próprio clube. É um novo ânimo para a cidade. É assim que eu vejo e assim que as pessoas, quando me encontram, comentam comigo.
Visão de futuro

Agora, olhando para frente: quais são as primeiras medidas e o que já está andando em relação à preparação para 2026?
– Quando um clube fica quase 15 anos sem jogar uma Série A, acaba defasado na parte estrutural. As exigências para jogar o Acesso são menores. Tu acaba se acostumando com o estádio que tu tem, com as condições que tu tem, vai realizando melhorias e manutenção naquilo que tu tem e não evolui. Hoje o futebol mudou. As estruturas e as exigências do futebol de 2008 a 2011, quando estávamos na primeira divisão, eram outras. Nós teremos que fazer um trabalho de 90 dias que vai mudar toda a Baixada, essa é a grande verdade. Nossos vestiários, nossas casamatas, nosso campo não servem para a primeira divisão. Tem questões de segurança que precisamos melhorar. Precisamos fazer a cabine do VAR. O estádio vai ser modernizado a partir disso, pois vamos ter imagens e não pode ter ponto cego. Vamos mudar algumas estruturas, derrubar e ampliar outras. E é claro que precisamos de parceiros para que essas obras sejam feitas. Mexer no campo, mexer em toda a estrutura é muito difícil, mas é só mais um desafio para nós. É um problema bom, que só quem chegou tem. Vamos ter tempo hábil para fazer tudo que precisamos para adequar a Baixada para a primeira divisão. Eu digo 90 dias porque em dezembro queremos apresentar o elenco e treinar para o campeonato gaúcho
Depois do acesso, o assédio de possíveis novos patrocinadores aumentou?
– Sim, aumentou. Mas quero frisar que os nossos parceiros atuais serão valorizados. Todos eles entraram em contato comigo, se prontificando a se doar um pouco mais pelo clube. Para mim, essa é a grande notícia. Todas elas se motivaram mais ainda e creio que vão renovar. Mas efetivamente, três empresas, já me ligaram com este interesse de dedicar aportes consideráveis. Uma delas é uma grande empresa do setor de supermercados; outra é uma grande montadora de veículos e a última é uma empresa de tintas. Creio que fechando com estas três teremos uma sustentação financeira boa para, além de reformar o estádio, ter uma equipe competitiva também. Eu não posso vender uma ilusão diferente para o torcedor, o primeiro objetivo é manter o Inter-SM na Série A, porque o clube que sobe é sempre o principal candidato ao descenso no próximo ano. O segundo objetivo é conseguir uma competição competição nacional, que é bem viável. Não caindo, praticamente conseguimos uma vaga na Série D. Mas é passo a passo. O primeiro é criar uma estrutura forte e sustentável.
Quanto ao elenco e comissão técnica: veremos um elenco totalmente reformulado ou a equipe que garantiu o acesso terá continuidade?
– Quando perdemos em 2024 mantivemos 11 atletas, mesmo com a derrota. Com a vitória, obviamente temos muita coisa boa no elenco. Eu acredito em continuidade de trabalho, que essa raiz de vestiário e que essa cultura vencedora tem que ser aproveitada. Temos jogadores com três anos de clube, que com certeza irão para o quarto, porque são atletas que se identificaram com o time. Eu creio que iremos renovar com vários jogadores, mas não posso precisar quantos. Já conversamos com o Bruno, que será nosso treinador ano que vem, com o Chiquinho e com o Marcos. Precisamos manter uma espinha dorsal e adicionar muitos reforços pontuais para qualificar o elenco, com jogadores acostumados à primeira divisão, para subir a régua do time. Tudo isso para que o Inter-SM consiga alcançar os objetivos de uma forma mais natural.
Há boatos de um possível novo formato do Gauchão, mais curto. O que você espera do campeonato em si e da temporada como um todo?
– Não temos uma informação concreta. O campeonato será definido no congresso técnico, mas creio que não vai mudar. Acredito em oito jogos da primeira fase e mais quatro ou seis jogos. Espero que não seja mais que 12 porque, se for, estaremos na "zona da confusão", como diz o Vanderlei Luxemburgo. Não acredito em menos de 3 mil pessoas por jogo na Baixada. Provavelmente receberemos ou Inter ou o Grêmio, que há muito tempo não vêm na cidade. Muda também a época do ano que jogamos, em condições melhores, com sol e um campo mais seco. Quanto ao calendário, teremos que conviver com ele. Sabemos que muitos jogadores vão optar por ir para essas equipes (com calendário o ano inteiro), mas temos nossos atrativos aqui também. Para 2027, vai depender do desempenho neste Gauchão. A ideia é ter calendário o ano inteiro, então vamos em busca disso.
O Pedro Della Pasqua não vai ser presidente do Inter-SM para sempre. Daqui 10, 20 anos, como você gostaria de ser lembrado?
– Acho que teremos um reconhecimento. Eu vejo como as pessoas tratam presidentes que foram vencedores. A gente sempre se espelha em alguns personagens e creio que as gestões daqui para frente, quando eu sair, vão se espelhar na nossa, pelo que conquistamos. Isso me deixa muito muito orgulhoso. Claro que não vou ser presidente para sempre, mas eu posso prometer que não vou me afastar. Se eu não for presidente, eu já tenho uma cadeira eterna no conselho, por ter sido presidente. Vou continuar dando meus pitacos, sempre que convocado.