Foi um dos grandes escritores brasileiros da primeira metade do século passado que deu a receita para a construção de um país. O Brasil republicano dava os primeiros passos, quando Monteiro Lobato decretou que, além da participação fundamental do cidadão, um país se constrói com livros. Entre acertos e erros - ele era um nacionalista ferrenho e defensor da eugenia - não estava falando apenas de negócios, pois também foi editor, mas em gosto pela leitura. Agora, em pleno século XXI, a situação se inverteu de tal maneira no Brasil, que a impressão geral é de que se pretende uma desconstrução do país, e o livro é alvo dessa demolição. Digo isso, ressaltando um dos itens da reforma tributária que o governo está encaminhando ao Congresso, e manifestações públicas do Chefe da Nação. Em nenhum dos grandes setores (economia, saúde, educação e cultura) temos um quadro de crescimento. E isso não é opinião, os números estão aí para testemunhar com eloquência. Falta muito livro para alicerce e paredes.
Eis aí a gravidade do problema, que tende a piorar, com a proposta de incluir a taxação do livro na reforma tributária pretendida pelo ministro Paulo Guedes. Tal medida poderá encarecer em até 20% o preço de capa de um exemplar. As reações têm aparecido nas redes sociais, em artigos da imprensa e manifestações como a do presidente da União Brasileira de Escritores, Ricardo Ramos Filho, para o qual "a medida conspira contra os objetivos de desenvolver e aumentar a competitividade do país no cenário internacional".
O simples fato de tornar o produto livro menos acessível já seria motivo suficiente para alerta e indignação geral. Ao menos entre os que têm um mínimo de capacidade de leitura e interpretação. No entanto, mais grave do que o malfadado projeto do ministro da Economia, é a sua justificativa de que "livros são artigos para a elite", e o governo "os dará de graça aos pobres". Tem razão o presidente da UBE, para o qual "o valor dos livros diz respeito também à construção da cidadania". A generosidade expressa pelo governo é apenas aparente, pois traz embutida uma descarada tentativa de doutrinação: doar os livros, dirigindo o que se deve ler.
No momento em que nossa Feira do Livro tenta superar as dificuldades trazidas com as medidas de distanciamento social, observamos que a intenção do governo é maléfica para uma cidadania consciente. Temos déficits em termos educacionais, e uma das causas é a dificuldade de acesso ao livro. Os índices precários de leitura produzem a indigência cultural, manifestada pela proliferação de inverdades nas redes sociais. A taxação de livros é uma saída estratégica: governo que já condenou os livros, só não fez fogueira em praça pública para não aumentar a percepção das queimadas. Embora os defensores do governo não vejam tais propostas como as manobras históricas de governos fascistas, não resta dúvida de que, ir na contramão do que o autor de Sítio do Pica-pau Amarelo entendia como cidadania, é, no mínimo, retroceder ao mesmo período no qual ele proferiu a sua máxima. E isso não se chama desenvolvimento, mas retrocesso.