“When I’m sixty four” é uma música composta por Paul McCartmey e que faz parte das canções do icônico álbum “Sergeant Pepper’s and The Lonely Hearts Club Band”, gravado no não menos icônico estúdio Abbey Road, com a direção musical do mago George Martin. Esta música fugia um pouco das características do álbum, com um arranjo meio vintage.
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A música delineia uma velhice imaginária (Paul ainda era um adolescente quando a compôs), agradável, vivida ao lado da pessoa amada, fazendo perguntas a ela – você ainda vai cuidar de mim? Vai me mandar um cartão postal e uma garrafa de vinho no dia dos namorados? Eu completei 64 anos em janeiro deste ano – e no dia de meu aniversário eu lembrei da canção. 64 anos! Não imaginei que viveria tanto... A minha geração é aquela que não acreditava em ninguém com mais de 30 anos, que não conseguia ficar satisfeita, embora tentasse, tentasse, tentasse.
Trágicas mortes e um mito urbano
É um pouco a geração dos mártires, o seleto clube dos 27: Jimi Hendrix, Janis Joplin, Brian Jones, Jim Morrison e mais tarde Amy Winehouse e Kurt Cobain. Estas trágicas mortes se tornaram um mito urbano – em que se acredita que os músicos morreriam mais aos 27 anos. Porém, estudos realizados, um deles publicado no British Medical Journal, em 2011, é uma revisão que mostrou que não haviam evidências incontestes que a morte era mais frequente nos músicos aos 27 anos. Este mesmo estudo sugeriu que havia um discreto aumento de mortes em músicos aos 25 e aos 32 anos, mas não confirmou a ideia de mortes eram mais frequentes aos 27 anos. A revista The Conversation publicou outro estudo que observava a idade média de falecimento de músicos era de 56 anos (ainda assim muito jovens, não?). Os jovens e talentosíssimos músicos falecidos precocemente, mostravam com frequência padecer de um profundo sofrimento mental e um uso danoso de substâncias psicoativas. Verdadeiramente uma tragédia.
Boas memórias avalizam o nosso presente
Bem, eu não morri aos 27 anos e estou aqui, razoavelmente bem de saúde, quase na metade da sétima década de vida. Sigmund Freud, o criador da Psicanálise, afirmava que “o inconsciente não envelhece”. Os anos passam e nos sentimos, interiormente, a mesma pessoa. Afinal, somos nós mesmos. Continuamos nós mesmos. E se de repente nos defrontamos no espelho com uma intrigante figura com cabelos brancos e rugas onde antes não existiam, sempre é uma surpresa: o tempo passa, inexoravelmente. Talvez não nos surpreendêssemos ao enxergar em nossa frente aquele jovem que ainda coabita o nosso corpo. Mas o espelho não mente. Aquele velho sou eu. Dentro dele, e na nossa imaginação, todas as idades condensadas.
Sim, 64 anos. Se tivemos uma profissão e nos dedicamos amorosamente a ela ao longo dos anos, teremos grandes possibilidades de exibirmos uma grande experiência e expertise em nossa área. A palavra amorosamente não está ali por acaso – se o que fazemos é objeto de tristeza e decepção, os frutos colhidos são mais amargos. Sim, precisamos gostar do que fazemos. Boas memórias se constroem assim, e, muitas vezes, elas avalizam o nosso presente.
Você lembra dos orelhões, não? Das fichas telefônicas...
E o que essa geração representa? Os sessentões, que dão os primeiros passos de sua trajetória na velhice. É uma geração sanduíche: cuidou dos filhos e agora ajuda a cuidar dos pais. Entre o conservadorismo e uma moral mais estreita e rígida da geração que os antecedeu, os sessentões ficam comprimidos pela liberalidade e pelas mentalidades mais tecnológicas – quase naturalmente tecnológicas, das gerações que os sucedem. Caiu a ficha? Pois é, para entender esta frase, a maior parte de sua vida se passou no século XX.
Você lembra dos orelhões, não? Das fichas telefônicas, depois substituídas pelos moderníssimos cartões telefônicos, zelosamente guardados na carteira – a possibilidade de comunicação quando não dispúnhamos de um telefone fixo. Os smartphones, dos quais nos tornamos cada vez mais dependentes, uma forma contemporânea de escravidão, nos colocam em contato com um mundo inteiro, ali na palma de mão. Ler livros, geralmente saudada como uma atitute fundamental para o enriquecimento de nossas almas, vai se tornando mais difícil: o mundo virtual está permanentemente disputando nossa atenção. E frequentemente a capta, e nunca lemos tanto na vida: uma leitura fragmentária, inatenta e rápida. Experimente ler um clássico da literatura. Parece subir uma montanha – um esforço enorme. Mas ao chegarmos no topo da montanha – nas últimas palavras de um livro, a paisagem é bela, o ar é mais puro. Ler uma obra acrescenta um ítem a mais para a construção de uma almejada sabedoria. Enquanto o scrolling pode acrescentar lesões por esforços repetitivos – pelo menos na esfera mental.