Surto de toxoplasmose

Superintendente da Corsan alega que preocupação com o surto não pode ser só a água

Deni Zolin

Superintendente regional da Corsan, José Epstein, ressalta que há outros cuidados que devem ser tomados, e não só com a água. Foto: Claudio Vaz (Diário, Arquivo)

Após polêmicas envolvendo possíveis causas do surto de toxoplasmose, o colunista Deni Zolin procurou o superintendente regional da Corsan, José Esptein, para mostrar o ponto de vista da empresa. Na entrevista que durou 29 minutos, Epstein afirmou que não concorda com declarações de médicos de que a empresa teria sido irresponsável ao divulgar laudos atestando ausência de toxoplasma em exames de água tratada. Ele também alega que o foco de preocupação e de prevenção deve ser não só na água da Corsan, mas em todas as possíveis formas de contaminação, como carnes, verduras e água de poço. O superintendente regional alerta que há muitos poços artesianos e que podem não estar protegidos.

Confira a íntegra da entrevista

Diário - Em relação ao caso a água barrenta que chegou em algumas casas na Zona Oeste no sábado, vocês atribuem isso a quê? 
José Esptein - Foi um rompimento de um distribuidor de grande porte. A tubulação, por si própria, ela carreia materiais que ficam sedimentados, como o manganês, na parede da tubulação. Ele fica presente na água em níveis dentro dos padrões de potabilidade e tem a característica de fazer a deposição nas paredes dos tubos. Quando a volta água com pressão, solta esses sedimentos. Claro que pode haver situações onde você faz o conserto e na escavação, a água com lodo pode entrar na tubulação, e a gente faz procedimentos de expurgos (retirada de água fora de padrões) junto aos hidrantes. Eventualmente, em situações em que os hidrantes ficam mais afastados, podem ocorrer fatos como ocorreu em alguns imóveis onde a água vai com turbidez elevada (falta de transparência), fora do padrão, e nesses casos, a gente sempre solicita que os consumidores entrem em contato conosco para fazer o expurgo de ramal (entrada da rede na casa do cliente). Quando faz a obra, antes de abrir de novo a água nos registros, a gente já deixa os hidrantes abertos para fazer a expulsão do ar e da primeira água da tubulação. Em redes de menor diâmetro, onde não tem hidrantes, a gente faz expurgo em finais de redes ou no ramal. O cliente nos liga, a gente vai até a casa dele, a gente tira o hidrômetro e faz a retirada da água até chegar no padrão clarificado. 

Diário - É melhor que o cliente não faça esse expurgo da água suja, então? 
Epstein - Ela solicita para a Corsan (pelo telefone 0800-646-6444), porque daí a gente não passa a água pelo hidrômetro e ela não precisa pagar por aquela água. 

Diário - E quando a água suja entrou na caixa d'água, o ideal é o morador fazer a limpeza da caixa, pois pode ficar algum pequeno risco de contaminação? 
Epstein - O teor de cloro da água, em tese, ele já faz a desinfecção da água. Claro, essa turbidez, lodo residual ou excesso de manganês pode ficar depositado no fundo da caixa d'água. A Corsan já teve casos em que isso foi representativo, e o cliente pode ir até a Corsan, contrata uma empresa para fazer a higienização de sua caixa d'água e, depois, a Corsan faz o ressarcimento desses valores. Isso já aconteceu em outras situações e pode ser feito em casos pontuais. 

Diário - Há algum pequeno risco de ficar alguma contaminação no fundo da caixa d'água e, depois, ao remexer com a água, ter alguma contaminação de que o cloro não mate? 
Esptein - Nunca tivemos ocorrências em relação a isso. Até porque, em função da questão da toxoplasmose, do meu ponto de vista, muito erradamente, mas direcionado apenas para a Corsan, a gente não vê outros focos de exploração da causa. Está muito focado na Corsan e, mesmo que ela apresente todas as informações solicitadas, não existe nenhuma evidência que seja. As pessoas estão muito sensíveis a fatos como esse (da água barrenta). Acontecem aqui, em qualquer lugar do Estado ou do Brasil quando acontecem intervenções de manutenção. Então, às vezes, pode criar esse medo ou preocupação mais acentuada da população. Nesses casos específicos onde ocorre turbidez ou lodo residual, é recomendável que a pessoa entre em contato conosco. Isso entra como prioridade, pois é questão de qualidade da água. Ontem (domingo), nós tivemos duas ocorrências apenas, outras eram por redes sociais, e abrindo, elas mesmas acabaram expurgando a água de seu ramal, mas a gente sempre orienta que procurem a Corsan, que ela faz, além de fazer um expurgo, uma análise da água e até apresenta um relatório ao cliente.  

Diário - Quanto a esse foco na Corsan, qual é o problema, na sua opinião: o fato de as autoridades de saúde orientarem as pessoas a não tomarem água não fervida e a não comer carne mal passada, por precaução, ou o problema está nos médicos, ou na imprensa? O senhor acha que estão acusando a Corsan ou as orientações sobre prevenção estão sendo exageradas? 

Epstein - Quais são as recomendações das autoridades da saúde? Ferver a água, independente se é da Corsan ou se vem de poço artesiano, e isso ninguém fala. E nós temos inúmeros poços, e isso está no relatório do Estado, que tem um foco que é um condomínio na Rua Tamanday em que tem três casos que é água de poço artesiano. Não foi a Corsan que diz. No momento em que recomenda ferver a água da torneira, eu não vi, a imprensa não colocou nada sobre poços artesianos e fontes alternativas. Temos relatos de pacientes que não têm água da Corsan na sua residência, têm fontes alternativas. Se é para tratar da recomendação de ferver a água, então, independemente da fonte, vamos ferver. Outra coisa: se fala muito da questão dos alimentos nas orientações das secretarias Estadual e Municipal de Saúde, não apenas da água, mas também da carne mal passada, mas eu não vejo a mídia e as redes sociais explorarem esse tema. Fica muito no ferver ou não ferver a água. Do meu ponto de vista, as recomendações são mais amplas, mas se direcionou muito na questão da Corsan. Aí temos até manifestações da professora Silvia, do Laboratório de Parasitologia, e de um professor da Medicina Veterinária, que contradizem o que os médicos estão falando. Esses dois dizem que a fonte mais provável seria alimentar, e não hídrica.

Pediram para a Corsan as análises, está sendo feito. Os boletins de potabilidade também. A UFSM fez análises, a Universidade Estadual de Londrina. Em nenhum momento, a gente está fazendo um contraponto, só estamos apresentando o que nos colocam. Em momento algum, a Corsan foi contrária às recomendações feitas pelas secretarias de saúde.

Diário - Mas no início, um diretor da Corsan foi muito incisivo em querer descartar a água e disse que ela podia ser bebida sem ferver, ao contrário do que orientavam e ainda orientam as autoridades de saúde. Um dos que falam na suspeita maior ser da água é doutor em epidemiologia, outro é especialista em toxo de Erechim, pessoas que estudaram outros surtos e que, pelas literaturas da área, avaliam que é muito mais difícil de que seja por alimentos por causa do número expressivo de casos, mas eles não descartam essa possibilidade.
Epstein - A gente torce para que se esclareça o mais rápido possível, porque fica desconfortável para todo mundo, principalmente para a população, que às vezes pode estar pensando que é a água, então, se descuida e come carne malpassada. A gente faz alguns questionamentos, mas o perfil de pessoas, alguém sabe se tem algum registro de creche ou escola em que fazem uso de bebedouro e que tenha crianças doentes por contaminação?

Diário - Sim, o Diário também questiona as autoridades da saúde se os doentes são só pessoas de uma camada social, que podem ter hábitos específicos de alimentação, mas as autoridades não passam nenhuma informação do perfil dos doentes e nem das regiões.
Epstein - Pergunto isso porque tenho um raciocíonio assim: nas primeiras informações, saiu que a maioria dos doentes é de pessoas de uma faixa de 20 a 40 e poucos anos. São pessoas que, de uma certa forma, não têm tanto cuidado alimentar quanto com uma criança. Criança não come carne crua, não come verdura. A questão do perfil epidemiológico vai ser muito importante para a gente entender. Claro, é mais comum a gente dizer da água porque todo mundo toma. Mas e aqueles casos de gente que mora e não tem água da Corsan. Geralmente, ninguém toma água em restaurante. As pessoas tomam água em sua residência e, geralmente, fora, tomam água mineral. Existem mecanismos que nos fazem questionar outras fontes (de contaminação). Em momento algum a gente foi bater de frente em relação a essas recomendações de prevenção, até pelo contrário, a gente comentou que, se for ferver a água, que tenha o cuidado, de fazer em pequenos volumes, porque perde o cloro e você armazena a água (por muito tempo ou de forma inadequada), podendo se contaminar por giárdia ou outra coisa. Quantas ocorrência já ocorreu em leite? Em carne? Carne, você faz o controle do processo, que nem nós com a água.  

Diário - Sem contar com o abigeato e com até nas grandes indústrias, há casos de fraude.
Epstein - Sim, no caso da BRF, produtos que eram contaminados com salmonella e passava (nos testes e era vendida). E da água, será que não teria de ser muito mais casos? Em Santa Isabel do Ivaí (PR), o surto atingiu 5% da população. Aqui, 5% seriam 15 mil pessoas. Claro, o surto aqui é grande, em termos proporcionais ele é menor do que o do Paraná, mas em números absolutos são maiores. Parece que está indo para ser o maior. Mas estamos falando em 200 e poucos casos, seria 0,01% da população. 

Diário - A recomendação da Corsan em relação ao uso da água é qual?
Epstein - A Corsan não está fazendo recomendações, que são feitas pelas autoridades da saúde. O que a Corsan apresenta e atesta, até o momento, é que não foi evidenciado, inclusive pelos testes complementares, nenhuma tipo de presença da toxoplasmose e a potabilidade da água que a gente tem. As recomendações dos órgãos de vigilância e saúde são soberanas ao que a Corsan está apresentando. Depois que passa pelo hidrômetro, a gente não tem controle. Há regiões com muitas casas com reservatórios de água destapados, é gato que ainda por telhado. Muito dificilmente um gato vai fazer algo na caixa d'água e a gente tem de ter cuidado para as pessoas não saírem fazendo uma caça aos gatos. O que eu sempre observo é que as pessoas tenham conhecimento que nem toda a água consumida em Santa maria vem da estação de tratamento da Corsan, muita vem de fontes alternativas e, essa sim, tem muito menos controle ou nenhum em relação a sua potabilidade, tanto é que tem essa ação do Ministério Público em relação aos poços artesianos. Então, as pessoas que forem optar por ferver a água, e não é uma recomendação da Corsan, mas dos órgãos de saúde, que tenham um cuidado de não ter uma interpretação de que é da água da Corsan (o problema).

Diário - A água de poço, por não ter cloro, é mais suscetível à contaminação, até mesmo em caixas d'água, né? 
Epstein - Sim, inclusive por outras formas. Por exemplo, um poço artesiano que não tenha selo hidráulico, que é tipo uma laje de concreto que elimina a possibilidade de entrar água da chuva ou por infiltração, ou o poço que não tem revestimento, que é só cavado e não tem proteção, ele pode ter contaminação do lençol freático, por uma fossa séptica próxima, e pode drenar para dentro do poço. Então, é muito mais provável uma contaminação de água de poço do que de uma estação de tratamento. Outra coisa importante: o relatório das análises da água aponta que as análises foram concentradas muito no lodo e nos filtros da estação de tratamento, por quê isso? A estação de tratamento de água tem um processo fechado. Os resíduos passam por um processo de retenção que ficam dentro da estação de tratamento, e esses resíduos retratam não só o que está acontecendo agora, mas um pouco do passado, do que foi acumulando. Por isso que a própria Vigilância definiu que se tivesse algum problema do passado, ele fosse evidenciado por essas análises. Eles coletaram também água da caixa nas casas de pessoas contaminadas e nas de vizinhos delas. São informações também importantes de serem consideradas, porque retratam também um pouco do passado tanto na estação quanto na distribuição, nas casas. A UFSM já fez mais de 30 amostras e não houve amostras positivas. As amostras da Corsan e da Vigilância deram negativo. O que é importante é, a partir dos mapeamentos dos casos, se tiver um perfil mais específico, é possível se fazer novos exames da água de algum lugar específico. Nos frigoríficos, foram feitas análises na UFSM, mas e vale isso? 

Em momento algum, a matéria publicada no site da Corsan fazia qualquer recomendação diferente das feitas pelas autoridades da saúde. Simplesmente, a gente trouxe uma informação que era aguardada por todos, dos resultados coletados. Em momento algum, a gente foi irresponsável de fazer uma manifestação contrária, só que acho que essas recomendações têm de ter o mesmo peso para a questão alimentar, as pessoas têm de ter reforçado que não é só a questão hídrica, pois talvez as pessoas foquem muito na questão da água, se descuidem do resto, se contaminem e, futuramente, vão descobrir que foi problema alimentar.

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