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2,5 mil pessoas tem HIV positivo em Santa Maria e quase 700 delas não estão em tratamento

Natália Müller Poll

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Foto: Pedro Piegas (Diário)

O Dia Mundial de Conscientização do HIV/Aids, lembrado anualmente em 1º de dezembro, alerta a milhares de pessoas sobre a prevenção e, mais do que nunca, da importância de fazer exame, com frequência, para verificar a sorologia. Não é à toa que a campanha do Ministério da Saúde deste ano tem como slogan: "Faça o teste. Se der positivo, inicie o tratamento"

O objetivo é levar informação às pessoas e ressaltar que, diferente da Covid-19, que ainda não tem medicamento eficaz comprovado, o tratamento para HIV, atualmente, é eficiente e permite que uma pessoa que vive com o vírus leve uma vida saudável. Em Santa Maria, o Dezembro Vermelho está sendo marcado pela queda de cerca de 39% no número de casos diagnosticados em relação ao ano passado. Em 2019, foram 295 novos casos e, neste ano, até outubro, 179, conforme dados do setor de Política Municipal HIV/Aids.

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Na primeira semana do mês, o assunto foi tratado pelo Executivo municipal com bate-papo online e com o Dia D de Testagem, ocasião em que 64 pessoas realizaram o teste de HIV de forma gratuita. Na ocasião, também foram apresentadas duas novidades na prevenção dos santa-marienses, como a disponibilização de autoteste e da PrEP, medicamento preventivo que as pessoas que não têm HIV podem aderir antes de se expor ao vírus.

Atualmente, uma das lutas dos profissionais da saúde e das pessoas que vivem com HIV é derrubar o mito de que o diagnóstico positivo para HIV é uma sentença de morte, como era há 30 anos, assim como incentivar a testagem e, em caso de exame positivo, o início do tratamento de forma precoce. Para os pacientes soropositivos, a luta também é pelo fim do  preconceito e, acima de tudo, promover o entendimento de que ter HIV é uma condição, que pode ser tratada e contida, enquanto a Aids é o estágio mais severo desta condição, que acomete, justamente, quem tem o vírus e não adere ao tratamento.

Viver com HIV não quer dizer, necessariamente, ser doente. É o que garante Guilherme Weber, médico infectologista da Casa Treze de Maio, espaço referência no assunto em Santa Maria:

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- A maioria das pessoas que toma o remédio corretamente vai se tornar indetectável, ou seja, terá uma carga viral muito baixa e não vai transmitir o vírus para outras pessoas.

O QUE DIZEM OS NÚMEROS
Conforme dados do Boletim Epidemiológico municipal, em Santa Maria estão registrados cerca de 2,5 mil casos de HVI positivo. Desse total, 72% (1.824 pessoas) estão em tratamento. Isso quer dizer que, atualmente, 28% das pessoas não se tratam e, além de deixarem seu organismo vulnerável a doenças oportunistas, podem oferecer riscos de contágio. No Brasil, cerca de 920 mil pessoas vivem com o vírus. Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), mostram que 20,1% dos infectados vivem na Região Sul do Brasil - a segunda com mais casos de HIV do país. Até outubro deste ano, cerca de 640 mil pessoas estavam em tratamento antirretroviral no país. Assim, 280 mil ainda não estão tomando os remédios para conter a infecção, fato que pode levar o paciente à morte. Quanto mais cedo o problema for diagnosticado, e mais precocemente o tratamento for iniciado, menos a doença irá avançar, podendo nunca chegar ao nível Aids. Só através do teste de HIV é possível saber o diagnóstico preciso de infecção do vírus. Ficar na dúvida e não realizá-lo pode agravar a doença e, acima de tudo, contaminar outras pessoas sem saber. Outros dados do Sinan registram que, até o ano passado, entre as pessoas com acesso ao tratamento, 88% tinham carga viral suprimida ou indetectável, que é o que garante a não transmissão por parte do portador do vírus.

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Foto: Pedro Piegas (Diário)

Existe vida normal e saudável após confirmação do resultado
A dona de casa Luciane Cibele Moreira, 40 anos, alerta para a importância de incluir o teste de HIV nos exames de rotina. Isso porque o vírus pode levar anos para se manifestar no organismo. Foi o que aconteceu com ela em 2010, quando precisou fazer uma cirurgia e acabou com diagnóstico positivo para HIV, já em estágio de Aids - o mais crítico da infecção.

- Para quem tiver medo de fazer o teste, deixo como reflexão: para não deixar chegar ao estágio que cheguei, é melhor testar sempre que possível. Assim, se der positivo, é só iniciar logo o tratamento. Eu consegui sair do quadro de Aids, mas muitos não tiveram essa sorte - relata Luciane. 

Ela confessa que, no início, foi difícil aceitar e assimilar o diagnóstico em função da falta de informação: 

- Quando recebi a notícia, eu quase enlouqueci. Achei que eu ia morrer. Na época, eu não tinha acesso a muita informação. Minha referência era o Cazuza, nos anos 1980. Aos poucos, busquei saber mais sobre o HIV. Também preciso agradecer aos profissionais da Casa Treze de Maio, que se tornaram como minha família. Lá, eu tive apoio, médicos, infectologista, psicólogos, nutricionista. Tudo de graça. Tudo via SUS. Lá, tem pessoas capacitadas para atender quem necessitar. É o melhor lugar para se encontrar vida depois do diagnóstico positivo - declara Luciane.

data-filename="retriever" style="width: 25%; float: left;">Atualmente, Luciane é bem informada e está bem resolvida com sua sorologia. Ela conta que aderiu ao tratamento e, hoje, indetectável, convive com o HIV com a tranquilidade de saber que não tem impedimentos de levar uma vida normal e saudável. Luciane está em uma união estável com Jones Alberti da Silva, 55 anos, que não tem HIV. O casal sorodiferente convive sem a preocupação da transmissão, afinal, indetectável é igual a intransmissível. Para levar informações ao público e auxiliar na luta contra o preconceito, Luciane dá palestras sobre o HIV. Ela diz que a intenção é mostrar que existe vida após o positivo.  

Quando descobriu a sorologia positiva, além do susto, Luciane teve que lidar com o preconceito pós-diagnóstico, tanto da família e do namorado da época, quanto dos colegas de trabalho. Ela também enfrentou preconceito ao ser atendida por profissionais da saúde: 

- Uma vez, cheguei ao PA com herpes zoster e fui muito mal atendida. A médica nem me tocou, ficou distante, com medo. Também já aconteceu de colocarem dois pares de luva para me examinar. A respeito desse mal atendimento de profissionais, a Secretaria de Saúde de Santa Maria, por meio de Superintendência de Comunicação da prefeitura, explica que "são feitos encontros presenciais com as equipes para discutir essa questão da ética e do respeito ao atendimento. Neste ano, já foi realizado um encontro virtual com servidores da Atenção Básica e abordada a questão do atendimento qualificado para todos os pacientes". 
O paciente que se sentir discriminado por um profissional de saúde do município deve relatar o fato à Ouvidoria da Saúde, pelo número (55) 3921-1090.

SAÚDE & LONGEVIDADE
De uns anos para cá, os medicamentos antirretrovirais vêm se mostrando altamente eficazes. Hoje, a maioria das pessoas que vive com HIV e segue o tratamento corretamente, atinge a chamada "carga viral indetectável", como a Luciane. A médica infectologista do Hospital de Caridade Dr Astrogildo de Azevedo Jane Costa explica que não há motivos para não aderir ao tratamento, visto que, os esquemas de terapia antirretroviral estão cada vez mais seguros e com menos efeitos colaterais, além de apresentarem potência significativa. Ela explica como o medicamento age no organismo da pessoa que vive com HIV e o porquê indetectável é igual a intransmissível.

- O grande objetivo do tratamento antirretroviral é o controle da quantidade de vírus circulante (viremia). Com a redução da viremia há a diminuição da eliminação de vírus pelas secreções e, com isso, da transmissibilidade. Para que se alcance este objetivo, é condição básica que o paciente tenha adesão absoluta ao tratamento podendo, com isso, viver normalmente Com estas considerações, podemos afirmar que, desde que o paciente apresente adesão ao tratamento, terá controle da sua infecção. Ele alcançará a não detecção da viremia e o aumento Progressivo ou estabilização da imunidade (CD4). Com isso, vida normal - afirma a médica.

O tema vem sendo cada vez mais abordado nas redes sociais, com diversos influenciadores digitais como o santa-mariense Lucian Ambros, abrindo o jogo sobre suas sorologias e o cotidiano de quem testa positivo e precisa lidar com tanta informação.

HIV, gravidez e amamentação
Muitas mulheres soropositivas acreditam que não é seguro engravidar e até desistem do sonho de conceber um bebê. Porém, mesmo que a condição seja séria, é possível ter uma gestação e um parto seguros. Mulheres gestantes que tenham HIV positivo não são consideradas de alto risco. É o que diz a assistente social Laureana Silveira. Ela atende grávidas que têm HIV positivo e orienta com informações sobre pré-natal e parto.

- A criança que nasce de uma mulher com HIV poderá nascer sem o vírus, desde que essa mulher faça o tratamento de forma adequada para que o vírus fique indetectável/intransmissível. Isso é uma conquista, um avanço da medicina e da farmácia, possibilitando que as pessoas tenham uma vida saudável - diz. 

Conforme Laureana, grávidas que tenham HIV positivo podem optar pelo parto natural, sem a necessidade de ser feita uma cesárea e não oferecendo risco nenhum de passar o vírus para a criança. 

- A única restrição que existe é que mulheres com HIV não amamentam. Essas crianças, até 12 meses, têm o direito a receber uma fórmula que substitui amamentação. É gratuito e pode ser retirado na farmácia em anexo à Casa Treze - explica a assistente social.

A Casa Treze de Maio
Serviço de Assistência Especializada (SAE) e Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) referência em prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), HIV e Hepatites Virais (B e C). Trabalha com a prevenção e a assistência ao usuário, com acolhimento, orientações, distribuição de insumos (preservativo, lubrificante e informativos) e quatro tipos de testagem rápida (HIV, Sífilis, Hepatite B e Hepatite C). Além disso, os usuários com diagnóstico de HIV/Aids e Hepatites Virais são encaminhados para o serviço, onde é ofertado atendimento com equipe multiprofissional. Conheça um pouco do trabalho da Casa Treze no vídeo abaixo:


  • Onde - Rua Riachuelo, 364, esquina com a Pinheiro Machado
  • Quando - De segunda a sextafeira, das 8h às 12h e das 14h às 16h30min
  • Contato - (55) 3921-1263
  • Redes sociais - Facebook e Instagram 

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Foto: Pedro Piegas (Diário)

PREVENIR AINDA É O MELHOR REMÉDIO
No dia 29 de outubro, o Executivo municipal de Santa Maria passou a disponibilizar o comprimido de Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) para a população, como mais uma estratégia de prevenção. A PrEP, como é conhecida, consiste no uso oral diário de dois medicamentos antirretrovirais - tenofovir (TDF) e entricitabina (FTC) - em um único comprimido, para prevenir a infecção por HIV. Se usado regularmente, é um método seguro, que oferece proteção superior a 90% contra a infecção pelo HIV.

- É uma conquista muito importante para o município. Era um serviço que não estava disponível até outubro. Agora, a população tem acesso - comemora a coordenadora da Política Municipal HIV/Aids, ISTs e Hepatites Virais, Márcia Gabriela Rodrigues de Lima. O método é indicado para pessoas que não têm HIV e para a população chave. Fazem parte deste grupo os casais sorodiferentes, pessoas privadas de liberdade, profissionais do sexo e alguns integrantes da comunidade LGBTQIA+. O tempo para proteção eficaz vai depender da concentração do medicamento em determinada região do corpo. Para relações anais, são necessários sete dias de uso de PrEP para alcançar a proteção. Para relações vaginais, são necessários 20 dias. 

A PrEP não protege das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), então os usuários são orientados sobre as estratégias de redução de risco. O uso do preservativo é a melhor delas. A Profilaxia Pós-Exposição de Risco, chamada de PEP, é outra medida para barrar a infecção pelo HIV. Neste caso, o uso de medicamentos é feito após uma exposição de risco, tais como violência sexual, relação sexual desprotegida (sem o uso de camisinha ou com rompimento da camisinha) e em caso de algum acidente ocupacional (com instrumentos perfurocortantes ou contato direto com material biológico). É como uma urgência médica e deve ser iniciada, preferencialmente, nas primeiras duas horas após a exposição e, no máximo, em até 72 horas.

Os efeitos da PEP são de 28 dias, período em que a pessoa é acompanhada pela equipe de saúde. Essa tecnologia está inserida no conjunto de estratégias da Prevenção Combinada, cujo principal objetivo é ampliar as formas de intervenção para atender às necessidades e possibilidades de cada pessoa, evitando assim, novas infecções pelo HIV, hepatites virais e outras IST. O medicamento está disponível, de graça, na Unidade de Pronto Atendimento 24h, junto ao Casa de Saúde, no Perpétuo Socorro, e no Pronto Atendimento da Tancredo Neves. 

O repasse dos comprimidos é feito pelo governo federal, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Quem os distribui, é o Executivo municipal, por meio da Unidade de Dispensação de Medicamentos (UDM). Desde julho deste ano, a população santa-mariense tem acesso a uma UDM, que funciona em anexo à Casa Treze de Maio.

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Tipos de prevenção ao HIV, às IST e às hepatites virais
A Prevenção Combinada, representada pela mandala explicativa (ao lado), associa - ao mesmo tempo ou em sequência - diferentes métodos de prevenção ao HIV, às IST e às hepatites virais. São consideradas as características e o momento de vida de cada pessoa. Os métodos possíveis de serem combinados são: testar regularmente para o HIV; prevenir a transmissão vertical (quando o vírus contamina o bebê durante a gravidez); tratar as infecções sexualmente transmissíveis e as hepatites virais; a imunização para as hepatites A e B; programas de redução de danos para usuários de álcool e outras substâncias; profilaxia pré-exposição (PrEP); profilaxia pós-exposição (PEP); e o tratamento de pessoas, que já vivem com HIV. Todos esses métodos podem ser utilizados pela pessoa isoladamente ou combinados. Os testes para o HIV podem ser realizados, gratuitamente, via SUS. O autoteste, por exemplo, pode ser retirado na Casa Treze de Maio e feito em casa mesmo. Conforme a enfermeira Julia Zancan Bresolin, na hora de retirar o kit para o exame, a pessoa recebe todas as orientações necessárias para realizá-lo.

Direitos assegurados
A Constituição Brasileira assegura ao portador do vírus do HIV - assim como todo e qualquer cidadão brasileiro - a dignidade humana e o acesso à saúde pública. Dessa forma, são amparadas pela lei. No Brasil, existe uma legislação específica quanto aos grupos mais vulneráveis a atos preconceituosos e a discriminações. Leia mais sobre os direitos da população que tem HIV positivo.



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