abuso sexual

“Li e falei que ela não tinha do que se envergonhar”, diz professora ao ler redação com desabafo de aluna sobre abuso sexual

Pâmela Rubin Matge

O fato aconteceu em uma escola na região central de Santa Maria. Como tarefa da disciplina de português, os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental deveriam fazer uma redaçãoUma estudante de 13 anos optou falar sobre desamor e relatou ter sofrido abuso sexual. O caso veio à tona na última semana, após a família da adolescente fazer o registro de ocorrência na polícia e está sob investigação da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). Na tarde da última terça-feira, Luiza Sousa, delegada titular da DPCA, informou que o suposto agressor teve a prisão preventiva indeferida pela Justiça, mas foram aplicadas medidas protetivas em relação à vítima.


A menina foi encaminhada para acolhimento, para perícia por meio de exames físicos e psicológicos e segue indo às aulas. Nos próximos dias, outras pessoas devem ser ouvidas pela polícia. Sem identificar a aluna nem a escola que frequenta, a professora que recebeu a redação conversou com exclusividade com o Diário. Ela também prestou depoimento na delegacia na manhã desta quarta-feira.
Acompanhe a entrevista.


Diário – Quando a senhora propôs o tema da redação, foi por algum motivo específico?
Professora –
 Sou professora há mais de 30 anos e vejo o aluno, enxergo o aluno. Eu não vou para sala de aluna apenas para despejar conteúdo. Na nossa escola, convivemos com os pais, que sempre são chamados para colaborar com o progresso dos próprios filhos. São chamados se os filhos e são chamados se esses faltam muito, se têm problemas de notas, para receberem elogios acerca dos mesmos. A maioria dos pais participa da entrega de boletins, das festividades. Percebi que algumas alunas estavam com comportamento diferente do ano passado para cá. Me preocupei: será a (influência) pandemia? Será depressão? Conversei com a turma sobre o amor, sobre direitos e deveres. Eles, adolescentes, associaram ao sexo, mas logo expliquei que existe amor de pai e mãe, amor aos animais como também falei da falta de amor que pode se transformar em bullying e vários tipos de violência.

Diário – E a redação da menina de 13 anos se diferenciou das demais?
Professora
 – Jamais imaginei que nesta produção textual iam abrir o coração. Quando li a produção da menina eu tive um choque. Pensei que pudesse estar com comportamento diferente por conta da pandemia, mas a aluna contou o que havia acontecido com ela. Eu li, desenhei um coração e agradeci por ter me contado. Li e falei que ela não tinha do que se envergonhar. Era uma adolescente e quem deveria se envergonhar era quem praticou esse fato. Perguntei se ela queria ajuda e ela aceitou. E eu ajudaria mesmo sem ela querer. Conversei com a orientadora educacional e chamamos os pais dela. Esclarecemos a eles que ela não era culpada, pois algumas tem até medo de serem julgadas pela família, e falamos que ela teve muita coragem de contar um fato tão íntimo.

Diário – Qual o conteúdo desta redação? A senhora devolveu o material?
Professora –
 Foi uma redação de cerca de 30 linhas onde ela falou sobre desamor e detalhou o que aconteceu com ela, das ameaças que recebia e que há mais meninas que teriam sofrido abuso do mesmo homem, que é casado e conhecido da família. Mais que isso, não devo falar, pois a aluna confiou em mim.

Diário – Diante deste fato, como a senhora avalia o papel da escola para identificar e coibir esse tipo de violência?
Professora – 
A filosofia da nossa escola é ver o aluno, é olhar nos olhos e identificar ações e reações. O dever da escola é atuar nessa rede de proteção. Tento muito. O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) menciona “é dever de todos zelar pela criança e do adolescente pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, vexatório e cruel”. Fiz meu dever. Fiz o que todos deveriam fazer. Não fechar os olhos e ouvir independentemente da posição social. E não são só crianças de baixa renda que são vítimas. Bernardo (Caso Bernardo Boldrini), ele pediu socorro no judiciário, no Conselho Tutelar e não foi atendido porque era filho de um médico. Precisamos olhar atentamente a todos os alunos e levar tudo a sério. Prefiro pecar pelo excesso do que pela falta. Neste caso (da menina de 13 anos), eu só fiz o meu papel de professora.
Os pais foram atendidos pela orientadora educacional e pela vice-diretora e vieram nos agradecer pela atenção e proteção da escola. O caso aconteceu no mês passado e eles estavam muito preocupados, mas refletiram e dias depois fizeram o registro de ocorrência. Estamos trabalhando e acolhendo alunas que podem passar por outros casos semelhantes esperamos que qualquer aluno sempre venha conversar conosco.


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