Entrevista

Especialista em Economia fala sobre ineficácia da guerra às drogas

Camila Gonçalves

Foto: Renan Mattos (Diário)

Doutor em Economia pela PUC/Rio e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Daniel Ricardo Castro Cerqueira esteve em Santa Maria durante o 6º Seminário de Jovens Pesquisadores em Economia e Desenvolvimento, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento (PPGE&D) da UFSM e realizado no dia 26 de setembro. Depois de palestrar sobre "Economia do Crime", ele conversou com o Diário a respeito de temas explorados em seus trabalhos acadêmicos e no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde Cerqueira é técnico de planejamento e pesquisas. Confira a entrevista: 

Diário de Santa Maria _ Segundo a Polícia Civil, cerca de 30% da motivação dos crimes de homicídio em Santa Maria está relacionada ao tráfico de drogas, atrás apenas de rixas e desavenças (40%). Na sua opinião, o que poderia ser feito para reduzir essas mortes em curto prazo? 
Daniel Cerqueira _ O que a gente vê é que a maioria das polícias civis no Brasil foram sucateadas. Portanto, a polícia fica em uma eterna tarefa de enxugar gelo e prender, na ponta, o ladrão de galinha, esse cara que vai servir de massa para os "Bala na Cara" e os "anti Bala na Cara". Primeiro, tem que prender os criminosos que são os mais perigosos. Como se faz isso? Não é com policiamento ostensivo e prisão em flagrante. É trabalho de inteligência policial e investigação. O segundo pilar é a prevenção social. Temos que investir na criança de hoje para que ela não seja o bandido de amanhã. Não precisa olhar o Estado inteiro. Se forem olhar os municípios, menos de 10% dos bairros concentram mais da metade dos homicídios. Então, tem que fazer um trabalho focalizado nessas regiões. Para isso, esse modelo que junta prevenção social e repressão qualificada tem que ser feito a partir de um modelo de gestão científica. Para isso, tem que ter comprometimento do governo. E os governos geralmente fogem dessa tarefa, porque o resultado pode aparecer em curto prazo, mas pode demorar dois, três, quatro anos para ter efeito. Até lá, o governante pode ter queimado o cacife político dele e ter perdido a eleição.  

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Diário _ E o que o eleitor precisa observar nos programas de governo para escolher um gestor comprometido com a segurança pública? 
Cerqueira _ Tem dois elementos que ajudam o eleitor a tomar uma decisão acertada. Primeiro, tentar olhar o histórico dessa pessoa. Às vezes, tem pessoas dizendo que são antipolíticas, que são novas e que vão trazer algo, mas desconfie, porque, como uma pessoa que nunca trabalhou numa gestão vai fazer algo diferente? Fazer gestão pública é um trabalho árduo e complexo. É um trabalho para profissional. Não é um trabalho para aventureiro. O segundo ponto é que, quando o eleitor ouvir soluções muito simples para problemas complexos, desconfie. Estamos falando de criminalidade, que é um assunto que exige planejamento.  

Diário _ O senhor mencionou um trabalho conduzido no Ipea tratando da relação da escolaridade com vítimas de homicídios. O que aponta esse estudo? 
Cerqueira _ Nós fizemos um trabalho com os microdados do censo do IBGE, de todo mundo que morreu no Brasil em 2010. Se tivéssemos investido nas nossas crianças e nos jovens de modo que qualquer pessoa no Brasil com 15 anos ou mais tivesse pelo menos adentrado no Ensino Médio, isso teria um potencial de diminuir em 42% o número de homicídios no país. O que isso quer dizer? Que basta construir mais escolas? Não. É importante ter boas escolas, mas, antes disso, você tem jovens que nasceram e foram desestruturados pela violência doméstica, comunitária, institucional, às vezes, perpetrada pela própria polícia, e que vão ter problemas comportamentais. A fase mais importante do desenvolvimento humano é de 0 a 3 anos. Há jovens que vão passar essa etapa da sua vida sem desenvolver as habilidades socioemocionais e cognitivas que lhe permitem ter sucesso na vida educacional e profissional futura. Esse jovem vai entrar em uma escola numa situação muito perversa. Ele será peça de não conformidade na linha fordista do modelo educacional brasileiro. Ele vai cometer crimes e vai chegar ao sistema socioeducativo, conhecer outros meninos que estão numa etapa mais adiantada desse mundo da violência e continuar nessa trajetória de se transformar num componente das facções. Os estudos nos Estados Unidos mostram que investir na primeira infância gera o maior custo benefício em termos de prevenção na segurança pública, mas a gente não chegou nesse capítulo aqui no Brasil. A gente quer achar que segurança pública é na base da truculência e do tiro, e não é assim. 

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Diário _ Quanto custa o crime no Brasil? 
Cerqueira _ É algo como 6% do PIB que, a cada ano, é desperdiçado em face da violência. Se a gente tirar esse 1,4% que tem a ver com a manutenção do sistema de segurança pública, que dá uns R$ 85 bilhões por ano, se tirar uma parcela dispendida pelo Estado para atender as vítimas de violência no sistema público de saúde, se tirar o que se gasta com o sistema prisional e ficar só nos custos sociais privados, estamos falando de algo como R$ 300 bilhões por ano desperdiçados. Ainda, a maior riqueza das nações que perdemos com a violência são as pessoas. Então, o que fizemos com os nossos jovens? Nós os matamos duas vezes. Nós matamos uma parcela da juventude, simbolicamente, sem dar as condições de desenvolvimento infantojuvenil, sem oportunidades educacionais e laborais e, depois, quando eles seguirem outra trajetória, nós os matamos fisicamente. Só o custo econômico com a perda de pessoas por homicídio no Brasil é 2,5% do PIB. É uma tragédia humana incomensurável e uma tragédia econômica também.  

Diário _ Por que o senhor diz que a guerra à oferta de drogas é uma guerra perdida? 
Cerqueira _ O mercado é ilícito, então, mesmo que essa política seja bem-sucedida, que o aparato de coerção consiga diminuir a oferta de drogas, isso significa dizer que o preço da droga tende a aumentar. Isso significa que novos empreendedores do mercado de narcotráfico estarão dispostos a correr os riscos para conseguir ganhar aquela grana. E, por outro lado, como o valor do mercado aumentou, porque o preço aumentou, uma parcela desses recursos vai ser usada para dinamizar o mercado de propinas, porque o mercado ilícito e o crime organizado só funcionam se houver corrupção de setor público e, sobretudo, de policiais. É uma tragédia não só humana, mas é a forma mais insana de desperdiçar recursos públicos. 

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Diário _ Mas as polícias dizem que têm implantado setores de inteligência. O que falta? 
Cerqueira _ Não há um sistema integrado de inteligência policial. Na Polícia Militar, você tem a P2, onde tem policiais que conhecem muitas informações, mas as informações não são corporativas, elas são pessoais. Tem as microinteligências dos investigadores e delegados, tem inteligência da Secretaria de Segurança Pública, e esses setores não se conversam. As informações não se tornam corporativas. Se você tem um sistema integrado, a partir de protocolos de que informação é necessária, quem vai dar e quem vai ter acesso àquela informação, você pode mudar o jogo.

O ESPECIALISTA 

  • É doutor em Economia pela PUC-Rio
  • Sua tese de doutorado "Causas e Consequências do Crime no Brasil" recebeu os dois mais importantes prêmios acadêmicos na área de economia no Brasil: o prêmio Haralambos Simeonidis, da Associação Nacional de Pós-Graduação em Economia (Anpec), e o prêmio BNDES de Economia
  • Foi analista do Banco Central do Brasil (1994-1995)
  • Foi diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea, entre 2012 e 2015
  • É membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e foi research fellow do Crime Working Group do National Bureau of Economic Research (NBER) (2012-2013)

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