Uma volta ao mundo com o Clube de Cinema de Santa Maria

O percurso começa pelo desértico Arizona, Estados Unidos, na primeira metade do século passado. E é um deslocamento tenso e cheio de perigos o que irá concentrar as atenções no Auditório Cláudio Cardoso, da Casa de Memória Edmundo Cardoso. Com No Tempos das Diligências, de John Ford, o grupo de apreciadores da sétima arte que ali se reunir dará partida à programação 2023 do Clube de Cinema de Santa Maria – Fase 2. O circuito “Volta ao Mundo em 10 Filmes” inicia-se no sábado (25), às 14h30min.A definição do filme e do país de origem não foi ao acaso. Em 2022, ano de reabertura do Clube, foi dada ênfase ao cinema hollywoodiano. Agora, a escolha recaiu sobre o faroeste e o caubói, gênero e herói tipicamente norte-americanos. O caubói “é individualista, não serve a uma instituição, mas a si, ele é o ‘self-made man’, ou seja, um personagem que sai do povo, age por princípios e faz a si”, explica o estudante Matheus Meller. Atual presidente do Clube, ele ainda destaca o contraste com, por exemplo, o cavalheiro inglês, que é um homem de meios e que faz o que faz pelo seu reino ou seu rei.– Escolhemos esse filme porque, por meio dele, John Ford ressuscitou (com suas qualidades narrativas e visuais) o gênero faroeste, que estava enfraquecido no final dos anos 30. Nós começamos pelos Estados Unidos e já nos despedimos dele, para explorar outros cinemas – antecipa Meller.

O “multifacetado” Edmundo Cardoso posa para fotografia em frente ao Theatro Treze de Maio, sede primeira do Clube de Cinema de Santa Maria. Foto: Acervo Casa de Memória Edmundo Cardoso

O próximo destino, no mês que vem, é a cinematografia oriental. O filme a ser exibido ainda não é revelado, mas a escolha do período e local sim. Sabe-se que a época de floração das sakuras, as cerejeiras, é em fins de março e início de abril. Ou seja, os viajantes se depararão com um Japão florido. Até dezembro, os cineclubistas que embarcarem nesta viagem ainda terão escalas em Austrália, Brasil, Cuba, França, Itália, Inglaterra, Senegal e União Soviética.As produções, que serão anunciadas aos poucos, seguem a meta de tentar apresentar filmes anteriores ao fechamento da primeira fase do Clube, 1961, mas as vezes há exceções, especialmente no caso da viagem pelo globo, pois alguns locais só desenvolveram seu cinema depois, ou durante a década de 1960. A proposta, assim como o circuito mundial pensado para este ano, coincide com a expectativa de frequentadores:– Vai ser uma possibilidade maravilhosa de conhecermos a arte produzida em outros países, irmos para além da “nossa bolha”. Acredito que muitos dos filmes sejam raros de encontrar para assistir – afirma a psicóloga Thaís Santângelo Ineu Chaves, 27 anos.Ela diz que viu no Clube de Cinema uma oportunidade de participar de algo com que já tinha grande afinidade, além de conhecer novas obras e pessoas. Não poderá estar no sábado, mas frequentou várias sessões no ano passado e, em algumas, levou os pais. O casal foi proprietário de uma locadora na década de 90, e a cultura do cinema sempre foi bastante presente na família. Desde a infância, Thaís teve o cinema como uma das atividades favoritas. Através dos anos, o interesse foi crescendo e ganhando recortes particulares, como assistir a filmes antigos.

À esquerda, o jovem portador da carteirinha número 1 do clube que ele e amigos criaram para apreciar e difundir a sétima arte. Ao lado, as novas carteirinhas de membros do clube reativado

Cinema e arte

A curadoria cinematográfica também é um dos aspectos valorizados pelo arquiteto e produtor cultural Luiz Gonzaga Binato de Almeida, 75 anos:

– Frequento com prazer esse Clube de Cinema. Pela confiável seleção dos filmes, pelo ambiente, pelas explanações iniciais e finais por jovens universitários. Cada sessão contribui para meu desenvolvimento intelectual – declara Binato.O clima para cada exibição é uma das preocupações dos organizadores, que até fantasias já usaram. Meller conta que a brincadeira começou em outubro passado, com a sessão temática de Halloween. Para dar o tom de A Casa dos Maus Espíritos, o auditório foi vestido com morcegos, teias de aranha e adereços assustadores. Foi a virada e, a partir dali, até lembrancinhas sintonizadas com a obra exibida são entregues aos presentes. A dedicação é bem-recebida.

O folder que era entregue a cada sessão voltou a ser produzido, honrando a difusão de conhecimento e a memória do Clube

– Gosto do ambiente e da oportunidade de ser apresentado a filmes que eu nem sabia que existiam. Também admiro o empenho da equipe. Sinto que tem muito carinho envolvido no que eles fazem. Eu me sinto em paz quando estou lá – confessa Rafa M. Bolson, 22 anos, que em breve estará na universidade. Frequentou a todos os encontros em 2022, e deve repetir o feito na nova temporada.O último sábado de cada mês (a menos que alguma exceção altere a previsão) é também a data de circulação do informativo do Clube, tal e qual ocorria nas mais de 400 sessões entre 1951 a 1961. Os moldes do folder são mantidos, buscando fidelidade até mesmo pelo uso de uma máquina de escrever antiga. A relíquia edita o tempo e une as duas fases de um mesmo amor pela arte da imagem em movimento.

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HISTÓRIA RECENTE DO CLUBE DE CINEMA DE SANTA MARIA – FASE 2

As sete sessões em 2022 tiveram boa lotação de público e ocorreram, na maioria, na sede do Clube, o Auditório Cláudio Cardoso

1ª sessão: Julho, 30 – Aconteceu Naquela Noite, 1934, de Frank Capra (lotação máxima)

2ª sessão: Agosto, 6 – Aconteceu Naquela Noite, 1934, de Frank Capra

3ª sessão: Agosto, 28 – 12 homens e uma sentença, do Sidney Lumet

4ª sessão: Setembro, 27 – Curtas do cinema mudo: Rua da Paz (1917), A Cabra (1921) e Pelas Tristes Ondas do Mar (1917) – no Theatro Treze de Maio

5ª sessão: Outubro, 19 – A casa dos maus espíritos, de William Castle (temática de halloween)

6ª sessão: Novembro, 26 – Noites de Cabiria, de Federico Fellini (alinhado com festival de cinema italiano)

7ª sessão: Dezembro, 17 – De Ilusão Também se Vive, de George Seaton (temática de Natal)

EM CARTAZ NESTE SÁBADO (25)

Título original: Stagecoach, EUA, 1939Gênero: FaroesteDireção: John FordRoteiro: Dudley Nichols, Ben HechtElenco: John Wayne, Claire Trevor, Thomas MitchellDuração: 1h37minSinopse: Nove pessoas são obrigadas a embarcar em uma perigosa jornada em carruagens através do Arizona. Cada um tem o seu motivo pessoal para realizar tal viagem. No meio do caminho, eles terão que enfrentar Geronimo e seus guerreiros apaches. Contra eles, contarão apenas com a ajuda do cowboy Ringo Kid (John Wayne).