
Em tempos de inteligência artificial, planilhas prontas e modelos de contrato disponíveis com dois cliques no Google, pode parecer que o papel do advogado está perdendo espaço. Mas é justamente o contrário. A era digital, com todas as suas facilidades, também trouxe uma nova onda de problemas: acordos malfeitos, cláusulas frágeis, contratos que até existem… mas não funcionam.
Atendo no meu escritório muitos profissionais liberais e autônomos — arquitetos, designers, social media, produtores de conteúdo, consultores, psicólogos, entre tantos outros. E uma cena se repete com frequência quase dolorosa: o cliente prestou o serviço, não recebeu, e quando me procura para cobrar judicialmente, traz um contrato feito por conta própria. Ou pior: um modelo baixado na internet ou gerado por inteligência artificial, com linguagem impecável, mas juridicamente ineficaz.
Lembro de um caso recente. Um cliente que atua com marketing digital atendeu uma empresa durante meses. Fez campanhas, criou estratégias, entregou resultado. Mas não recebeu. Quando veio ao escritório para buscar ajuda, trouxe um contrato que ele mesmo havia elaborado com o auxílio de uma ferramenta de IA. O documento tinha o que ele considerava essencial: valor, prazos e um acordo de pagamento parcelado.
A intenção era boa. Mas o contrato não possuía requisitos mínimos para execução judicial da dívida. Faltavam duas testemunhas, o valor não era líquido e certo, e o instrumento não permitia que o crédito fosse executado diretamente. Resultado? Ao invés de ingressarmos com uma ação de execução (que é mais rápida), fomos obrigados a ajuizar uma ação de cobrança — muito mais demorada, com possibilidade de defesa ampla, produção de provas e tramitação que pode se estender por anos. Um prejuízo que poderia ter sido evitado com a orientação jurídica certa desde o início.
É claro que a tecnologia pode e deve ser usada a nosso favor. Inclusive, eu mesma utilizo a inteligência artificial para rascunhos e ideias. Mas ela precisa estar aliada ao conhecimento técnico. Assim como um engenheiro não se guia apenas por um vídeo no YouTube para projetar uma ponte, um contrato não se sustenta apenas por parecer bonito ou bem escrito.
O contrato é o escudo do profissional autônomo. É ele que garante segurança, define limites, antecipa conflitos e evita prejuízos. E mais do que isso: um contrato bem feito é investimento, não despesa. Ele pode significar o recebimento de valores devidos sem precisar entrar na Justiça, ou o sucesso de uma ação com alta chance de êxito, justamente por estar embasado em um documento sólido e juridicamente válido.
No Dia do Advogado, minha mensagem é para você que trabalha por conta própria: valorize o seu negócio como uma empresa. Formalize suas relações. Busque orientação jurídica antes que o problema surja. E entenda que o contrato não é só um papel — é uma das ferramentas mais importantes para proteger seu trabalho, seu tempo e sua saúde mental.
Porque no fim das contas, o que faz a diferença não é ter um contrato. É ter um contrato que funciona.
POR:
Daniela Bettker
Instagram: @adv.danielabettker e @bettkeradvocacia
OAB/RS122611
DIREITO CIVIL, DIREITO DA FAMÍLIA E DIREITO DA SAÚDE
RUA VENÂNCIO AIRES, 2050, SALA 303 - BAIRRO CENTRO