série

Relatos da Kiss: autor da foto que circulou pelo mundo lembra como foi cobrir a tragédia

Relatos da Kiss: autor da foto que circulou pelo mundo lembra como foi cobrir a tragédia

Foto: Germano Rorato (Arquivo Diário)

Desde a tragédia na boate Kiss, os santa-marienses guardam memórias que gostariam de nunca ter vivenciado. Pais, mães, amigos das vítimas, assim como sobreviventes e pessoas que trabalharam na noite do dia 27 de janeiro de 2013 ainda sofrem com a dor e a lembrança do incêndio, que, para muitos, ainda não teve fim.

Desde o início da semana, o Diário traz uma série com relatos de pessoas que fizeram parte da tragédia da boate Kiss. Nesta sexta-feira, o depoimento é do fotógrafo Germano Rorato. Ele trabalha como fotógrafo desde 1999 e entrou para o fotojornalismo em 2009. Hoje, ele é freelancer e reside em Florianópolis (SC).

Uma das fotos mais emblemáticas daquela madrugada foi feita por Germano, que, na época, era freelancer do Diário.

No dia 26 de janeiro, ele tinha trabalhado durante a noite na cobertura de um festival. Chegou em casa meia-noite, e, logo em seguida, por volta de 1h30min, recebeu a ligação de um amigo. Ele avisou Germano sobre um incêndio na boate Kiss.

– Como meus amigos sabiam que eu trabalhava no jornal, eles sempre me avisavam das ocorrências na cidade. Inicialmente, eu não levei muita fé. A gente nunca imagina que uma coisa da proporção que foi o incêndio da boate fosse acontecer. Mas, mesmo assim, eu liguei para o Fernando Ramos, que era o editor de fotografia (do Diário) na época, e avisei que recebi a ligação. O Fernando averiguou e mandou um carro me buscar.

Indo em direção à boate, nas ruas do Centro, já era possível enxergar a fumaça.

– Logo que cheguei, eu tomei um susto porque tinha apenas um caminhão de bombeiros e muita gente correndo, chorando, gritando. Uma visão inesperada e assustadora. Fui fazendo os primeiros cliques na descida da rua. A foto, que estampou capas de jornais pelo mundo todo, fiz logo na chegada. Acho que ficou entre os primeiros 20 cliques.

Porém, foi somente quando ele chegou em frente à Kiss, que conseguiu entender a dimensão do que estava acontecendo. Nessa hora, Germano relata que já haviam muitas pessoas deitadas no chão. O fotógrafo não sabia identificar se as pessoas estavam com vida ou não. Diante da gravidade da situação, ele ligou novamente para o editor e falou que seria necessário mobilizar toda a equipe.

A partir daquele momento, a madrugada se estendeu e Germano permaneceu no local até o início da tarde, quando retiraram a última vítima da boate.

– Foi muito assustador. Algumas vezes tive que me afastar para pensar, tentar refletir sobre o que estava acontecendo e sobre a minha função dentro de tudo isso – relata.

No dia, também foi aberta a possibilidade do fotógrafo entrar dentro da boate. Porém, ele presenciou muitas pessoas tentando ajudar, e, falecendo depois. Para não colocar a saúde em risco e evitar que mais mortes acontecessem, Germano seguiu fazendo os registros na rua.

– Eu sempre tentei tomar um cuidado em mostrar na minha fotografia o que realmente estava acontecendo, mas sem expor as vítimas, com respeito aos familiares. Na Kiss, eu agi da mesma forma, mas uma hora eu fiquei confuso de qual era minha função ali, porque eu estava a trabalho, mas via pessoas precisando de ajuda ao mesmo tempo. Eu tentei ajudar de alguma forma. Uma hora fui quase agredido por estar fotografando. Nesse momento, eu me afastei, parei pra conversar comigo mesmo e ver a minha real função. Cheguei numa conclusão que eu estava ali para executar meu trabalho da melhor forma possível.

Cobertura continuou

Germano chegou em casa no início da tarde de 27 de janeiro. Tentou descansar, mas não conseguiu. Logo o celular começou a tocar em função da foto emblemática que ele estima ter registrado às 1h57min. Na época, Germano lembra que conseguiu contar 87 capas de jornais no mundo com a sua foto. Porém, ele lamenta que o reconhecimento do trabalho esteja ligado à Kiss.

– Fica um conflito, porque é uma ascensão profissional através de uma tragédia que vitimou 242 pessoas. De maneira alguma, eu gostaria de ter o meu crescimento profissional atrelado a uma tragédia. Por isso, eu sempre tentei ser o mais discreto possível, nunca usei as capas para crescer, em respeito a todas as vítimas. Até porque eu sou de Santa Maria, eu sofri junto com a cidade

Germano decidiu continuar a cobertura no pós-incêndio. Para o fotógrafo, o dia foi tão pesado quanto a noite anterior, pois ele fez a cobertura do reconhecimento dos corpos e dos velórios.

– É uma lembrança triste por tudo que essas famílias passaram. Foi uma das piores partes ver tantas pessoas sofrendo.

Pós-Kiss

Hoje, o fotógrafo reitera que o incêndio não pode ser esquecido e que o julgamento deve responsabilizar os culpados.

– Essa história não pode ser apagada. Providências e atitudes têm de ser tomadas para que isso não se repita e para que essas pessoas não sejam esquecidas.

*Laura Gomes

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Polícia diz que Marília Mendonça e demais passageiros de avião morreram pelo impacto Anterior

Polícia diz que Marília Mendonça e demais passageiros de avião morreram pelo impacto

Próximo

Última vigília antes do júri da Kiss ocorre neste sábado

Geral