reportagem especial

Psicólogos falam dos legados de 2021 e como devem impactar no ano novo

Francine Boijink

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Marcelo Oliveira

De uma palavra que meramente fazia parte do vocabulário à efetivação como sentimento, a ressignificação é uma das marcas deste 2021 que se despede. Com a pandemia da Covid-19 sendo uma constante também neste ano, a balança dos valores e das prioridades do dia a dia passou a ter a composição reavaliada e um novo equilíbrio.

Ressignificar é ação de atribuir um novo significado a algo ou alguém. De acordo com o que observou o psicólogo clínico e professor Patrick Ramos Camargo, nesse espaço de tempo, as pessoas passaram a revisitar seus valores e a compreender melhor ao outro. Além disso, foi percebido um processo de autoconhecimento, o que inclui a percepção das qualidades e defeitos, e a
elevação de seus valores morais.

- Ressignificar é uma palavra que, há muito tempo, vem sendo falada, mas não era sentida. Hoje, é falada e sentida. Isso acho que resume, basicamente, o 2021. As pessoas viram que não precisam de muito para serem felizes, que precisam ter saúde principalmente, que tendo união elas encontram a paz, que tendo família elas encontram a o sentido de vida. Então, essa ressignificação de valores faz com que o andamento da vida cotidiana se estenda por um bom tempo - explica Camargo, que também participa do programa Faz Sentido, da TV Diário e da CDN.

Diferentemente do que se projetava no início da pandemia, em que se prospectava uma maior busca por suporte psicológico por pessoas com depressão, o ano de 2021 teve como predominante a busca de ajuda por pacientes com crises de ansiedade, doença que afeta, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 18 milhões de brasileiros. Ainda de acordo com o professor de pós-graduação em nível internacional, isso se deu em função das pessoas terem estado temerosas quanto à continuidade da perda de vidas para a Covid-19 e, ao mesmo tempo, que a pandemia não tivesse um fim.

Um panorama que, além de intensificar a procura por terapias, também já apresenta uma mudança no comportamento dos pacientes.

- A gente tem dois cenários: antes da pandemia e pós-pandemia. A psicologia é uma área que vem crescendo muito a cada ano. Então, antes da pandemia, tínhamos um público em que, às vezes, vinham três pacientes e ia um embora, vinham dois pacientes e um ia embora. Agora, essa proporção se inverteu, os pacientes agora não querem ter alta - revela Camargo.

PROCURA MAIOR
O aumento na procura por psicólogos e psiquiatras é resultado, ainda, de uma desmistificação em relação aos tratamentos voltados à saúde mental. Além da psicologia, a psiquiatria também registra um acréscimo de pacientes.

Conforme dados de uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria durante a pandemia, no país, 47,9% dos entrevistados perceberam um aumento nos seus atendimentos após ter iniciado a pandemia. Para quase 60% dos profissionais da área, os atendimentos aumentaram até 25% ao ser realizada uma comparação com o período anterior.

- A psicologia e a psiquiatria andam de mãos dadas sim, mas temos que ter uma visão, muitas vezes, de qual o encaminhamento necessário. Tu podes fazer tanto um trabalho psicoterapêutico somente com um psicólogo, sem a necessidade de um psiquiatra, como fazer um acompanhamento com ambos os profissionais. E a psiquiatria como um todo, também tem uma exaustão de profissionais e uma procura muito grande - informa Camargo, ao ressaltar a importância da busca pelo suporte para a saúde mental.

Ainda de acordo com o psicólogo, é inevitável que não se pense em todo o contexto enfrentado com a Covid-19. De acordo com o psicólogo, os reflexos sentidos nessa época devem perdurar ainda por algum tempo, para a adaptação a essa nova realidade, acarretando um maior sofrimento a quem não se habituar com o novo cenário.

O comprometimento maior com o bem-estar e um cenário em que as pessoas começaram a se voltar mais para si, com foco em uma vida mais confortável em meio ao cenário com a Covid-19, também puderam ser percebidos em 2021. Enquanto, em 2020, a pandemia provocou uma sensação de choque pelo fato de jamais ter sido imaginada uma situação como a apresentada, 2021 foi o ano para buscar alternativas em prol de uma vida melhor.

Este foi o panorama presenciado pela psicóloga e psicoterapeuta de orientação analítica Carina Leite Teixeira. Ela ressalta como uma marca desse período o desejo das pessoas de valorizar e aproveitar melhor o momento presente. Comportamento que deve ser mantido também no pós-pandemia.

- Cada vez que a gente enfrenta um problema, a gente expande a mente. O que tivemos durante esses anos foram frustrações. E diante dessas frustrações, a gente encontra meios para administrá-las, para sair dessa crise. Os problemas nos desacomodam, e isso é muito importante. A gente cresce com isso. Acredito que todo esse crescimento pelo qual todos passamos vai continuar - observa.

- Para expandirmos o aparelho de pensar, precisamos ter certas frustrações que tivemos nesses anos e, diante das mesmas, encontramos meios para sair dessa crise. Os problemas nos desacomodam - completa.

TRATAMENTO
Ainda conforme Carina, esse momento de autorreflexão faz com que pacientes que acharam que estavam bem e interromperam o tratamento mental decidissem retornar aos consultórios. Os motivos para essa busca pela saúde mental foram variados, desde o isolamento social até as mudanças no mercado de trabalho, com pessoas não desenvolvendo mais suas tarefas. O cenário fica mais complicado pelo fato de as atribuições serem atreladas como sendo parte da identidade.

Nesse contexto do trabalho, houve a necessidade de adaptação a uma nova realidade em relação à maior utilização das plataformas online. Os próprios atendimentos a pacientes passaram a ser remotos e, de acordo com Carina, esse formato deve permanecer como uma possibilidade, sendo um facilitador.

-Pacientes que não teriam como vir ao consultório por vários motivos conseguem acessar a psicoterapia do lugar onde estão, da sua casa, ou dificuldade de estarem em outra cidade ou país e de ter acesso com esse profissional com quem se identificam - explica a psicóloga.

A psicóloga Carina Leite Teixeira, junto com outros três profissionais da psicanálise, foi convidada a integrar a equipe de um longa-metragem que aborda conflitos pessoais e trajetórias de vida por meio da dança, produzido em meio ao contexto da pandemia. O audiovisual Um Filme Sobre Viver é resultado da adaptação à realidade remota do grupo Integração e Arte, levando em consideração os desafios da ausência do contato físico. As exibições ocorreram no mês de dezembro de 2021 no cinema Arcoplex do Royal Plaza Shopping, em Santa Maria.

A idealização foi das professoras e coreógrafas Alline Fernandez e Pâmela Ferreira como maneira de enfrentamento à frustração e a continuidade do ensino da dança, sendo criado como um projeto de extensão da Faculdade Metodista Centenário em 2020.

- Eles acharam o meio de mostrar sua arte por meio desse filme. Então, muitas das cenas foram gravadas individualmente, em diferentes locações de Santa Maria, nesse sentido de buscar um viver, um filme sobre viver, como sobreviver a toda essa mudança no contexto da dança. É um projeto que foi crescendo e lá pelas tantas tiveram a ideia de unir a dança com a psicanálise - conta Carina.

Os alunos atores expressaram por meio do corpo os seus sentimentos, expondo o que vinham passando durante o isolamento. O filme, contudo, não é apenas sobre dançar, mas também sobre como isso ajuda na terapia. Para ajudar no roteiro, um grupo chamou Carine e mais três psicanalistas para compor algumas falas e poemas.

- Entrou a análise no filme também no sentido de cada um rever como esse período afetou a própria vida, como estavam crescendo e passando por essa etapa. Ficou um trabalho tão bonito - finaliza a psicóloga.

AUMENTA EM 20% A PROCURA PELO CVV
De acordo com dados mais recentes divulgados pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) no país, o número de ligações teve um acréscimo de aproximadamente 20% na média dos contatos feitos entre os meses de abril e junho de 2021, ao ser feita uma comparação com o mesmo período de 2020.

No segundo trimestre de 2021, foram recebidas 276.704 ligações, número que, conforme o CVV, está dentro do esperado ao serem levados em consideração os períodos anteriores. Já no primeiro trimestre também de 2021, houve uma média de 283.692 ligações. Nesse contexto, em relação a essa mesma época do ano passado, uma estabilidade nos chamados foi constatada pelo CVV, sendo o acréscimo de 0,07%.

O CVV foi fundado em 1962, em São Paulo, sendo uma associação civil, sem fins lucrativos e filantrópica. O Centro, desde 1973, é reconhecido como de utilidade pública federal, prestando serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio, sob total sigilo e anonimato.

Em Santa Maria, a central do CVV atende pelo número 188, nas 24 horas do dia.

A FÉ PARA UM ANO DE RECONSTRUÇÃO

style="width: 50%; float: right;" data-filename="retriever">O ano que se encerra foi marcado por um panorama com oportunidades de reconstrução, na busca por se tornar uma pessoa cada vez melhor. Foi um período em que o se reinventar foi necessário nos mais variados âmbitos.

Mesmo com o encerramento do 2021, esse cenário segue sendo uma constante. A enfermeira Carine Fossá, 39 anos, ainda está nessa caminhada. A especialista em nefrologia, além de ter estado na linha de frente contra a Covid-19, teve o ano marcado pela perda da mãe, Claudete Medianeira Costa Pereira, aos 54 anos, em decorrência das complicações da doença. Para conseguir enfrentar esses momentos, ela se voltou ainda mais à fé.

- Eu busquei força em Deus. Busco todos os dias, estou sempre escutando louvor, ministração, palavras, sempre buscando para alimentar meu espírito. Porque sei que o meu emocional estará bem amparado -ressalta Carine, em uma conversa emocionada.

Os choros frequentes, longe de serem sinônimo de fraqueza, são de quem transborda amor, com um sentimento de gratidão pela mãe, que segue sendo um exemplo. O orgulho de Claudete por ela também foi essencial para que a enfermeira tivesse forças para voltar a trabalhar

- A minha fé em Deus tem me ajudado todos os dias. Vejo no quanto posso fazer diferença na vida de uma pessoa nesse momento trágico - menciona Carine, ao destacar que, mesmo com todas dificuldades que se apresentaram desde o início da pandemia, nunca fizeram com que ela pensasse em desistir.

De acordo com a enfermeira, esses momentos vieram acompanhados de muitas mudanças, como a necessidade de um olhar mais profundo para dentro de si, passando pelo conhecimento de necessidades e dos limites, e a ter empatia.

- Estou cuidando do amor de alguém, mas antes de eu cuidar do amor de alguém, ele precisa ser o meu amor - acrescenta.

O ano que se aproxima, para Carine, é uma nova oportunidade na busca pelo ser "pessoas melhores".

- Eu acho que 2022 é um ano em que a gente deve julgar menos e, se possível, nem julgar, abraçar. Agora, a gente está voltando a abraçar. Acho que o abraço cura - finaliza.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

Quase 700 pessoas em vulnerabilidade foram abrigadas pelas casas de passagem em 2021

Próximo

VÍDEO: o que os santa-marienses fariam com os R$ 350 milhões da Mega da Virada?

Geral