Em quatro anos, o preço da soja disparou no mercado brasileiro. A saca de 60 quilos, que custava R$ 67 em fevereiro de 2019, alcançou R$ 200 em fevereiro deste ano na região. Descontada a inflação do período, a alta é de 146%. Porém, esse acréscimo não representa uma superlucratividade para o produtor.
Na atual safra, as perdas nas lavouras da região de Santa Maria são estimadas em 60% por causa da estiagem. Além disso, o custo de produção foi impactado por fatores externos, como a desvalorização do real em relação ao dólar e ao conflito entre Rússia e Ucrânia, impactando na disponibilidade e embarque de fertilizantes. Cerca de 20% do adubo utilizado nas lavouras brasileiras vem da Rússia.
Essa realidade é presenciada de perto pelo agricultor Leonardo Bopp Ferrigolo, 33 anos. Ele possui 110 hectares de área arrendada em Júlio de Castilhos e 80 hectares em Dilermando de Aguiar, além de 30 hectares próprios em Itaara. De acordo com Ferrigolo, enquanto, no ano passado, era possível comprar um saco de adubo com o valor de uma saca de soja, agora, esse insumo básico equivale ao preço de uma saca e meia da oleaginosa.
– O encarecimento do adubo e a pouca estabilidade geraram um aumento de custo que o valor da soja de R$ 200 ou R$ 180 não cobre. Essa alta do soja, em percentual, é menor do que subiram o fertilizante, os herbicidas e os inseticidas. O diesel, que é um insumo bastante usado, encareceu bastante, também. Está quase o preço da gasolina – relata.
Ainda de acordo com ele, ao ser levado em consideração o nível de investimentos na lavoura e em tecnologia, a expectativa era de produzir 60 sacas por hectare, o que acabou não ocorrendo. As lavouras mais precoces foram afetadas com o excesso de calor e a pouca chuva, com a produção reduzindo para 20 sacas. As mais tardias até aparentam estar um pouco melhores, mas não devem ultrapassar as 30 sacas por hectare. Segundo o produtor, há lavouras na região de Júlio de Castilhos que devem colher menos de 10 sacas por hectare.
Outro exemplo de que o aumento mais de 160% no preço do grão em três anos não representa lucro extra ao agricultor é o valor do seguro.
– A mesma máquina que, no ano passado, custava R$ 700 mil usada, hoje está valendo R$ 1 milhão. Porém, ela está mais desgastada e quanto se vai renovar o seguro, a base dela é pelo valor maior. Acaba que o seguro, em vez de R$ 3 mil ou R$ 4 mil, foi contado ontem (segunda-feira)em R$ 12 mil. Então, a mesma máquina, mais velha, mais desgastada, tem um custo de seguro, de manutenção preventiva, mais alto – afirma Ferrigolo.
IMPACTOS SERÃO SENTIDOS EM 2023Os impactos da falta de soja e o custo médio de produção devem ser sentidos pelo agricultor a partir do próximo plantio. Isso depois de uma safra em que a rentabilidade prevista chega a ser nula, com uma produtividade muito baixa. Se a safra se mantivesse no patamar do ano passado, o resultado seria expressivo, com custo menor e boa rentabilidade.
– Nesta safra, nós temos preço, mas não temos produtividade por hectare. Então, o produtor, nesta safra, vai amargar um prejuízo bastante grande, todos eles, praticamente. Alguns, em algumas circunstâncias, poderão ter uma colheita um pouco mais normal e conseguir pagar custos ou até sobrar um pouco – afirma o presidente da Cooperativa Tritícola Sepeense (Cotrisel), José Paulo Salerno.
Conforme ele, essa situação se deve à estiagem, além de os custos iniciais das lavouras terem sido mais altos. Pelo preço médio, haveria rentabilidade boa. Mas como não há produção, 90% dos produtores devem ser afetados.
– Se o preço se mantiver como está e com os custos iniciais que estão sendo previstos, infelizmente, no ano que vem, precisamos colher muito bem para ter uma rentabilidade muito baixa. Vamos ver como isso vai daqui para a frente, ou seja, se vamos ter uma produção boa, porque os custos iniciais serão muito altos – diz.
Conta de luz deve ter bandeira verde até o fim do ano
Nesse cenário, para a safra 2022/2023, haverá rentabilidade, mas não o suficiente para a recuperação de uma safra perdida com a atual, de acordo com Salerno. O preço precisaria ser maior, com a rentabilidade também superior, caso contrário, o custo terá que ser diluído nos próximos dois ou três anos.
Conforme o presidente da Cotrisel, a seca de 2022 pode ser considerada 50% superior à do ano retrasado, sendo que, agora, há os agravantes de difícil controle, como o aumento dos juros e dos custos das lavouras.
– Infelizmente, é uma tempestade perfeita contra a produção que está se formando e temos desafios, todos nós, os produtores, a cooperativa, todo mundo que participa desse processo, de um ano bastante difícil pela frente. No nosso caso (da Cotrisel), temos um atenuante porque o arroz é a nossa principal cultura e está se mantendo, não nos níveis de preços que gostaríamos, mas com a produtividade boa e com volumes que vão nos proporcionar uma estabilidade um pouco maior em 2022 – afirma.
A EVOLUÇÃO DOS PREÇOSValores médios da saca de 60 quilos de soja na região, conforme das cotações da Emater-RS no mês de fevereiro:
2019 – R$ 67
2020 – R$ 77
2021 – R$ 154
2022 – R$ 200
A Valorização da saca no período foi de 146%
A inflação acumulada de fevereiro de 2019 a fevereiro de 2022 foi de 21%, conforme o IPCA
PREÇO NÃO COMPENSAA soja é considerada a cultura mais expressiva nos 35 municípios de abrangência da Emater Regional de Santa Maria, sendo que os três no Estado com as maiores áreas cultivadas do grão ficam englobados em sua abrangência: Tupanciretã (cerca de 150 mil hectares), Cachoeira do Sul (108 mil hectares) e Júlio de Castilhos (100 mil hectares).E os prejuízos na produtividade fazem com que a Emater regional de Santa Maria tenha constatado situações de lavouras onde não teve nenhuma produção, outras com colheita de 5 sacas por hectare e ainda regiões onde a produtividade fica entre 15 e 18 sacas por hectare.
– Os rendimentos foram muito baixos e não são compensados pelo valor da saca da soja, que está bem acima do que estava no mesmo período do ano passado. A rentabilidade do produtor sim foi muito prejudicada neste ano, nesta safra, por conta dos baixos rendimentos obtidos na lavoura – contextualiza o engenheiro agrônomo da Emater, Luís Fernando Oliveira.
Para se ter uma ideia da evolução da cultura na região, conforme o engenheiro agrônomo, na última década, em 2012/2013 a área cultivada era de 623 mil hectares. Já em 2021/2022 uma área de 1,020 milhão foram ocupados pela cultura. A expansão tem se dado basicamente sobre áreas de campo nativo e ,uma pequena parte, sobre cultivo de soja em áreas de arroz irrigado e sobre áreas tradicionalmente ocupadas pela cultura do milho.
FUTURO DA CULTURAEm relação às expectativas dos valores para o futuro, é complexo ser estabelecida uma previsão, conforme Oliveira.
– Porque você tem um cenário internacional que define o preço da cultura e de outras culturas também, são transações a nível mundial. O que a gente pode constatar é o aumento do preço da soja aqui para nós por conta das consequências da estiagem que afetou os três Estados do sul até o Mato Grosso do Sul, uma parte da região produtora do país e afetou outros países vizinhos. Isso diminui a oferta do produto e, por consequência, o preço acaba subindo – diz.
Oliveira acrescenta ser difícil fazer uma previsão devido às interferências climáticas positivas e negativas para as culturas, especialmente para a soja, e a instabilidade política que se vive hoje por conta do conflito entre Rússia e Ucrânia.